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SANTO ATANÁSIO: EPÍSTOLA 39

Escrita no ano 367 dC, por ocasião da Festa da Páscoa, esta epístola relaciona os livros aceitos como canônicos pelos cristãos. De suma importância é o parágrafo 7, onde Atanásio lista os livros que hoje conhecemos como "deuterocanônicos do Antigo Testamento" (normalmente rejeitados pelos protestantes), deixando de lado apenas os livros dos Macabeus; porém, até então, a Igreja cristã ainda não havia estabelecido o cânon bíblico, tarefa que seria realizada um pouco mais tarde em 393 e 397, pelos concílios regionais de Hipona e Cartago, e pelo papa Inocêncio I, em 405, ao dirigir-se ao bispo de Tolosa.

A tradução ora apresentada foi feita pelo nosso tradutor voluntário José Fernandes Vidal, a quem deixamos expressa toda a nossa gratidão.

1. [Alguns hereges gnósticos] escreveram livros que chamam livros de mesa, que marcaram com estrelas, às quais deram os nomes dos Santos. Esses que escreveram tais livros em meio à verdade, atraíram sobre si uma reprovação dupla, porque se esmeraram numa ciência mentirosa e desprezível e desviaram, com ídéias maldosas, os ignorantes e os simples, da fé correta e estabelecida na verdade íntegra, sob a presença de Deus.

2. Já que os citamos como heréticos e assassinos, sendo nós os possuidores das Divinas Escrituras para a salvação, e já que temos, como Paulo escreveu aos Coríntios, que algumas poucas pessoas simples podem ser desviadas da simplicidade e pureza, pela astúcia de certas pessoas, e podem, no futuro, ler outros livros que são chamados apócrifos, iludidos pela semelhança de seus nomes com os dos livros verdadeiros, venho pedir-lhes que tenham paciência se eu também vos escrevo com intuito de lembrar-lhes assuntos com os quais estais familiarizados, levado pela necessidade e para o bem da Igreja.

3. Fazendo menção desse assunto, adoto para fundamentar meu propósito, a norma de Lucas Evangelista, dizendo por mim mesmo: Doravante como alguns têm o propósito de assumirem entre eles os livros chamados apócrifos, e misturá-los com a Escritura divinamente inspirada, sobre a qual fomos convictamente instruídos, como aqueles que "desde o início foram testemunhas oculares e ministros da Palavra, transmitida a nossos Pais, pareceu-me oportuno a mim também", impelido por irmãos verdadeiros e tendo a orientação dos primórdios, firmar para vós os livros incluídos no Cânon, transmitidos e confirmados como divinos, com o propósito de que, se alguém cair em erro possa acusar aqueles que o desviaram, e para que aqueles que continuam firmes na verdade possam de novo se alegrarem ao lhes serem tais fundamentos relembrados.

4. Há, portanto, 22 Livros do Antigo Testamento, número que, pelo que ouvi, nos foram transmitidos, sendo este o número citado nas cartas entre os Hebreus, sendo sua ordem e nomes respectivamente, como se segue: Primeiro, o Gênesis. Depois, o Êxodo. Depois, o Levítico. Em seguida, Números e, por fim, o Deuteronômio. Após esses, Josué, o filho de Nun. Depois, os Juízes e Rute. Em seguida, os quatro Livros dos Reis, sendo o primeiro e o segundo listados como um livro, o terceiro e o quarto também, como um só livro. Em seguida, o primeiro e o segundo Livros das Crônicas, listados como um só livro. Depois, Esdras, sendo o primeiro e o segundo igualmente listados num só livro. Depois desses, há o Livro dos Salmos, os Provérbios, o Eclesiastes e o Cântico dos Cânticos. O Livro de Jó. Os doze Profetas são listados como um livro. Depois Isaías, um livro. Depois, Jeremias com Baruc, Lamentações e a Carta [de Jeremias], num só livro. Ezequiel e Daniel, um livro cada. Assim se constitui o Antigo Testamento.

5. Não é tedioso repetir os [livros] do Novo Testamento. São os quatro Evangelhos, segundo Mateus, Marcos, Lucas e João. Em seguida, o Atos dos Apóstolos e as sete Epístolas [chamadas "católicas"], ou seja: de Tiago, uma; de Pedro, duas; de João, três; de Judas, uma. Em adição, vêm as 14 Cartas de Paulo, escritas nessa ordem: a primeira, aos Romanos, as duas aos Coríntios, uma aos Gálatas, uma aos Efésios, uma aos Filipenses, uma aos Colossenses, duas aos Tessalonicenses, uma aos Hebreus, duas a Timóteo, uma a Tito e, por último, uma a Filemon. Além disso, o Livro da Revelação de João.

6. Há fontes da salvação em que aqueles que têm sede podem saciar-se com as palavras vivas que contêm. Somente nelas está proclamada a doutrina divina. Que nenhum homem acrescente nada a elas, nem delas se apossem. Com respeito a isso, o Senhor envergonhou os Saduceus, dizendo: "Eles erram porque não conhecem a Escritura". Também reprovou os Judeus, dizendo: "Vejam as Escrituras porque elas são que dão testemunho de Mim".

7. Mas, para uma maior exatidão, acrescento também, escrevendo para não me omitir, que há outros livros, além desses, de fato não incluídos no Cânon, indicados pelos Padres para leitura por aqueles recém-admitidos entre nós e que desejam receber instrução sobre a Palavra de Deus: a Sabedoria de Salomão, a Sabedoria de Sirac, Ester e Judite, Tobias, bem como aqueles chamados Ensinamento dos Apóstolos e o Pastor. Quanto aos primeiros, meus irmãos, foram incluídos no Cânon; mas os últimos são [apenas] para leitura, não havendo em lugar nenhum menção a eles como sendo escritos apócrifos. Mas aqueles que são criação de heréticos, que os escreveram quando quiseram, aprovando-os eles próprios, datando-os de modo a usarem-nos como escrituras antigas, aqueles sim, se encontram em condições de desviarem as pessoas simples.