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Carta Encíclica
VIGILANTI CURA

I. O CINEMA E A MORAL CRISTÃ

Zelo da Sé Apostólica neste campo

3. Cada vez que se Nos oferecia uma ocasião propícia, consideramos ser um dever de Nosso altíssimo ofício dirigirmo-Nos ao Episcopado e outros membros do Clero, e também a todos os homens de reta e boa vontade, a fim de se preocuparem com este problema de suma importância.

O cinema precisa colocar-se a serviço do aperfeiçoamento do homem

4 . Já na encíclica "Divini illius magistri", lamentamos "que tais poderosos meios de divulgação, que podem ser, quando inspirados por princípios sãos, de grande utilidade para a instrução e educação, são muitas vezes desgraçadamente subordinados ao fomento dos instintos maus, à avidez do lucro". (A. A. S., 1930, p. 82). Em agosto de 1934, dirigindo-Nos, numa audiência, a uma deputação da Federação Internacional do Trabalho da Imprensa Cinematográfica, depois de ter mostrado a grande importância que esta espécie de espetáculo tomou em nossos dias, e sua influência tão intensa, quer para promover o bem, quer para insinuar o mal, lembrávamos que a todo custo se devia aplicar ao cinema, para que ele não injuriasse e desacreditasse a moral cristã, ou simplesmente a moral humana e natural, a regra suprema que deve reger e regulamentar o grande dom da arte.

Toda a arte nobre tem como fim e como razão-de-ser, tornar-se para o homem um meio de se aperfeiçoar pela probidade e virtude; e por isso mesmo deve ater-se aos princípios e preceitos da moral. E concluíamos, com a aprovação manifesta daquelas pessoas de elite - ainda Nos é consolador relembrar - ser necessário tornar o cinema conforme às normas retas, de modo que possa levar os espectadores à inteireza da vida e uma verdadeira educação.

5. E ainda recentemente, no mês de abril último, recebendo em audiência um grupo de delegados do Congresso Internacional da Imprensa do Cinema, realizado em Roma, expúnhamos de novo o gravíssimo problema e exortávamos com ardor todas as pessoas cordatas, não só em nome da religião, mas também em nome do verdadeiro bem-estar moral e civil dos povos, de envidar todos os esforços, de usar de todos os meios, principalmente da imprensa, para que o cinema se torne cada vez mais um elemento precioso de instrução e de educação, e não de destruição e de ruína para as almas.

Necessidade de diretrizes para a igreja universal

6. Mas o assunto é de tal importância, principalmente nas condições atuais da sociedade, que julgamos necessário tratá-lo de novo, nesta carta, e desenvolvê-lo mais circunstancialmente, traçando diretrizes que correspondam às necessidades presentes, válidas não só para vós, Veneráveis Irmãos, mas também para todos os Bispos do orbe católico. Com efeito, é mui necessário e urgente cuidar para que os progressos da ciência e da arte, e mesmo das artes da indústria técnica, verdadeiros dons de Deus, sejam dirigidos de taI modo à glória de Deus, à salvação das almas, à extensão do reino de Jesus Cristo sobre a terra, que todos, como a Igreja nos faz rezar, "aproveitemos os bens temporais de modo a não perder os bens eternos". Ora, facilmente todos podem verificar que os progressos do cinema, quanto mais maravilhosos se tornam, mais perniciosos foram para a moralidade e para a religião, e mesmo para a honestidade do Estado civil.

Preocupação dos próprios diretores da indústria cinematográfica

7. Os próprios diretores desta indústria, nos Estados Unidos, reconheceram-no quando a esse respeito confessaram sua responsabilidade perante os indivíduos e a sociedade. Em março de 1930, por um ato livre, feito de comum acordo ratificado por suas assinaturas e promulgado pela imprensa, tomaram o compromisso soIene de proteger no futuro a moralidade dos freqüentadores do cinema. Em virtude dessa promessa, comprometeram-se expressamente a nunca exibir um filme que rebaixasse o senso moral dos espectadores, que ferisse a lei natural e humana ou que mostrasse simpatia pela violação da mesma.

Frustrados estes esforços

8. No entanto, apesar desta prudente determinação tomada espontaneamente, os responsáveis e os fabricantes de filmes não puderam ou formalmente não quiseram submeter-se aos princípios a cuja observância se tinham obrigado. Tendo este compromisso sido quase nulo e prosseguindo a exibição do vício e do crime no cinema, todo homem probo, que procura uma honesta diversão, vê-se as mais das vezes obrigado a ficar longe destes espetáculos.

O exemplo dos bispos dos Estados Unidos: "Legião da decência"

9. Nesta gravíssima situação, Veneráveis Irmãos, fostes vós os primeiros a estudar o meio de defender contra o perigo iminente as almas confiadas aos vossos cuidados; instituístes a "Legião da Decência" como uma cruzada santa, fundada para reanimar enfim os ideais da honestidade moral e cristã. Muito Ionge de vós esteve a idéia de prejudicar a indústria do cinema; pelo contrário, vós a preservastes antes contra as ruínas, às quais são expostas as formas recreativas que degeneram em corrupção da arte.

O apoio dos católicos

10. Vossas diretrizes suscitaram a adesão pronta e dedicada dos fiéis que dirigis. E milhões de católicos dos Estados Unidos subscreveram os compromissos da "Legião da Decência", obrigando-se a não assistir a representações cinematográficas que ofendessem a moral cristã e as regras de uma vida honesta. Podemos dizer com imensa alegria: vimos o vosso povo colaborar em tão boa harmonia com os bispos na execução deste programa, como jamais nestes últimos tempos Nos foi dado ver mais íntima união entre ambos.

O apoio de cristãos e de outros grupos

11. E não só os filhos da Igreja Católica, mas distintos protestantes e ilustres israelitas e muitos outros aceitaram a vossa iniciativa; uniram-se aos vossos esforços para dar ao cinema normas que condigam com tão nobre arte e a moral. Conforta-Nos muito assinalar o sucesso notável desta cruzada, pois que, segundo Nos foi referido, sob a vossa vigilância e sob a pressão da opinião pública o cinema mostrou um progresso no terreno moral. Crimes e vícios foram reproduzidos menos freqüentemente do que antes; o pecado não foi aprovado e aclamado tão abertamente; não mais se apresentaram de maneira tão impressionante falsas normas de vida ao espírito impressionável e facilmente excitado da mocidade.

Resposta às críticas

12. Embora em certos meios se tenha predito que o valor artístico do cinema sofreria pelas exigências da "Legião da Decência", parece ter sucedido exatamente o contrário. Pois esta Legião deu forte impulso aos esforços feitos para elevar cada vez mais o cinema a grande nobreza de níveI artístico, impelindo-o à produção de obras clássicas e a criações originais de valor pouco comum.

13. Também os que colocaram seu dinheiro na indústria cinematográfica não tiveram prejuízo com isso, como alguns, sem provar com razões suficientes sua asserção, agouraram; pois não poucos, que aborreciam o cinema por ofender a moral, recomeçaram a freqüentar estes espetáculos, desde que se exibiram filmes com enredos que não desdizem nem da probidade humana nem da moral cristã.

14. No começo da vossa cruzada, Veneráveis Irmãos, dizia-se que estes esforços seriam de curta duração e seus efeitos transitórios, porque, relaxando a vossa vigilância e a dos vossos fiéis, os industriais voltariam a seu talante aos processos anteriores. É fácil compreender por que alguns desejavam voltar às produções equívocas que excitam as paixões inferiores e que proibistes. Enquanto a produção de figuras realmente artísticas, de cenas humanas e ao mesmo tempo virtuosas exige um esforço intelectual, trabalho, habilidade e também uma despesa grande, é relativamente fácil provocar certa categoria de pessoas e de classes sociais com representações que excitam as paixões e despertam os instintos inferiores, latentes no coração humano.

Perseverar no esforço iniciado e bem sucedido

15. Uma vigiIância incessante e universal deve convencer de vez aos produtores de que a "Legião da Decência" não foi fundada para ter só uma curta duração, mas que, sob os auspícios dos Bispos dos Estados Unidos, as diversões honestas do povo em quaIquer tempo e sob quaIquer aspecto com todo empenho sejam salvaguardadas.