A g n u s D e i

INSTRUMENTUM LABORIS
Sínodo dos Bispos
Vaticano - 1997

INTRODUÇÃO

O tema da Assembléia Especial

1. Enquanto todo o Povo de Deus se prepara para celebrar com alegria o início do terceiro milênio, e, portanto, os 2000 anos do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, os Pastores da Igreja que está na América, respondendo à convocação do Santo Padre, reúnem-se pela primeira vez em uma Assembléia Especial para este Continente do Sínodo dos Bispos, com o objetivo de refletir sobre o tema: Encontro com Jesus Cristo vivo, caminho para a conversão, a comunhão e a solidariedade na América.(1) Este tema oferece a possibilidade de constatar qual é o estado atual da Igreja neste Continente e como ela pode preparar-se melhor para enfrentar os novos desafios da evangelização no futuro, dentro do marco das finalidades propostas pelo Sumo Pontífice para a assembléia sinodal:(2)

  • promover uma nova evangelização em todo o Continente, como expressão de comunhão episcopal;

  • incrementar a solidariedade entre as diversas Igrejas particulares, nos distintos campos da ação pastoral;

  • iluminar os problemas da justiça e as relações econômicas internacionais entre as nações da América, considerando as enormes desigualdades entre o Norte, o Centro e o Sul.

2. Os diversos elementos que compõem a temática da Assembléia Especial articulam-se entre si, de maneira que as três coordenadas fundamentais - conversão, comunhão e solidariedade - se ordenam direta e intrinsecamente ao grande tema do encontro com Jesus Cristo, como a sua fonte e raiz. Como a Palavra de Deus demonstra claramente, as três atitudes básicas enunciadas nascem do encontro pessoal com o Filho de Deus feito homem. É Jesus quem convida os homens e as mulheres de todos os tempos àquela mudança de vida (metanoia - cf. Mc 1,15), que é o primeiro passo para entrar em comunhão (koinonia) com o mesmo Senhor e com os seus discípulos (cf. At 2,42). A comunhão dos que crêem em Cristo orienta-se, enfim, segundo os passos do Servo de Deus, a viver em solidariedade e serviço (diakonia) com relação aos mais pequeninos (cf. Mt 25,40).

Dado que o encontro com Jesus Cristo é a origem da conversão, da comunhão e da solidariedade, cada uma das respectivas partes do presente texto darão particular importância aos efeitos desse encontro na vida pessoal e comunitária dos fiéis. Além do mais, estas três partes estão intimamente relacionadas entre si:

  • só através da conversão ao Evangelho de Jesus Cristo são possíveis a verdadeira comunhão e a autêntica solidariedade;

  • a comunhão com Cristo e com a sua Igreja é, ao mesmo tempo, a base para uma contínua conversão pessoal e o fundamento sobre o qual se realiza a solidariedade;

  • a solidariedade, enquanto expressão dos valores essenciais do Reino de Deus, manifesta qual é o fim para o qual convergem a conversão e a comunhão.

A identidade religiosa da América

3. Em uma primeira abordagem, pareceria artificial falar simplesmente de "América", englobando nesse conceito o vasto território que compreende as várias regiões do Continente (América do Norte, do Centro, do Sul e o Caribe), pois nesta denominação, aparentemente, predomina o critério geográfico sobre outros aspectos nos quais se acentuam as diferenças históricas, étnicas, culturais e econômicas que caracterizam as diversas nações deste mesmo território. No entanto, desde o ponto de vista religioso, pode-se falar de uma identidade cristã da América, que tem sua origem na proclamação do Evangelho no Novo Mundo, após o descobrimento do Continente há mais de quinhentos anos. O fato mesmo da cruz que Cristóvão Colombo plantou em terra americana, ao chegar à ilha de San Salvador,(3) foi um sinal profético que anunciava como os séculos sucessivos, com suas glórias e seus fracassos, estariam intrinsecamente ligados ao mistério da redenção de Nosso Senhor Jesus Cristo.(4)

Com efeito, após o descobrimento, chegaram às novas terras colonos e imigrantes provenientes de vários países da Europa e também um considerável número de africanos, que foram vítimas do comércio de escravos. Este foi um fato histórico comum a todo o Continente, mesmo quando tal acontecimento se desenvolveu com características próprias, segundo as diversas regiões. Este movimento migratório encontrou-se com as populações indígenas americanas, dando como resultado, em muitos casos, novas expressões culturais nas quais cada uma das diversas civilizações deixou sua marca característica. Posteriormente, no século passado, chegaram novos imigrantes provenientes da Europa, e, mais tarde, também da Ásia e da Oceânia, movidos por ideais e esperanças de uma vida melhor. Em muitas áreas do Continente, a maioria dos imigrantes eram de religião católica; em outras, no entanto, os católicos eram uma minoria, enquanto predominavam os membros de outras confissões religiosas cristãs, nascidas com a Reforma Protestante do século XVI.

4. Como resultado de todos estes fatores, as diversas nações da América são, hoje, compostas por uma rica e variada família multi-étnica e pluricultural, na qual podem ser relevadas as seguintes características fundamentais:

  • Uma raiz cristã comum, na qual se reconhecem os diversos povos com suas tradições e expressões culturais, para além das diversidades humanas e temporais. Este denominador comum apresenta-se com matizes diversos. Com efeito, na América Latina, esta raiz comum, além de cristã, é católica, enquanto ao resto do Continente convém somente o qualificativo de cristã, sem excluir com isso, em menor proporção, a nota de catolicidade.

  • Uma história, rica em civilizações antigas, que, porém, recebeu o anúncio do Evangelho somente há 500 anos. Pode-se dizer, então, que esta raiz cristã comum possui uma história relativamente jovem. Por conseguinte, a Igreja neste Continente é uma Igreja jovem, caracterizada por uma grande vitalidade e força renovadora, que é fonte de esperança e de alegria.

  • A raiz cristã comum encarna-se em um pluralismo de expressões culturais que abrangem um amplo espectro de realidades, tanto no aspeto sóciopolítico e econômico como no aspeto étnico. Esta heterogeneidade é uma riqueza que se apresenta como um fértil campo para o cultivo de relações de comunhão e de solidariedade, que podem ser iluminadas pela Igreja através da nova evangelização.

Estes traços que caracterizam a identidade americana implicam uma grande responsabilidade para a Igreja, na medida em que ela é chamada a ser sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5,13-14) para contribuir, com o seu testemunho, para a construção de uma sociedade mais justa e preparar, assim, a vinda do Reino dos Céus.

5. A intenção do Instrumentum laboris é apresentar os primeiros frutos do processo de preparação, sintetizando as respostas às perguntas formuladas pelos Lineamenta e oferecer, assim, um documento básico para o debate sinodal na Assembléia Especial para a América do Sínodo dos Bispos. No presente documento, portanto, são oferecidos à reflexão e à discussão as principais convergências e divergências nas respostas, os aspectos que devem ser aprofundados e as observações relacionadas com o tema sinodal, em vista do diálogo que manterão os Padres Sinodais, convocados pelo Santo Padre.