A g n u s D e i
Testemunhos Primitivos
A UNIDADE DA IGREJA
Muitas vezes ouvimos que toda igreja que professa Jesus como seu Salvador
é cristã. Tal afirmativa, porém, tem como objetivo desviar a verdade pois
Cristo fundou apenas uma única Igreja.
Para nos desviar dessa verdade, argumentam que Cristo estabeleceu uma
Igreja invisível (espiritual) e não uma instituição visível, motivo
pelo qual não há problemas em adotar-se doutrinas diferentes. Além dessas
afirmações carecerem de bases bíblicas, também os primeiros cristãos
sabiam que Jesus estabeleceu uma Igreja visível e una sob a autoridade
de Pedro e seus legítimos sucessores:
- "Já que seria demasiado longo enumerar os sucessores dos Apóstolos em todas as
comunidades, nos ocuparemos somente com uma destas: a maior e a mais antiga, conhecida
por todos, fundada e constituída pelos dois gloriosíssimos apóstolos Pedro e Paulo.
Mostraremos que a tradição apostólica que ela guarda e a fé que ela comunicou aos homens
chegaram até nós através da sucessão regular dos bispos, confundindo assim todos aqueles
que querem procurar a verdade onde ela não pode ser encontrada. Com esta comunidade,
de fato, dada a sua autoridade superior, é necessário que esteja de acordo toda
comunidade, isto é, os fiéis do mundo inteiro; nela sempre foi conservada a tradição
dos apóstolos" (Ireneu de Lião, +202, Contra as Heresias III,3,2).
- "Depois da ressurreição, diz o Senhor: 'Apascenta as minhas ovelhas'. Assim
o Senhor edifica sobre Pedro a Igreja e lhe confia as suas ovelhas para
apascentá-las. Se bem que dê igual poder a todos os Apóstolos, constitui
uma só cátedra e dispõe, por sua autoridade, a origem e o motivo da
unidade. Por certo os demais Apóstolos eram como Pedro, mas o primado
é dado a Pedro e a unidade da Igreja e da cátedra é assim demonstrada.
Todos são pastores mas, como se vê, um só é o rebanho apascentado pelo
consenso unânime de todos os Apóstolos. Julga conservar a fé aquele
que não conserva esta unidade recomendada por Paulo? Confia estar
na Igreja aquele que abandona a cátedra de Pedro sobre a qual está fundada
a Igreja?" (Cipriano, +258, Sobre a Unidade da Igreja cap. 4)
- "A Igreja é uma só, embora abranja uma multidão pelo contínuo aumento
de sua fecundidade. Assim como há uma só luz nos muitos raios do sol, uma
só árvore em muitos ramos, um só tronco fundamentado em raízes tenazes,
muitos rios em uma única fonte, assim também esta multidão guarda a
unidade da origem, se bem que pareça dividida por causa da inumerável
profusão dos que nascem. A unidade da luz não comporta que se separe um
raio do centro solar; um ramo quebrado da árvore não cresce; cortado da
fonte, o rio seca imediatamente. Do mesmo modo, a Igreja do Senhor, como
luz derramada, estende seus raios em todo o mundo e é uma única luz que
se difunde sem perder a própria unidade. Ela desdobra os ramos por
toda a terra com grande fecundidade; estende-se ao longo dos rios com
toda a liberalidade e, no entanto, é uma na cabeça, uma pela origem,
uma só mão imensamente fecunda. Nascemos todos do seu ventre, somos
nutridos com seu leite e animados por seu Espírito" (Cipriano, +258, Sobre a Unidade da Igreja cap. 4)
- "A esposa de Cristo não pode ser adulterada: ela é incorrupta e pura,
não conhece mais que uma só casa, guarda com casto pudor a santidade do
único tálamo. Ela nos conserva para Deus e entrega ao Reino os filhos
que gerou. Quem se afasta da Igreja e se junta a uma adúltera, separa-se
das promessas da Igreja. Quem deixa a Igreja de Cristo não alcançará
os prêmios de Cristo. É um estranho, um profano, um inimigo. Não pode ter
Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe. Se alguém se pôde salvar, dos
que figuram fora da arca de Noé, também se salvará o que estiver fora da
Igreja1... Torna-se adversário de Cristo quem rompe a paz e a
concórdia de Cristo... O Senhor diz: 'Eu e o Pai somos um'; está ainda
escrito do Pai e do Filho e do Espírito Santo: 'E estes três são um'2.
Quem crê nesta verdade fundada na certeza divina e adere aos mistérios
celestiais, não abandona a Igreja nem dela se afasta por causa da
diversidade de vontades que se entrechocam. Quem não mantém esta
unidade também não mantém a lei de Deus, a fé no Pai e no Filho. Não
conserva a vida, nem a salvação" (Cipriano, +258, Sobre a Unidade da Igreja cap. 4)
- "Este sacramento da unidade, este vínculo da concórdia que une
inseparavelmente, está indicado no Evangelho pela túnica de nosso Senhor
Jesus Cristo, que não foi dividida nem rasgada. Dentre os que disputavam
por sorteio a veste de Cristo, vestiria o Cristo quem a recebesse íntegra
e a possuísse como túnica incorruptível e indivisível. A Escritura divina
declara: 'Quanto à túnica, como era sem costura, tecida numa só peça,
disseram entre si: «Não a rasguemos, decidamos de quem será por sorteio»'.
Ela trazia a unidade vinda do alto, isto é, do céu, do Pai, e que não pode
ser quebrada por quem a recebe ou a possui, sendo ganha por inteira...
Quem rasga ou divide a Igreja de Cristo não pode possuir a veste de
Cristo. Por outro lado, enfim, quando Salomão estava para morrer e
seu reino havia de ser dividido, o profeta Aquias dirigiu-se no campo ao
rei Jeroboão com as vestes cindidas em doze trapos, dizendo: 'Tira para
ti dez destes trapos pois diz o Senhor: «Eis que divido o reino nas mãos
de Salomão. Dar-te-ei dez cetros; dois ficarão com ele em vista de Davi,
meu servo, e de Jerusalém, cidade santa, onde colocarei o meu nome»'. O
profeta Aquias rasgou sua veste porque deviam ser divididas as doze tribos
de Israel. Como, porém, o povo de Cristo não pode ser dividido, sua túnica,
tecida e coerente, não é dividida pelos que a possuem. Íntegra, conjunta e
indivisível, mostra a concórdia do povo que vestiu o Cristo. No mistério
e no sinal da veste, a unidade da Igreja foi manifestada" (Cipriano, +258, Sobre a Unidade da Igreja cap. 4)
- "Quem é tão ímpio e perverso, tão enlouquecido pelo delírio da discórdia
que julgue poder ou que ouse dividir a unidade de Deus, a veste do Senhor,
a Igreja de Cristo? O próprio Senhor adverte e ensina no Evangelho:
'Haverá um só pastor e um só rebanho'. Pensa alguém que em um só lugar
poderá haver muitos rebanhos e muitos pastores? Também o Apóstolo Paulo,
insinuando esta mesma unidade, suplica, exorta e recomenda: 'Rogo-vos,
irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais a mesma coisa
e não haja cisões entre vós. Sede propensos no mesmo espírito e à mesma
sentença'. Ainda outra vez: 'Suportai-vos mutuamente no amor da
paz, fazendo tudo para conservar a unidade do espírito no vínculo da paz'.
Acreditas que podes subsistir afastado da Igreja, procurando para ti outras
moradas? Disseram a Raab, que prefigurava a Igreja: 'Reune contigo,
em casa, teu pai, tua mãe, teus irmãos, toda a tua família. E quem ultrapassar
a porta de tua casa, responderá por si'. Do mesmo modo como o mistério
da Páscoa significa, na lei do Êxodo, a mesma unidade, o cordeiro que é
morto, figurando a Cristo, deve ser comido numa só casa. Deus disse: 'Será
comido em uma só casa. Não lanceis a carne fora de casa'. A carne de Cristo,
do Santo do Senhor, não pode ser lançada fora. E não há para os fiéis
outra casa senão a Igreja. (Cipriano, +258, Sobre a Unidade da Igreja cap. 4)
- "Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica" (Concílios Ecumênicos de Nicéia (325) e Constantinopla (381), Símbolo Niceno-Constantinopolitano).
- "Perguntando eu com toda a atenção e diligência a numerosos varões,
eminentes em santidade e doutrina, que norma poderia achar segura para
distinguir a verdade da fé católica da falsidade da heresia, eis a resposta
constante de todos eles: quem quiser descobrir as fraudes dos hereges
nascentes, evitar seus laços e permanecer íntegro na sadia fé, há de
resguardá-la, sob o duplo auxílio divino: primeiro, com a autoridade da
lei divina e segundo com a tradição da Igreja católica. Ao chegar a este
ponto, talvez pergunte alguém: sendo perfeito como é o cânon das Escrituras e
suficientíssimo por si só para todos os casos, que necessidade há de se
acrescentar a autoridade da interpretação da Igreja? A razão é que, devido
à sublimidade da Sagrada Escritura, nem todos a entendem no mesmo sentido,
mas cada qual interpreta à sua maneira as mesmas sentenças, de modo a se
poder dizer que há tantas opiniões quantos intérpretes. De uma maneira a
expõe Novaciano, diversamente Sabélio, Donato, Ário, Eunômio, Macedônio;
de outra forma Fotino, Apolinário, Prisciliano; de outra, ainda, Joviniano,
Pelágio, Celéstio ou Nestório. Portanto, é necessário que, em meio a tais
encruzilhadas do erro, seja o sentido católico e eclesiástico o que assinale
a linha diretriz na interpretação da doutrina dos profetas e apóstolos.
E na própria Igreja Católica deve-se procurar a todo custo que nos atenhamos
ao que, em toda a parte, sempre e por todos foi professado como de fé, pois
isto é próprio e verdadeiramente católico, como o diz a índole mesma do
vocábulo, que abarca a globalidade das coisas. Ora obte-lo-emos se seguirmos
a universalidade, a antigüidade e o consentimento. Pois bem: seguiremos
a universalidade se professarmos como única fé a que é professada em todo
o orbe da terra pela Igreja inteira; a antigüidade, se não nos afastarmos
do sentir manifesto de nossos santos pais e antepassados; enfim, o consentimento,
se na mesma antigüidade recorrermos às sentenças e resoluções de todos ou
quase todos os sacerdotes e mestres" (Vicente de Lérins, +450, Comonitório).
1Interessante ironia: sabendo-se que nenhum homem se salvou
fora da arca de Noé, durante o dilúvio, devemos permanecer dentro da
Igreja (figura da antiga arca), pois fora da Igreja não há salvação.
2Alusão a 1Jo 5,7.
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