A g n u s D e i

PRIMEIRO CONCÍLIO ECUMÊNICO DE NICÉIA
Os Cânons dos 318 Bispos reunidos em Nicéia da Bítinia (325 dC)

Se aqueles denominados Cátaros voltarem, que eles primeiro façam uma profissão de que estão dispostos a entrar em comunhão com aqueles que se casaram uma segunda vez, e a dar perdão aos que apostataram. E nessas condições, aquele que estava ordenado continuará no mesmo ministério, assim como o bispo continuará bispo. Àquele que foi bispo entre os Cátaros permita-se que, no entanto, seja um corepíscopo ou goze a honra de um presbítero ou bispo. Não deverá haver dois bispos numa única igreja.

CÂNON VIII - O grande Sínodo decreta, com relação àqueles que se denominam Cátaros, que se voltarem à Igreja Católica e Apostólica, aqueles que foram ordenados continuarão na posição que tinham no Clero. Mas é necessário, antes de tudo, que professem por escrito que observarão e seguirão os dogmas da Igreja Católica e Apostólica; particularmente que eles entrem em comunhão com as pessoas que se casaram pela segunda vez, e com aqueles que, tendo apostatado na perseguição, tenham passado por um período imposto (de penitência) e um tempo fixado (de renovação), de maneira que em todas as coisas eles sigam os dogmas da Igreja Católica. Em qualquer lugar, nas aldeias ou nas cidades, todos os ordenados dentre eles, podem permanecer no clero, no mesmo grau em que estavam. Mas se dentre os que voltarem, houver bispos ou presbíteros da Igreja Católica, é claro que o bispo deve ter a dignidade de bispo; mas se alguém foi nomeado bispo por esses chamados Cátaros, terá o grau de presbítero, a menos que pareça apropriado ao bispo admiti-lo para participar da honra do título. Ou, se assim não for satisfatório, então o bispo arranje para ele um lugar de corepíscopo, ou presbítero, de modo que fique evidente que ele pertence ao Clero, e que não haja dois bispos na cidade.

  • Nota sobre o Cânon VIII: Antes de mais nada, expliquemos o que eram os apóstatas ou aqueles que negaram sua fé diante das ameaças dos perseguidores. Na verdade, era um quadro doloroso de se ver. Cristãos investidos de cargos públicos que, por esse motivo, se viam induzidos a apostatar. Outros, que eram convencidos pelos familiares ou por amigos a fazê-lo. Outros, fracos de espírito, que cediam face ao medo do suplício. Distinguiam-se três categorias: os que sacrificavam aos deuses pagãos; os que incensavam as imagens das divindades, principalmente a do Imperador; enfim, os que, com dinheiro ou através de relacionamentos, arranjavam documentos falsos para provar que não eram cristãos. Na verdade, nada eram diante das multidões de mártires que povoam o Martirológio Romano, o livro que nos conta a história de inúmeros cristãos submetidos às maiores torturas e, por fim, à morte. Os apóstatas que se arrependiam sinceramente de sua traição eram submetidos a duras penitências canônicas, após as quais lhes era administrada a absolvição. A todo pecado, misericórdia, havia ensinado Nosso Senhor. Toda fraqueza humana o encontrara pronto para perdoar.

    Os cátaros ou novacianos eram os seguidores de Novaciano, um padre romano de grande notoriedade e até de méritos incontestáveis. Novaciano não perdoava a Cornélio ter se eleito papa em seu lugar. Cornélio sustentava a tese de misericórdia e absolvição para os apóstatas, nas condições impostas pela Igreja. Novaciano se tornou o campeão da intransigência, acusando de lassidão condenável aqueles que absolviam os apóstatas. Após muitas discussões o Concílio de Roma o expulsou da Igreja. Muitos se puseram ao lado de Novaciano. No ano de 251, ele induziu três bispos a consagrá-lo, tornando-se assim, como chama atenção Fleury, "o primeiro Anti-Papa". Sua indignação se levantou principalmente contra o Papa Cornélio e para subverter a disciplina prevalecente da Igreja, ordenou bispos e os mandou para diferentes lugares do Império como disseminadores de seu erro. Logo que criou o cisma, caiu em heresia, negando que a Igreja tivesse o poder de absolver os que apostataram. É de se observar que Novaciano morreu mártir, mas sua seita continuou até o começo do séc. IV, embora condenada por vários Concílios. Como os Montanistas - seita do fanático Montanus, do séc. II, que pregava o fim do mundo e fazia do martírio uma obrigação ao encontro do qual todos deviam acorrer - rebatizavam os católicos que se passavam para suas seitas, e rejeitavam totalmente qualquer segundo casamento.

    Houve muitas diferenças de opinião entre os entendidos no tocante à posição de corepíscopo na Igreja primitiva. A questão se resume a três definições diferentes: (1) Se os corepíscopos eram sempre sagrados bispos; (2) Se eram algumas vezes, em casos especiais, sagrados bispos; ou (3) Se nunca eram sagrados bispos. A última posição já foi totalmente rejeitada e sobre ela não mais falaremos.

    Apoiando a primeira hipótese estão os escritores anglicanos Beveridge, Hammond, Cave e Routh. Binterim e Augusti, também. Estes dizem que eles eram verdadeiros bispos que, por respeito ao bispo da cidade, estavam proibidos de exercer determinadas funções episcopais, a não ser em ocasiões extraordinárias.

    Apoiando a segunda hipótese, citamos Thomassinus que afirma que havia "duas espécies de corepíscopos, uma de verdadeiros bispos, outra de pessoas que tinham o título de bispo, mas sem consagração".

    1. Pela primeira opinião, ninguém falou com mais fundamento nem com maior autoridade do que Arthur West Haddon, que escreveu a exposição que citamos abaixo, de forma resumida (Haddon, Dict. Christ. Antiq. s. v. Chorepiscopus.):

      O corespíscopo foi criado no final do séc. III, primeiramente na Ásia Menor, com o propósito de atender à necessidade da supervisão episcopal em dioceses rurais. Foram mencionados no Concílio de Ancyra e de Néo-Cesaréia, no ano de 314, e de novo no Concílio de Nicéia. Continuaram a existir no Oriente até no mínimo o séc. IX, quando foram suplantados pelos exarcas (em grego "exarkoi").

      Foram mencionados pela primeira vez no Ocidente no Concílio de Riez, no ano 439, e continuaram a existir (mas não na África) até perto do séc. X. A função de corepíscopo, assim como seu nome, era de uma natureza episcopal, não presbiterial, embora limitada a funções menores. Supervisionavam o distrito rural em lugar dos bispos, ordenando leitores, exorcistas, subdiáconos, mas - como regra - não diáconos nem presbíteros (nunca bispos), exceto por expressa permissão do seu bispo diocesano. Confirmavam em seu próprios distritos e são mencionados como consagrando igrejas.

      No Ocidente, principalmente na Gália, esse ministério parece ter se destacado mais largamente, por ter usurpado as funções epicospais sem a devida subordinação aos bispos diocesanos. Em consequência levantaram contra eles um forte sentimento de hostilidade, que se demonstrou numa série de bulas papais, condenando-os. Posteriormente, uma série de decretos conciliares, nos anos 800, 829, 845 e 888, anulava todos os atos episcopais dos corepíscopos e ordenava que seus atos fossem repetidos por bispos verdadeiros. Finalmente foram extintos, tanto no Oriente, substituídos pelos exarcas, como no Ocidente, substituídos pelos arquidiáconos.

    2. A segunda opinião foi defendida por Thomassinus. Resumimos o essencial do que disse a respeito (Ancienne et Nouvelle Discipline de l'Eglise, Tom.I.Livre II.chap.1.III):

      Pelo cânon LVII do Concílio de Laodicéia, há duas posições: (1) Os bispos não deviam ser ordenados para vilas rurais. (2) Algumas vezes, acidentalmente, o corepíscopo podia ser um bispo, mas somente se fora rebaixado canonicamente para corepíscopo. Esse caso de rebaixamento consta do cânon VIII do Concílio de Nicéia, para evitar que houvesse dois bispos numa diocese. Também este é o significado do cânon X do Concílio de Antioquia, decretando que, mesmo se o corepíscopo fora ordenado bispo, deveria se manter dentro dos limites prescritos pelo cânon. Em casos de necessidade poderia ordenar o baixo clero, mas não, padres ou diáconos, porque esse poder era restrito ao bispo diocesano. O Concílio da Néo-Cesaréia referindo-se (cânon XIV) aos setenta discípulos (dos Evangelhos), mostrou que o corepíscopo eram apenas padres. Se Harmenopoulus, Aristenus, Balsamon e Zonaras dão ao corepíscopo o poder de ordenar padres e diáconos, com a permissão do bispo diocesano, é porque estão expondo uma prática dos primitivos Concílios e não a prática de seu tempo. Enfim, antes do séc. VII, por diferentes acidentes, houve corepíscopos que eram verdadeiros bispos e que, com o consentimento do bispo diocesano, podiam ordenar padres. Mas no tempo em que aqueles comentaristas escreveram, não havia um único corepíscopo no Oriente, como afirma Balsamon.