»» Documentos da Igreja |
A profissão religiosa é «uma expressão mais perfeita» da consagração baptismal
7. A vocação, amados Irmãos e Irmãs, levou-vos à profissão religiosa, graças à qual vós fostes consagrados a Deus, mediante o ministério da Igreja; e, ao mesmo tempo, fostes incorporados na vossa Família religiosa. Por isso, a Igreja pensa em vós, em primeiro lugar enquanto sois pessoas «consagradas»: consagradas a Deus em Jesus Cristo para lhe pertencerdes exclusivamente. Esta consagração determina o vosso lugar na ampla Comunidade da Igreja, do Povo de Deus; ao mesmo tempo, introduz na missão universal deste Povo recursos especiais de energia espiritual e sobrenatural: uma peculiar forma de vida, de testemunho e de apostolado, na fidelidade à missão do vosso Instituto, à sua identidade e ao seu património espiritual. A missão universal do Povo de Deus está radicada na missão messiânica do próprio Cristo - Profeta, Sacerdote e Rei - na qual todos participam de diversas maneiras. A forma de participação própria das pessoas «consagradas» corresponde à forma do vosso enraizamento em Cristo. E é precisamente a profissão religiosa que determina a profundidade e o vigor deste enraizamento.
A mesma profissão cria um vínculo novo do homem com Deus uno e trino, em Jesus Cristo. Este ligame tem fundamento e é acréscimo daquele vínculo original, que se estabeleceu no sacramento do Baptismo. A profissão religiosa «tem as suas raízes profundas na consagração do Baptismo e exprime-a mais perfeitamente». (25) Deste modo, ela torna-se, no seu conteúdo constitutivo, uma nova consagração: a consagração e a doação da pessoa humana a Deus, amado sobre todas as coisas. O compromisso assumido mediante os votos de pôr em prática os conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência, segundo as disposições próprias das vossas Famílias religiosas, conforme se encontram determinadas nas respectivas Constituições, representa a expressão de uma consagração total a Deus e, conjuntamente, o meio que leva à sua realização. Aqui vão buscar também a própria forma o testemunho e o apostolado peculiar das pessoas consagradas. Importa, no entanto, procurar a raiz desta consagração consciente e livre e da subsequente entrega de si mesmo a Deus para Ihe pertencer no Baptismo, sacramento que nos conduz ao mistério pascal, como vértice e centro da Redenção realizada por Cristo.
Por conseguinte, quando se quer pôr totalmente em realce a realidade da profissão religiosa, é necessário referir-se às vibrantes palavras de São Paulo na Carta aos Romanos: «Ou ignorais, porventura, que todos os que fomos baptizados em Cristo Jesus, fomos imersos à semelhança da sua morte? Por meio do Baptismo fomos, pois, sepultados juntamente com Ele, à semelhança da morte, para que, assim como Jesus Cristo... assim caminhemos, nós também, numa nova vida». (26) «O nosso homem velho foi crucificado com Ele... a fim de já não sermos escravos do pecado». (27) «Do mesmo modo, vós também, considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus em Jesus Cristo». (28)
A profissão religiosa - assente na base sacramental do Baptismo, em que está radicada - é uma «nova sepultura na morte de Cristo»: nova, pela consciência e pela escolha; nova, mediante o amor e a vocação; nova, enfim, mediante a incessante «conversão». Essa «sepultura na morte» faz com que o homem «sepultado juntamente com Cristo», «caminhe como Cristo numa vida nova». Em Cristo crucificado vão encontrar o seu fundamento último quer a consagração baptismal, quer a profissão dos conselhos evangélicos; esta, na palavra do Concílio Vaticano II, «constitui uma consagração especial». É simultaneamente morte e libertação. São Paulo escreve: «considerai-vos mortos para o pecado»; ao mesmo tempo, porém, chama a esta morte «libertação da escravatura do pecado». A consagração religiosa, todavia, sobre a base sacramental do santo Baptismo, constitui sobretudo uma vida nova «para Deus em Cristo Jesus».
E eis que assim, conjuntamente à profissão dos conselhos evangélicos, dum modo muito mais amadurecido e mais cônscio é «deposto o homem velho»; e, da mesma maneira, é «revestido o homem novo, criado à imagem de Deus na justiça e na santidade verdadeira», querendo usar, uma vez mais, as palavras da Carta aos Efésios. (29)
Aliança do amor esponsal
8. Portanto, amados Irmãos e Irmãs, todos os que na Igreja inteira viveis a aliança da profissão dos conselhos evangélicos, renovai neste Ano Santo da Redenção a consciência da vossa participação especial na morte do Redentor na Cruz; a consciência daquela participação mediante a qual ressuscitastes, juntamente com Ele, e ressuscitais constantemente para uma vida nova. O Senhor fala a cada um e a cada uma de vós, como certa vez falou por meio do profeta Isaías:
É deste modo que se estabelece a aliança particular do amor esponsal, na qual parecem repercutir, num eco incessante, as palavras relativas a Israel, que o Senhor «escolheu ... para sua possessão», (32) Em cada pessoa consagrada, de facto, é escolhido o «Israel» da nova e eterna Aliança. É todo o Povo messiânico, a Igreja inteira, que é eleita em todas e cada uma das pessoas que o Senhor escolhe no meio deste Povo: em cada pessoa que se consagra por todos a Deus, como propriedade exclusiva. Efectivamente, se é verdade que nenhum homem, nem sequer o mais santo, pode repetir as palavras de Cristo: «eu consagro-me a mim mesmo por eles», (33) entretanto, atendendo ao poder redentor próprio destas mesmas palavras, ao oferecer-se a Deus como propriedade exclusiva, mediante o amor de doação, cada um pode achar-se, por meio da fé, abrangido pelo alcance de tais palavras.
Porventura, não nos chamam a atenção para isto as palavras do Apóstolo na Carta aos Romanos, que nós repetimos e meditamos com tanta frequência: «Exorto-vos, pois, irmãos, pela misericórdia de Deus, a oferecer os vossos corpos como hóstia viva, santa e agradável a Deus; este é o culto racional que lhe deveis prestar»? (34) Nestas palavras repercute-se um certo eco longínquo d'Aquele que, vindo ao mundo e fazendo-se homem, disse ao Pai: «... Formastes-me um corpo... Eis-me aqui... para fazer, ó Deus, a tua vontade». (35)
Rememoramos, por conseguinte — neste contexto particular do Ano do Jubileu da Redenção — o mistério do corpo e da alma de Cristo, como sujeito integral do amor redentor e esponsal: esponsal, porque redentor. Por amor ofereceu-se a si mesmo; por amor, ainda, deu o seu corpo «pelos pecados do mundo». Ao mergulhardes, mediante a consagração dos votos religiosos, no mistério pascal do Redentor, vós, com o amor de uma doação total, manifestais o desejo de que as vossas almas e os vossos corpos sejam compenetrados pelo espírito de sacrifício, daquele modo que São Paulo vos convida a fazê-lo, com as palavras da Carta aos Romanos, que acabamos de citar: «oferecei os vossos corpos como hóstia». (36) Desta maneira, imprime-se na profissão religiosa a semelhança com aquele amor que no Coração de Cristo é redentor e, conjuntamente, esponsal. E um amor assim deve brotar em cada um de vós, amados Irmãos e Irmãs, da própria fonte daquela consagração particular que — assente na base sacramental do santo Baptismo — é o início da vossa vida nova em Cristo e na Igreja: é o início da nova criação.
Que se aprofunde em cada um e cada uma de vós, juntamente com este amor, a alegria de pertencerdes exclusivamente a Deus, de serdes uma herança particular da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo. Procurai repetir, de vez em quando, com o Salmista as palavras inspiradas:
A palavra «segue-me», dita por Cristo, quando «fitou e amou» cada um e cada uma de vós, amados Irmãos e Irmãs, tem este significado também: participa, da maneira mais completa e mais radical possível, na formação daquela «nova criatura» (41) que deve resultar da redenção do mundo, mediante o poder do Espírito de Verdade, que opera pela abundância do mistério pascal de Cristo.