P1.: Estou lhe pedindo ajuda para uma questão relativamente simples que, porém, não estou conseguindo solucionar. Necessito de uma explicação falando da quaresma. Porque se chama quaresma? Qual o seu significado? Qual a atitude do cristão nesta época? Enfim...Quero publicar em nosso jornal paroquiano mas não estou encontrando material de pesquisa. (Marco Antonio)
P2.: Venho mais uma vez pedir-lhes se possivel alguma informação sobre o que significa a quaresma, pois tenho que fazer um trabalho para a escola e não conheço esse assunto. Se puderem me ajudar ficarei eternamente grata. (Rosangela)
1. Origem da Palavra
"Quaresma" provém do latim "Quadragesima" e significa
"quarenta dias" ou, talvez mais apropriadamente, o "quadragésimo
dia". Outras línguas de origem latina expressam essa idéia, como
"Carême" em francês, "Quaresima" em italiano, e "Cuaresma"
em espanhol. O termo latino, por sua vez, é a tradução do termo grego
"Tessarakoste" (=quadragésimo), com certa ligação ao termo
"Pentekoste" (Pentecostes = quinquagésimo), cuja celebração se dá
no 50º dia após a Páscoa. Já os países anglo-saxões, usam o termo "Lent",
de origem teutônica.
2. Conceito de Quaresma
A Quaresma é o período de preparação para a Páscoa do Senhor, cuja duração
é de 40 dias. Tal período, portanto, inicia-se na Quarta-Feira de Cinzas
e se estende até o Domingo de Ramos, uma semana antes da Páscoa. O período
é, assim, marcado pela penitência, pela realização constante de jejuns,
pela conversão e pela preparação dos catecúmenos para o batismo.
No início da Quaresma, na Quarta-Feira de Cinzas, os fiéis têm suas frontes
marcadas com cinzas, como os primitivos penitentes públicos, excluídos
temporariamente da assembléia (lembrando Adão expulso do Paraíso, de onde
vem a fórmula litúrgica: "Lembra-te de que és pó..."). Nos dias que se
seguem, redescobrem o significado do batismo e se esforçam para tomar a
cruz e seguir fielmente a Cristo. Aprofundam, então, o ódio que sentem
pelo pecado e são ajudados em seus esforços pelas orações em comum.
Esse tempo de penitência é bem recordado pela liturgia: as vestes e os
paramentos usados são da cor roxa (no quarto domingo da Quaresma, pode-se
usar o rosa, representando a alegria pela proximidade do término da
tristeza, pela Páscoa); o Hino de Louvor não é recitado; a aclamação do
"Aleluia" também não é feita; não se enfeitam os templos com flores; o uso
de instrumentos musicais torna-se moderado, apenas sustentando o canto, etc.
Portanto, o tempo da Quaresma é um momento forte para a prática
penitencial da Igreja, "particularmente apropriados aos exercícios
espirituais, às liturgias penitenciais, às peregrinações em sinal de
penitência, às privações voluntárias como o jejum e a esmola, a partilha
fraterna (obras de caridade e missionárias)" (Catec.Igr.Cat. nº 1438).
O mesmo pode-se aplicar a todas sextas-feiras do ano, tidas como dias
penitenciais, cf. cân. 1250 do Código de Direito Canônico.
3. Origem do Costume
Ainda que alguns Padres da Igreja, como São Jerônimo (+420), Sócrates
historiador(+433) e São Leão Magno (+461) creditem aos Apóstolos a
instituição dos quarenta dias de jejum antes da Páscoa, o fato é que o
jejum pré-pascal era observado somente em alguns dias, pois nenhum Padre
do período pré-Nicéia (325) parece ter conhecimento de tal tradição. Em
outras palavras, ainda que o jejum pré-pascal fosse praticado desde os
primórdios do Cristianismo, o que denota a existência de uma tradição
apostólica sobre o assunto, não existe segurança para afirmar que tal
jejum durasse realmente quarenta dias, como dá a entender a quaresma.
Prova disso temos em Tertuliano que, ao trocar o Catolicismo pela heresia
Montanista, passou a achar deficitário o jejum dos católicos, uma vez que
os montanistas jejuavam por 15 dias (de Jejunio II e XIV; de Orat. XVIII);
também Santo Ireneu, em uma carta dirigida ao papa São Vítor, sobre a
controvérsia da data da Páscoa, diz que "alguns acham que devem jejuar
por um dia, outros por dois dias, outros por vários dias, e ainda há outros
que calculam 40 horas do dia e da noite para realizarem o jejum"; a
Didascália dos Apóstolos (250) e S. Dionísio de Alexandria também
mencionam o jejum pascal de forma difusa. Parece que a primeira menção à
Quaresma, como período de jejum de 40 dias, pode ser encontrada nas
Cartas Festais de Santo Atanásio (331) e depois, em 339, da pena do mesmo
santo, ao se dirigir à comunidade de Alexandria, pedindo para que esta
observe o costume dos 40 dias conforme praticado pela Igreja de Roma e
grande parte da Europa.
4. Os Quarenta Dias
Indubitavelmente, o período de tentação de Cristo no deserto, bem como os
exemplos de Noé (40 dias na Arca), Moisés (40 anos vagando no deserto) e
Elias, exerceram grande influência na determinação do tempo de duração da
Quaresma. É ainda possível que o fato de Cristo ter permanecido por volta
de 40 horas no sepulcro, tenha também sido levado em conta...
O historiador Sócrates nos informa, no séc. V, que a Quaresma durava seis
semanas em Roma, mas apenas três destas semanas eram dedicadas ao jejum: a
primeira, a quarta e a sexta. Tendo, porém, o número de 40 dias se
estabelecido solidamente, outra alteração acabou por se introduzir:
deixou-se de se fazer alguns jejuns durante o período de 40 dias e
passou-se a jejuar durante todo o período de 40 dias...
Em Peregrinação de Etéria, fala-se de um jejum de oito semanas praticado
pela comunidade de Jerusalém, excluídos os sábados e domingos;
temos, assim, oito semanas de cinco dias, o que totaliza os 40 dias de
jejum.
Já no tempo de São Gregório Magno (590-604), Roma observa seis semanas
de seis dias, totalizando 36 dias, a décima parte de um ano completo (365
dias). Contudo, algum tempo depois, o desejo de manter-se os 40 dias fez
com que se esticasse o período até a Quarta-Feira de Cinzas, como ainda
hoje é praticado.
5. Natureza do Jejum
Também não são poucas as posições sobre este tema. Sócrates, ao se referir
em sua História Eclesiástica (V,22) sobre a prática do séc. V, nos informa
que "alguns se abstêm de todo tipo de criatura que tenha vida, outros
comem somente peixe. Alguns comem pássaros e peixes [...]; outros se abstêm
dos frutos de casca dura e de ovos. Alguns comem somente pão; outros nem
isso. Há também os que se fartam de comida após a hora nona".
Epifânio, Paládio e o autor de "Vida de São Melânio o Jovem" eram mais
rigorosos, defendendo um jejum completo de 24 horas ou mais, especialmente
durante a Semana Santa.
Entretanto, São Gregório, escrevendo para Santo Agostinho da Inglaterra,
dita a regra: "nós nos abstemos da carne fresca e de todas as coisas
que vêm da carne fresca, como o leite, o queijo e os ovos". Foi essa
decisão que mais tarde passou a figurar no "Corpus Iuris", tornando-se a
regra comum da Igreja, ainda que algumas exceções e dispensas,
especialmente quanto aos laticínios, fossem permitidas.
Quanto ao relaxamento dos jejuns, vemos que já desde os tempos do
historiador Sócrates (séc. V) havia cristãos que praticavam o jejum até
a hora nona, isto é, até às três horas da tarde; já por volta do ano 800,
passou-se a praticar até às duas horas da tarde. As regras atuais da
Igreja para o jejum, bem como para a Quaresma podem ser encontradas nos
cânones 1249 à 1253 do Código de Direito Canônico, conforme transcrito
abaixo:
"Cân.1249 - Todos os fiéis, cada qual a seu modo, estão obrigados por lei divina a fazer penitência; mas, para que todos sejam unidos mediante certa observância comum da penitência, são prescritos dias penitenciais, em que os fiéis se dediquem de modo especial à oração, façam obras de piedade e caridade, renunciem a si mesmos, cumprindo ainda mais fielmente as próprias obrigações e observando principalmente o jejum e a abstinência, de acordo com os cânones seguintes.
Cân.1250 - Os dias e tempos penitenciais, em toda a Igreja, são todas as sextas-feiras do ano e o tempo da Quaresma.
Cân.1251 - Observe-se a abstinência de carne ou de outro alimento, segundo as prescrições da Conferência dos Bispos, em todas as sextas-feiras do ano, a não ser que coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades; observem-se a abstinência e o jejum na Quarta-Feira de Cinzas e na Sexta-Feira da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Cân.1252 - Estão obrigados à lei da abstinência aqueles que tiverem completado catorze anos de idade; estão obrigados à lei do jejum todos os maiores de idade até os sessenta anos começados. Todavia, os pastores de almas e os pais cuidem que sejam formados para o genuíno sentido da penitência também os que não estão obrigados à lei do jejum e da abstinência, em razão da pouca idade.
Cân. 1253 - A Conferência dos Bispos pode determinar mais exatamente a observância do jejum e da abstinência, como também substituí-los total ou parcialmente, por outras formas de penitência, principalmente por obras de caridade e exercícios de piedade".
Isto colocado, observamos, segundo a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil, o seguinte:
Para finalizar, existem documentos do Magistério que abordam o assunto,
principalmente quanto a abstinência e o jejum, tão ligados à Quaresma,
de uma forma mais exaustiva. São eles:
R.: São frequentes as dúvidas quanto à Quaresma pois nem sempre a
literatura em português oferece detalhes sobre esse período litúrgico,
principalmente no que se refere à parte histórica. Por isso, dividi esta resposta em
diversas seções, para facilitar a exposição.
Tais documentos, contudo, espero publicá-los no site do Agnus Dei (área de
Documentos Oficiais da Igreja)
assim que me for possível. Existe, porém,
versões impressas (em papel) publicadas, principalmente, pela ed. Paulinas
e ed. Vozes.