A g n u s D e i

DUODECIM SAECULUM
João Paulo II
04.12.1987

IV

10. O Concílio Niceno II, por conseguinte, sancionou a tradição segundo a qual "devem expor-se as venerandas imagens sacras, manufaturadas com tintas, com mosaico e com outras matérias idôneas, nas igrejas consagradas a Deus, nos vasos e paramentos sagrados, nas paredes e nos retábulos, nas casas e nas ruas; e isto aplica-se tanto à imagem de Nosso Senhor Deus e Salvador Jesus Cristo e à de Nossa Senhora Imaculada, a santa Theotokos, como às imagens dos veneráveis anjos e de todos os homens santos e piedosos"34. A doutrina deste Concilio sustentou a arte da Igreja, tanto no Oriente como no Ocidente, inspirando-lhe obras de uma beleza e de uma profundidade sublimes.

Em particular, a Igreja grega e as Igrejas eslavas, apoiando-se nas obras dos grandes teólogos São Nicéforo de Constantinopla e São Teodoro Studita, apologistas do culto das imagens, consideraram a veneração do ícone como parte integrante da Liturgia, à semelhança da celebração da Palavra. Como a leitura dos livros materiais permite a audição da Palavra viva do Senhor, assim a exposição de um ícone figurativo permite àqueles que o contemplam ter acesso aos mistérios da Salvação mediante a vista. "Aquilo que por um lado é manifestado pela tinta e pelo papel, por outro, no ícone, é manifestado pelas várias cores e pelos outros materiais"35.

No Ocidente, a Igreja de Roma destinguiu-se, numa continuidade sem interrupção, pela sua ação a favor das imagens36, sobretudo no momento crítico em que, entre os anos de 825 e 843, os impérios bizantino e franco se demonstraram ambos hostis ao Concílio Niceno II. No Concílio de Trento, a Igreja católica reafirmou a doutrina tradicional, contra uma nova forma de iconoclastia que então se manifestava. Mais recentemente, o Concílio Vaticano II recordou com sobriedade a posição constante da Igreja a respeito das imagens37 e da arte sacra em geral38.

11. Desde há alguns decênios para cá nota-se um surto de interesse pela teologia e pela espiritualidade dos ícones orientais; isso é sinal de ritual da arte autenticamente cristã. A este propósito, não posso deixer de exortar os meus Irmãos no Episcopado a "manterem o uso de expor imagens nas Igrejas à veneração dos fiéis"39 e a empenharem-se para que surjam cada vez mais obras de qualidade verdadeiramente eclesial. O crente de hoje, como o de ontem, há de ser ajudado na oração e na vida espiritual mediante a visão de obras que procurem exprimir o mistério sem nunca o ocultar. É esta a razão pela qual, hoje como no passsado, a fé é a indispensável inspiradora da arte da Igreja.

A arte pela arte, que não leve a pensar senão no seu autor, sem estabelecer uma relação com o mundo divino, não encontra espaço na concepção cristã do ícone. Seja qual for o estilo que adote, todo o tipo de arte sacra deve exprimir a fé e a esperança da Igreja. A tradição das imagens mostra que o artista deve ter consciência de cumprir uma missão a serviço da Igreja.

A arte cristã autêntica é aquela que, através da percepção sensível, leva à intuição de que o Senhor está presente na sua Igreja, que os acontecimentos da história da Salvação dão sentido e orientação à nossa vida e que a glória que nos está prometida começa já a transformar a nossa existência. A arte sacra deve tender a proporcionar-nos uma síntese visual de todas as dimensões da nossa fé. A arte da Igreja deve ter a preocupação de falar a linguagem da Encarnação e exprimir, com os elementos da matéria, Aquele que "se dignou habitar na matéria e realizar a nossa salvação através da matéria", segundo a fórmula feliz de São João Damasceno40.

A redescoberta do ícone cristão ajudará também a tomar consciência da urgência de reagir contra os efeitos despersonalizadores, e às vezes degradantes, das múltiplas imagens que condicionam a nossa vida, na publicidade e nos "mass-media"; trata-se de fato de uma imagem que faz chegar até nós o olhar de um Outro invisível e que nos dá acesso à realidade do mundo espiritual e escatológico.

12. Amadíssimos Irmãos:

Ao recordar a atualidade da doutrina do VII Concílio Ecumênico, parece-me que estamos perante um chamamento à nossa tarefa primordial de evangelização. A secularização crescente da sociedade mostra que ela está se tornando, em larga escala, alheia aos valores espirituais, ao mistério da nossa Salvação em Jesus Cristo e à realidade do mundo futuro. A nossa tradição mais autêntica, que compartilhamos plenamente com os nossos irmãos ortodoxos, ensina-nos que a linguagem da beleza, posta a serviço da fé, é capaz de atingir o coração dos homens e de os levar a conhecer, a partir de dentro, Aquele que ousamos representar nas imagens, Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem, o mesmo, ontem e hoje e por todos os séculos" (Hb 13,8).

A todos dou, de coração, a Bênção Apostólica.

Dado em Roma, junto de São Pedro, a 4 de dezembro, memória litúrgica de São João Damasceno, Presbítero e Doutor da Igreja, do ano de 1987, décimo do meu Pontificado.

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