A g n u s D e i

REDEMPTORIS MATER
João Paulo II
25.03.1987

CONCLUSÃO

51. Ao terminar a Liturgia das Horas quotidiana, entre outras, eleva-se esta invocação da Igreja a Maria:

«Ó Santa Mãe do Redentor, porta do Céu sempre aberta, estrela do mar, socorrei o vosso povo, que cai e anela por erguer-se. Vós que gerastes, com grande admiração de todas as criaturas, o vosso santo Genitor»!

«Com grande admiração de todas as criaturas»! Estas palavras da antífona exprimem aquela admiração de fé, que acompanha o mistério da maternidade divina de Maria. E acompanha-o, em certo sentido, no coração de tudo o que foi criado e, directamente, no coração de todo o Povo de Deus, no coração da Igreja.

Quão admiravelmente Deus, Criador e Senhor de todas as coisas, se deixou levar longe na «revelação de si mesmo» ao homem! (147) Quanto se nos torna patente que ele traspôs todos os espaços daquela «distancia» infinita que separa o Criador da criatura! Se Ele, em si mesmo, per manece inefável e imperscrutável, é ainda mais inefável e imperscrutável na realidade da sua Incarnação, no facto de «se ter feito homem», nascendo da Virgem de Nazaré.

Se Ele quis chamar eternamente o homem para ser «participante da natureza divina» (cf. 2 Pdr 1, 4), pode dizer-se que predispôs a «divinização» do homem em função das suas condições históricas, de modo que, mesmo depois do pecado, está disposto a «resgatar» por elevado preço o desígnio eterno do seu amor, mediante a «humanização» do Filho, que lhe é consubstancial. Tudo o que foi criado e, mais directamente, o homem não pode deixar de ficar estupefacto diante deste dom, de que se tornou participante no Espírito Santo: «Com efeito, Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito» (Jo 3, 16).

No centro deste mistério, no mais vivo desta admiração de fé está Maria. Santa Mãe do Redentor, ela foi a primeira a experimentá-la: «Vós que gerastes, com grande admiração de todas as criaturas, o vosso santo Genitor»!

52. Nas palavras desta antífona litúrgica está expressa também a verdade da «grande mudança de situação» para o homem, determinada pelo mistério da Incarnação. Trata-se de uma autêntica reviravolta, que afecta toda a sua história, desde aquele princípio que nos é revelado nos primeiros capítulos do Génesis, até ao termo derradeiro, na perspectiva do fim do mundo, de que Jesus não nos revelou «o dia nem a hora» (cf. Mt 25, 13). É uma mudança de situação incessante e contínua, entre o cair e o erguer-se, entre o homem do pecado e o homem da graça e da justiça. A liturgia, especialmente no Advento, coloca-se no ponto nevrálgico desta reviravolta e alude ao seu incessante «aqui e agora», ao mesmo tempo que exclama: «Socorrei o vosso povo, que cai e anela por erguer-se»!

Estas palavras referem-se a cada um dos homens, a todas as comunidades humanas, às nações e aos povos, às gerações e às épocas da história humana: referem-se à nossa época, a estes anos do Milénio que está a caminhar para o fim: Socorrei, sim, socorrei o vosso povo que cai»!

É esta a invocação dirigida a Maria, «Santa Mãe do Redentor»; é a invocação dirigida a Cristo, que por meio de Maria entrou na história da humanidade. De ano para ano, a antífona é elevada ao Céu, em louvor de Maria, evocando o momento em que se realizou esta essencial reviravolta histórica, que perdura irreversivelmente: a mudança de situação entre «o cair» e «o erguer-se».

A humanidade fez descobertas admiráveis e alcançou resultados portentosos, no campo da ciência e da técnica; realizou grandes obras nos caminhos do progresso e da civilização; e, nos tempos mais recentes, dir-se-ia que conseguiu acelerar o curso da história; mas a transformação fundamental, a reviravolta que pode dizer-se «original», essa acompanha sempre a caminhada do homem e, através das diversas vicissitudes históricas, acompanha a todos e a cada um dos homens. É a mudança de situação entre «o cair» e «o erguer-se», entre a morte e a vida. Tal reviravolta constitui também um desafio incessante às consciências humanas, um desafio a toda a consciência histórica do homem: o desafio para seguir os caminhos do «não cair», com os recursos sempre antigos e sempre novos, e do «ressurgir», se caiu.

À medida que a Igreja se vai aproximando, juntamente com toda a humanidade, da fronteira entre os dois Milénios, ela por sua parte, com toda a comunidade dos que acreditam em Deus e em comunhão com todos os homens de boa vontade, aceita o grande desafio que se encerra nas palavras da antífona sobre «o povo que cai e anela por erguer-se»; e, conjuntamente, dirige-se ao Redentor e à sua Mãe com a invocação: «Socorrei»! Com efeito, a mesma Igreja vê - e atesta-o esta oração litúrgica - a Bem-aventurada Mãe de Deus no mistério salvífico de Cristo e no seu próprio mistério; vê-a radicada profundamente na história da humanidade, na eterna vocação do homem, segundo o desígnio providencial que Deus predispôs eternamente para ele; vê-a presente como mãe e a participar nos múltiplos e complexos problemas que hoje acompanham a vida das pessoas individualmente, das famílias e das nações; vê-a como auxílio do povo cristão, na luta incessante entre o bem e o mal, para que «não caia» ou, se caiu, para que «se erga».

Faço ardentes votos de que também as reflexões contidas na presente Encíclica aproveitem, para que se renove esta visão no coração de todos os que acreditam.

Como Bispo de Roma, eu envio a todos aqueles a quem estas considerações são destinadas, o ósculo da paz, com saudações e a bênção em nosso Senhor Jesus Cristo. Amém!

- Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 25 de Março, Solenidade da Anunciação do Senhor, do ano de 1987, nono do meu Pontificado.