A g n u s D e i

DUODECIM SAECULUM
João Paulo II
04.12.1987

II

5. O Concílio Niceno II afirmou solenemente a existência da "tradição eclesiástica escrita e não-escrita"17, como referência normativa para a fé e para a disciplina da Igreja. Os Padres manifestaram o seu desejo de "conservar intactas todas as tradições da Igreja, que lhes foram confiadas, sejam elas escritas ou não-escritas. Uma delas consiste precisamente na pintura dos icones, em conformidade com a carta da pregação apostólica"18. Contra a corrente iconoclasta, que também tinha apelado para a Escritura e para a Tradição dos Padres, especialmente para o pseudo-sínodo de Hiéria de 754, o II Concílio de Nicéía sanciona a legitimidade da veneração das imagens, confirmando "o ensino divinamente inspirado dos santos Padres e da Tradição da Igreja católica"19.

Os Padres do II Concílio Niceno entendiam a "tradição eclesiástica" como tradição dos seis Concílios ecumênicos precedentes e dos Padres ortodoxos, cujo ensino era acolhido comumente na Igreja. O Concílio, deste modo, definiu como sendo de fé aquela verdade essencial, segundo a qual a mensagem cristã é "tradição", paràdosis. A medida que a Igreja se foi desenvolvendo, no tempo e no espaço, a sua inteligência da Tradição, da qual é portadora, conheceu também ela as fases de um desenvolvimento, cuja investigação constitui, para o diálogo ecumênico e para toda a reflexão teológica autêntica, um percurso obrigatório.

6. Já São Paulo nos ensina que, para a primeira geração cristã, a paràdosis consiste na proclamação do Acontecimento de Cristo e do seu significado atual, que realiza a Salvação mediante a ação do Espírito Santo (cf. 1Cor 15,3-8; 11,2). A tradição das palavras e dos atos do Senhor foi recolhida nos quatro Evangelhos, mas sem se exaurir neles (cf. Lc 1,1; Jo 20,30; 21,25). Esta tradição primigênia é tradição "apostólica" (cf. 2Ts 2,14-15; Jd 17; 2Pd 3,2). Ela diz respeito não apenas ao "depósito" da "sã doutrina" (cf. 2Tm 1,6-12; Tt 1,9), mas também às normas de comportamento e às regras da vida comunitária (cf. lTs 4,1-7; 1Cor 4,17; 7,17; 11,16; 14,33). A Igreja lê a Escritura à luz da "regra da fé"20, quer dizer, da sua fé viva mantida coerente com o ensino dos Apóstolos. Aquilo que a Igreja sempre acreditou e praticou, ela considera-o justamente como "Tradição apostólica". Santo Agostinho dizia: "Uma observância mantida pela Igreja inteira e conservada sempre, que não tenha sido instituída pelos Concílios, acaba por não ser outra coisa, com pleno direito, senão uma tradição que emana da autoridade dos Apóstolos"21.

De fato, as tomadas de posição dos Padres no decorrer dos grandes debates teológicos dos séculos IV e V, a importância crescente da instituição sinodal a nível regional e universal, fizeram com que, pouco a pouco, a tradição se tornasse a "tradição dos Padres" ou "tradição eclesiástica", entendida como desenvolvimento homogêneo da Tradição apostólica. Foi por isto que São Basílio Magno fez apelo às "tradições não-escritas", que são as "tradições dos Padres"22, para fundamentar a sua teologia trinitária, e sublinha a proveniência dupla da doutrina da Igreja "do ensino escrito, bem como da tradição apostólica"23.

O próprio Concilio Niceno II, que cita oportunamente São Basílio a propósito da teologia das imagens24, invocou também a autoridade dos grandes doutores ortodoxos, como São Gregório Nazianzeno, São Gregório de Nissa, São Cirilo de Alexandria. São João Damasceno pôs também ele em relevo a importância para a fé das "tradições não escritas", isto é, não contidas na Escritura, ao declarar: "Se alguém se apresentar com um Evangelho diferente daquele que a Igreja católica recebeu dos Santos Apóstolos, dos Padres e dos Concílios e que ela conservou até aos nossos dias, não o escuteis"25.

7. Mais próximo de nós, o Concílio Vaticano II apresentou novamente em plena luz a importância da "tradição que provém dos Apóstolos". De fato, "a Sagrada Escritura é a Palavra de Deus, enquanto consignada por escrito sob a inspiração do Espírito divino; a Sagrada Tradição, por seu lado, é portadora da Palavra de Deus, confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos Apóstolos, e transmite-a integralmente aos seus sucessores"26.

"Ora, aquilo que foi transmitido pelos Apóstolos compreende tudo quanto contribui para que o Povo de Deus viva santamente e para o aumento da sua fé"27. Juntamente com a Sagrada Escritura, a Sagrada Tradição constitui "um único depósito sagrado da Palavra de Deus, confiado à Igreja". A interpretação autêntica "da Palavra de Deus escrita ou contida na Tradição foi confiada unicamente ao Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo"28. É mediante uma fidelidade igual ao tesouro comum da Tradição que remonta aos Apóstolos, que as Igrejas se esforçam hoje por aprofundar os motivos das suas divergências e as razões que há para as superar.

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