A g n u s D e i

PATRÍSTICA E FONTES CRISTÃS PRIMITIVAS
Proto-Evangelho de Tiago
Tradução: Carlos Martins Nabeto

XVI

1. O sacerdote disse [a José]: "Devolve a virgem que recebeste do Templo de Deus". Os olhos de José encheram-se de lágrimas. O sacerdote disse ainda: "Bebereis da água da prova do Senhor e esta te mostrará aos olhos os teus pecados".

2. E fez José beber a água e o enviou para a montanha. Porém, retornou são e salvo. Fez o mesmo com Maria, enviando-a também para a montanha. Também ela retornou sã e salva. Então a cidade toda se admirou, por não encontrar pecado neles.

3. Disse o sacerdote: "Visto que o Senhor não indicou o vosso pecado, também eu não vos condenarei". A seguir, os liberou. José tomou Maria e a levou de volta para sua casa, alegre e louvando a Deus de Israel.

XVII

1. Chegou, então, uma ordem do imperador Augusto, obrigando que todos os habitantes de Belém da Judéia participassem do censo. Disse José: "Posso recensear os meus filhos, mas e esta menina? O que informarei no censo? Que é minha esposa? É vergonhoso. Que é minha filha? Todos os filhos de Israel sabem que não é. Faça-se a vontade do Senhor, pois este é o seu dia".

2. Colocou a sela na jumenta e acomodou Maria sobre ela. Um de seus filhos ia conduzindo o animal pelo cabresto enquanto José simplesmente os acompanhava. Ao chegarem a três milhas [de Belém], José notou que Maria estava triste e disse a si mesmo: "Deve ser porque a gravidez a incomoda". Olhando novamente, porém, viu que ela sorria e disse-lhe: "Maria: o que está acontecendo? Às vezes te vejo triste, outras sorridente..." Ela respondeu: "Dois povos foram-me apresentados aos olhos: um que chora e se desespera; e outro que se alegra e rejubila".

3. Atingindo a metade do caminho, Maria disse a José: "Desça-me porque o fruto de meu ventre anseia por vir à luz". Então [José] ajudou-a a descer da jumenta e disse-lhe: "Para onde te levarei para esconder a tua nudez, uma vez que nos encontramos em campo aberto?"

XVIII

1. Descobrindo uma caverna, conduziu-a para dentro e a deixou com seus filhos enquanto se dirigiu para Belém a fim de buscar uma parteira hebréia.

2. E eu, José, andava mas não avançava; olhei para o espaço e o ar parece-me assombroso; olhei para o céu e tudo estava parado, inclusive os pássaros do céu; olhei para a terra e vi um vasilhame no chão e uns trabalhadores sentados, como se estivessem comendo já que suas mãos estavam sobre o vasilhame; porém, embora parecessem comer, não mastigavam e quem parecia pegar a comida, não a retirava do prato e, ainda, os que pareciam levar os manjares à boca, não o faziam porque olhavam para o alto. Havia também ovelhas sendo capturadas, mas não fugiam e o pastor levantou seu cajado para bater-lhes, porém, manteve sua mão no ar. Então olhei para o rio e notei que os cabritos punham seus focinhos nele mas não bebiam da água. Por certo tempo tudo parou.

XIX

1. Então a mulher que descia a montanha me perguntou: "Onde vais?" Respondi: "Procuro por uma parteira hebréia". Ela disse: "Sois de Israel?" Respondi: "Sim". Então ela disse: "Quem está dando à luz na caverna?" Disse-lhe: "Minha esposa". Ela replicou: "Mas não é tua mulher?" Respondi-lhe: "É Maria: aquela que foi criada no Templo do Senhor. De fato, foi-me dada por mulher, mas não o é, e agora concebe por obra do Espírito Santo". Disse a parteira: "Isso é verdade?" José respondeu: "Vinde e vede". Então a parteira foi com ele.

2. Chegando à caverna, pararam, pois estava coberta por uma nuvem luminosa. Disse a parteira: "Minha alma foi agraciada pois meus olhos viram coisas incríveis e a salvação para Israel nasceu!" Então a nuvem saiu da caverna e de dentro brilhou uma forte luz, de forma que nossos olhos não conseguiam ficar abertos. E [a luz] começou a diminuir e viu-se que o menino mamava no peito de sua mãe, Maria. E a parteira gritou: "Hoje é meu grande dia! Vi com os meus olhos um novo milagre".

3. E, saindo da gruta, veio ao seu encontro Salomé. Disse a parteira: "Salomé, Salomé! Preciso contar-lhe uma maravilha jamais vista: uma virgem deu à luz. Como sabes, isso é impossível para a natureza humana". Respondeu-lhe Salomé: "Pelo Senhor, meu Deus, não acreditarei enquanto não puder tocar os meus dedos em sua natureza para examinar-lhe".

XX

1. Então a parteira entrou [na caverna] e disse a Maria: "Prepara-te porque existe uma dúvida sobre ti entre nós". E Salomé pôs seu dedo na natureza [de Maria] e soltou um grande grito: "Ai de mim! Minha malícia e incredulidade são culpadas! Eis que minha mão foi carbonizada e desprendeu-se do meu corpo por tentar ao Deus vivo!"

2. E, se ajoelhando diante de Deus, pediu: "Ó Deus de nossos pais: recorda-te de mim, pois sou descendente de Abraão, Isaac e Jacó! Não me tornes exemplo para os filhos de Israel! Cura-me para que possa continuar a me dedicar aos pobres, pois bem sabes, Senhor, que curava em teu Nome e recebia diretamente de Ti o meu salário".

3. Então um anjo do céu apareceu-lhe e disse: "Salomé, Salomé! Deus te ouviu! Toque o menino e terás alegria e prazer".

4. E Salomé se aproximou e pegou o menino. E disse: "Adoro-te porque nasceste para ser o Grandioso Rei de Israel". Sentiu-se, então, curada e pode sair em paz da caverna. E ouviu-se uma voz que dizia: "Salomé, Salomé! Não digas a ninguém as maravilhas que presenciaste até que o menino vá para Jerusalém".