João Paulo Bispo, servo dos servos de Deus, para perpétua memória.
Todo o rebanho do Senhor tem como Pastor o Bispo da Igreja de Roma, onde, por soberana disposição da Providência divina, o bem-aventurado Apóstolo Pedro, pelo martírio, prestou a Cristo o supremo testemunho do sangue. Assim, é bem compreensível que tenha sido sempre objeto de particular atenção a legítima sucessão apostólica nesta Sede, com a qual, por ser "mais excelente por causa da sua origem, deve necessariamente estar de acordo toda a Igreja"1.
Por isso mesmo, os Sumos Pontífices, ao longo dos séculos, consideraram seu preciso dever, e igualmente específico direito, regular, com normas adequadas, a boa ordem na eleição do Sucessor. Assim, nos tempos mais recentes, os meus Predecessores S. Pio X2, Pio XI3, Pio XII4, João XXIII5 e, por último, Paulo VI6, todos eles com a intenção de responder às exigências daquele preciso momento histórico, tiveram o cuidado de emanar, a tal propósito, regras sábias e apropriadas, para orientar a idônea preparação e o bom andamento da congregação dos eleitores, aos quais, por vacância da Sé Apostólica, é pedida a importante e árdua incumbência de eleger o Romano Pontífice.
Se hoje me apresto a enfrentar, por minha vez, esta matéria, não é certamente por ter em pouca consideração aquelas normas, que, aliás, aprecio profundamente e entendo confirmar em grande parte, pelo menos na substância e nos princípios de base que as inspiraram. O que me leva a dar este passo é a consciência da nova situação em que a Igreja está a viver hoje, bem como a necessidade de ter presente a revisão geral da lei canônica, já felizmente efetuada, com a colaboração de todo o Episcopado, mediante a publicação e promulgação, primeiro, do Código de Direito Canônico, e, depois, do Código dos Cânones das Igrejas Orientais. Procedendo a idêntica revisão, inspirada pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, tive já o cuidado de adaptar a reforma da Cúria Romana, com a Constituição Apostólica Pastor Bonus7. Aliás, o estipulado no cânone 335 do Código de Direito Canônico, e reproposto no cânone 47 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, faz supor o dever de emanar e, constantemente, atualizar leis específicas que regulem a provisão canônica da Sé Romana, por qualquer motivo vacante.
Na formulação da nova disciplina, embora atendendo às exigências do nosso tempo, tive a preocupação de não me desviar, substancialmente, da linha da sábia e veneranda tradição até agora seguida.
Indiscutível é, na verdade, o princípio, segundo o qual compete aos Pontífices de Roma definir, adaptando-o às mudanças dos tempos, o modo como deve efetuar-se a designação da pessoa chamada a assumir a sucessão de Pedro na Sé Romana. Isto diz respeito, em primeiro lugar, ao Organismo ao qual é pedido o ofício de prover à eleição do Romano Pontífice: segundo praxe milenária, sancionada por específicas normas canônicas que são confirmadas por uma explícita disposição do Código de Direito Canônico vigente (cf. cân. 349), tal Organismo é constituído pelo Colégio dos Cardeais da Santa Igreja Romana. Na verdade, se é doutrina de fé que o poder do Sumo Pontífice deriva diretamente de Cristo, de Quem ele é Vigário na terra8, está fora de dúvida, também, que tal poder supremo na Igreja lhe é atribuído "pela eleição legítima, por ele aceite, juntamente com a consagração episcopal"9. Gravíssimo é, pois, o encargo que pesa sobre o Organismo deputado para tal eleição. Por conseguinte, as normas que regulam a sua ação deverão ser bem precisas e claras, para que a eleição mesma se efetue da maneira mais digna e harmoniosa possível com o ofício de extrema responsabilidade que o eleito deverá, por divina investidura e com o seu consentimento, assumir.
Assim, confirmando a norma do Código de Direito Canônico vigente (cf. cân. 349) na qual se reflete a praxe já milenária da Igreja, reitero uma vez mais que o Colégio dos eleitores do Sumo Pontífice é constituído unicamente pelos Padres Cardeais da Santa Igreja Romana. Neles se exprimem, como que em síntese admirável, os dois aspectos que caracterizam a figura e o ofício do Romano Pontífice: Romano, porque identificado com a pessoa do Bispo da Igreja que está em Roma e, por isso, em relação íntima com o Clero desta cidade, representado pelos Cardeais com títulos presbiterais e diaconais de Roma, e com os Cardeais Bispos das Sedes Suburbicárias; Pontífice da Igreja Universal, porque chamado a fazer, visivelmente, as vezes do Pastor invisível que guia o rebanho inteiro para as pastagens da vida eterna. Também a universalidade da Igreja está bem representada na composição mesma do Colégio Cardinalício, que reúne Purpurados dos vários continentes.
Nas condições históricas atuais, a dimensão universal da Igreja parece estar suficientemente expressa pelo Colégio dos cento e vinte Cardeais eleitores, composto por Purpurados provenientes de todas as partes da terra e das mais diversas culturas. Confirmo, pois, como limite máximo o referido número de Cardeais eleitores, especificando ao mesmo tempo que não quer ser, de forma alguma, sinal de menor consideração a manutenção da norma estabelecida pelo meu predecessor Paulo VI, segundo a qual não participam na eleição aqueles que, no dia em que tem início a vacância da Sé Apostólica, já tiverem completado oitenta anos de vida10. De fato, o motivo desta disposição há que procurá-lo na vontade de não acrescentar ao peso de uma tão veneranda idade o ônus ulterior, constituído pela responsabilidade de escolher aquele que deverá guiar o rebanho de Cristo, de modo adequado às exigências dos tempos. Isto, contudo, não impede que os Padres Cardeais já octogenários tomem parte nas reuniões preparatórias do Conclave, conforme o disposto mais à frente. Deles se espera ainda, e de modo particular, que, em tempo de Sé vacante e sobretudo durante o desenrolar da eleição do Sumo Pontífice, fazendo-se como que guias do Povo de Deus, reunido nas Basílicas Patriarcais de Roma como também noutras igrejas das Dioceses espalhadas pelo mundo inteiro, coadjuvem, com instantes orações e súplicas ao Espírito Divino, a tarefa dos eleitores, implorando para eles a luz necessária para fazerem a sua escolha tendo apenas Deus diante dos olhos, e procurando unicamente a "salvação das almas, que deve ser sempre a lei suprema na Igreja"11.
Particular atenção quis dedicar à instituição antiquíssima do Conclave: também as suas normas e relativos usos estão consagrados e definidos em solenes disposições de vários dos meus Predecessores. Um cuidadoso exame histórico confirma não apenas o caráter contingente de tal instituição, devido às circunstâncias em que apareceu e nas quais aos poucos se foi definindo normativamente, mas confirma igualmente a sua constante utilidade para o exercício ordenado, rápido e regular das operações da própria eleição, particularmente em ocasiões de tensão e desordem.
Por isso mesmo, apesar de ciente da avaliação feita por teólogos e canonistas de todos os tempos, que unanimemente consideram essa instituição não necessária, por sua natureza, para a válida eleição do Romano Pontífice, confirmo com esta Constituição a permanência do Conclave na sua estrutura essencial, fazendo, no entanto, algumas modificações, de forma a adequar a sua disciplina às exigências de hoje. Em particular, considerei oportuno dispor que, durante todo o tempo requerido para a eleição, o alojamento dos Cardeais eleitores, e de quantos são chamados a colaborar no regular andamento da mesma, tenha lugar em condignos aposentos situados dentro do Estado da Cidade do Vaticano. Embora pequeno, o Estado é suficiente para assegurar dentro do recinto das suas muralhas, mediante oportunas precauções indicadas mais adiante, aquele isolamento e conseqüente recolhimento que um ato tão vital para a Igreja inteira exige dos eleitores.
Ao mesmo tempo, considerada a sacralidade do ato e, consequentemente, a conveniência de que o mesmo se realize numa sede condigna, na qual, por um lado, as ações litúrgicas se harmonizem bem com as formalidades jurídicas, e, por outro, se torne mais fácil aos eleitores prepararem o espírito para acolher as moções interiores do Espírito Santo, disponho que a eleição continue a desenrolar-se na Capela Sistina, onde tudo concorre para avivar a consciência da presença de Deus, diante do qual deverá cada um apresentar-se um dia para ser julgado.
Confirmo, além disso, com a minha autoridade apostólica o dever do mais rigoroso segredo sobre tudo o que diga respeito, direta ou indiretamente, às operações mesmas da eleição: também nisto, contudo, quis simplificar e reduzir ao essencial as normas respectivas, para evitar perplexidades, dúvidas e, porventura, sucessivos problemas de consciência em quem tomou parte na eleição.
Por fim, considerei ser minha obrigação rever a própria forma da eleição, tendo em conta as exigências eclesiais atuais e as indicações da cultura moderna. Deste modo, pareceu-me oportuno não conservar a eleição por aclamação quasi ex inspiratione, julgando-a já inadequada para interpretar o pensamento de um colégio eleitoral tão extenso em número e tão diversificado na proveniência. Pareceu igualmente necessário excluir a eleição per compromissum, não só porque de difícil atuação, como o demonstra o aglomerado quase inextricável de normas emanadas a tal respeito no passado, mas também porque é de uma natureza tal que comporta certa limitação na responsabilidade dos eleitores, visto que, nessa hipótese, não seriam chamados a exprimir pessoalmente o próprio voto.
Assim, depois de matura reflexão, cheguei à determinação de estabelecer que a única forma, pela qual os eleitores podem manifestar o seu voto para a eleição do Romano Pontífice, é o escrutínio secreto, efetuado segundo as normas mais à frente indicadas. Com efeito, esta forma oferece as maiores garantias de clareza, regularidade, simplicidade, transparência e, sobretudo, de real e construtiva participação de todos e cada um dos Padres Cardeais, chamados a constituir a assembléia eleitoral do Sucessor de Pedro.
Com estas intenções, promulgo a presente Constituição Apostólica, onde estão contidas as normas, às quais, quando se verificar a vacância da Sé de Roma, se devem rigorosamente ater os Cardeais que têm o direito e o dever de eleger o Sucessor de Pedro, Chefe visível de toda a Igreja e Servo dos servos de Deus.