A g n u s D e i

PRIMEIRO CONCÍLIO ECUMÊNICO DE NICÉIA
Os Cânons dos 318 Bispos reunidos em Nicéia da Bítinia (325 dC)

O bispo de Alexandria terá jurisdição sobre o Egito, Líbia e Pentápolis; assim como o bispo Romano sobre o que está sujeito a Roma. Assim, também, o bispo de Antioquia e os outros, sobre o que está sob sua jurisdição. Se alguém foi feito bispo contrariamente ao juízo do Metropolita, não se torne bispo. No caso de ser de acordo com os cânones e com o sufrágio da maioria, se três são contra, a objeção deles não terá força.

CÂNON VI - Prevaleçam os antigos costumes do Egito, Líbia e Pentápolis, porque o Bispo de Alexandria tem jurisdição sobre todos eles, uma vez que o mesmo é habitual também para o bispo de Roma. Do mesmo modo, na Antioquia e nas outras províncias as Igrejas podem reter seus privilégios. O grande Sínodo declara que se deve entender universalmente que se alguém foi feito bispo sem o consentimento do Metropolita, não deve ser tornar bispo. Se, contudo, dois ou três bispos se opuserem, pelo pendor natural à contradição, ao voto comum dos restantes, se for razoável e de acordo com a lei eclesiástica, prevaleça, então, a escolha da maioria.

  • Nota sobre o Cânon VI: Muitos comentaristas consideram este o cânon mais importante do Concílio de Nicéia, por conta da expressão: "Assim como o Bispo Romano sobre o que está sujeito a Roma", alguns considerando-o uma fonte de reivindicações papais. No entanto, o seu objetivo é apenas confirmar os costumes de jurisdição já existentes na Igreja, seja no Oriente, seja no Ocidente. O que esteve por trás das discussões foi saber se a jurisdição do Bispo de Roma podia ou não ser colocada lado a lado com a jurisdição estatuída para a Igreja de Alexandria, foco principal deste cânon. Melécio desrespeitara os antigos privilégios da Sede de Alexandria e o cânon agora os concedia como lei, aproveitando para confirmar os já habituais direitos das outras províncias orientais (do Egito e de Antioquia).

    Os direitos de Alexandria - já que todas as províncias do Egito estavam aos seus cuidados - eram de sede metropolita, mas tinham algo de uma sede especial.

    Diz Justellus que a palavra empregada pelo cânon "exousia" é a própria de um metropolita. O Concílio de Nicéia decretava ser devida sobre as três províncias - Egito, Líbia e Pentápolis, as quais compunham a diocese de Alexandria, tanto em matérias civis quanto eclesiásticas.

    Temos que ter em vista que a Igreja tinha crescido e isso implicava numa administração mais elaborada, fundamentada na necessidade de estabilizar seus costumes.

    O Cristianismo formava uma só Igreja e teve necessidade de definir uma organização eclesiástica distinta da organização civil, tão perfeita como a do Estado Romano. Esse objetivo foi muito perseguido no séc. IV. No Concílio de Nicéia foram assentados os principais fundamentos de uma hierarquia. Nos concílios seguintes prosseguiram-se as definições, partindo dos velhos costumes, adotando-se regras conforme a necessidade. O Clero conservava os mesmos caracteres que tinham no século anterior. Os padres já não tinham de exercer um oficio mundano e eram sustentados pelos fiéis. O celibato ainda não era uma lei, mas o Papa Dâmaso o recomendava ao Clero; o Concílio de Roma, em 386, recomendava-lhe que o conservasse na forma de voto. O desenvolvimento de comunidades trazia a necessidade de as dividir em paróquias. Em Roma, desde meados do séc. III, o Papa Fabiano dividira a cidade em sete setores, para administração material e confiou uma a cada diácono. Já no séc. IV, para atender às necessidades espirituais, as paróquias eram confiadas aos presbíteros. O chefe de todo o Clero era o Bispo. Cabia-lhe a plena responsabilidade, material e espiritual, da comunidade. Eles eram o que tinham sido há muito tempo e sua autoridade estava ligada a um território, incluindo a cidade, suas vilas e sua zona rural.

    Conforme Daniel-Rops, o Bispo da cidade tinha doravante uma autoridade tão bem estabelecida, tendo ampliado o seu campo de ação, que os "corepíscopos" - bispos rurais - existentes no séc. III, desapareceram. Eles sobreviveram somente na África e na Gália, mas, neste último país, como simples "auxiliares" do bispo da cidade.

    Essa afirmação facilita o entendimento das discussões que despertaram esse ministério, mais adiante expostas.

    Acima dos simples bispos surgiram os metropolitas, bispos de província que correspondia à província romana. O presente Concílio de Nicéia consagra o princípio dessa organização, que do Oriente passou para o Ocidente. Em fins do séc. IV havia 120 metropolitas em 120 Províncias. O Império Romano havia, anteriormente, instituído a diocese (civil) para agrupar as províncias. A diocese era dirigida por um "vicarius"; a Igreja adotou igual organização.

    No Oriente, havia cinco dioceses. Teria, portanto, 5 dioceses religiosas.

    Em cada parte do Império Romano se reconhecia a autoridade superior de uma igreja - Antioquia para a Síria e regiões vizinhas; Éfeso para a Ásia (Menor); Alexandria para o Egito; Cesaréia para a Pérsia; Constantinopla para a Grécia (excetuada a Ilíria administrada por Roma). Esse sistema se efetivará na África, mas não na Gália nem na Espanha nem na Itália, onde o papel do Bispo de Roma era bem diferente. Daí as discussões geradas por este cânon, como anteriormente explicado.

    Posteriormente, surgiram os Patriarcados e com ele certos antagonismos e certos particularismos foram introduzidos na Igreja.

    Sobre a extensão da jurisdição do Bispo de Roma, objeto das acirradas discussões citadas, resumimo-nos a algumas observações.

    Hefele disse: "É evidente que o Concílio não tinha em vista aqui o primado do bispo de Roma sobre toda a Igreja, mas simplesmente seu poder como um Patriarca." (Hefele, Hist. Councils, Vol. I., p. 397).

    A tradução deste cânon (VI) por Rufino foi uma especial maçã de discórdia. "Et ut apud Alexandriam et in urbe Roma vetusta consuetudo servetur, ut vel ille Egypti vel his suburbicariarum ecclesiarum sollicitudinem gerat." (=Seja observado o costume tanto em Alexandria como na cidade de Roma, de modo que correspondentemente exerçam seus cuidados sobre as igrejas do Egito ou sobre suas igrejas suburbicárias). No século XVII esta frase de Rufino deu origem a uma discussão muito acirrada entre o célebre jurista Jacob Gothfried (Godofredo) e seu amigo Salmasius, de um lado, e o jesuíta Sirmond, do outro. A grande prefeitura da Itália, que continha cerca de um terço de todo o Império Romano, era dividida em quatro vicariatos, dentre os quais o vicariato de Roma era o primeiro. À sua frente havia dois administradores: o prefeito da cidade (proefectus urbi) e o vigário da cidade (vicarius urbis). O prefeito da cidade exercia autoridade sobre a cidade de Roma e, mais tarde, sobre um círculo suburbicário de uma centena de limites. O limite do vigário da cidade compreendia dez províncias - Campânia, Lucânia e as de Brutii, Sicília, Sardenha e Córsega.

    Godofredo e Salmasius sustentavam que devia se entender como regiões suburbicárias o pequeno território do prefeito da cidade; enquanto que, de acordo com Sirmond, essas palavras designavam todo o território do vigário da cidade.

    Uma coisa é certa: a primeira tradução latina dos cânones, chamada "Prisca" não se satisfez com o texto grego e traduziu-o assim: "É de antigo costume que o bispo da cidade de Roma tenha um Primado (principado) de modo que governe, com seus cuidados, os lugares suburbicários, e toda sua própria Província". Uma outra redação interessante se encontra em vários manuscritos, que começa assim: "A Igreja de Roma sempre teve uma primazia (primado)". A data antiga dessa adição está evidenciada pelo fato de que o cânon foi citado dessa forma, por Paschassinus, no Concílio de Calcedônia.

    Hefele mais adiante diz: "Os comentadores gregos Zonaras e Balsamon, do século XII disseram bastante explicitamente, em suas explanações sobre os cânones de Nicéia, que este sexto cânon confirma os direitos do Bispo de Roma como patriarca sobre todo o Ocidente", e faz referências ao Syodicon de Beverigde, Tomo I, pp. 66 e 67.