A g n u s D e i

PASTORES DABO VOBIS
João Paulo II
25.03.1992

VI
EXORTO-TE A QUE REANIMES O DOM DE DEUS QUE ESTÁ EM TI
A formação permanente dos sacerdotes

As razões teológicas da formação permanente

70. "Exorto-te a que reanimes o dom de Deus que está em ti" (2 Tim l, 6).

As palavras do Apóstolo ao bispo Timóteo podem legitimamente aplicar-se àquela formação permanente, à qual são chamados todos os sacerdotes por força do "dom de Deus" que receberam na sagrada ordenação. Elas introduzem-nos na compreensão da verdade plena e da originalidade inconfundível da formação permanente dos presbíteros. Nisto somos ajudados também por um outro texto de Paulo, que escreve ao mesmo Timóteo: "Não descuides o dom espiritual que recebeste e que te foi concedido por uma intervenção profética, com a imposição das mãos dos presbíteros. Atende a estas coisas e ocupa-te nelas com todo o empenho, a fim de que o teu aproveitamento seja manifesto a todos. Cuida de ti mesmo e do teu ensino; insiste nestas coisas, porque, fazendo isto, salvar-te-ás a ti mesmo e aos outros que te escutam" (1 Tim 4, 14-16).

O Apóstolo pede a Timóteo para "reanimar", ou seja, para reacender o dom divino, como se faz com o fogo sob as cinzas, no sentido de acolhê-lo sem nunca perder ou esquecer aquela "novidade permanente" que é própria de todo o dom de Deus, d'Aquele que faz novas todas as coisas (cf. Ap 21, 5) e, portanto, de vivê-lo na sua inesgotável pujança e beleza original.

Mas aquele "reanimar" não é só sucesso o de uma tarefa confiada à responsabilidade de Timóteo, nem apenas o resultado de um empenhamento da sua memória e vontade. É o efeito de um dinamismo de graça intrínseco ao dom de Deus: é o próprio Deus, portanto, a reanimar o Seu próprio dom, melhor, a libertar toda a extraordinária riqueza de graça e responsabilidade que nele está encerrada.

Com a efusão sacramental do Espírito Santo que consagra e envia, o presbítero é configurado a Jesus Cristo Cabeça e Pastor da Igreja e é mandado a exercer o ministério pastoral. Assim, o sacerdote é assinalado para sempre e de modo indelével no seu ser como ministro de Jesus e da Igreja, é inserido numa condição permanente e irreversível de vida, e é encarregado dum ministério pastoral que, radicado no ser, compromete toda a sua existência e é também ele permanente. O sacramento da Ordem confere ao sacerdote a graça sacramental que o torna participante não só do "poder" e do "ministério" salvífico de Jesus, mas também do seu "amor" pastoral; ao mesmo tempo assegura ao sacerdote todas aquelas graças actuais que lhe serão dadas sempre que forem necessárias e úteis para o digno e perfeito cumprimento do ministério recebido.

A formação permanente encontra, assim, o seu fundamento próprio e a sua motivação original no dinamismo do sacramento da Ordem.

É certo que não faltam razões mesmo puramente humanas que solicitem o sacerdote a realizar a formação permanente. Esta é uma exigência da sua realização progressiva: cada vida é um caminho incessante em direcção à maturidade, e esta passa através da formação contínua. Além disso, é uma exigência do ministério sacerdotal, visto simplesmente na sua natureza genérica e comum a qualquer profissão, ou seja, como um serviço prestado aos outros: hoje não existe profissão, compromisso ou trabalho que não exija uma contínua actualização, se quiser ser credível e eficaz. A exigência de "acertar o passo" com o caminho da história é outra razão humana que justifica a formação permanente.

Mas estas e outras razões são assumidas e especificadas pelas razões teológicas já recordadas e que se podem aprofundar ulteriormente.

O sacramento da Ordem, pela sua natureza de "sinal" que é própria de todos os sacramentos, pode considerar-se, como realmente é, Palavra de Deus: é Palavra de Deus que chama e envia, é a expressão mais forte da vocação e da missão do sacerdote. Mediante o Sacramento da Ordem, Deus chama «coram Ecclesia» o candidato "ao" sacerdócio. O "vem e segue-me" de Jesus encontra a sua proclamação plena e definitiva na celebração do sacramento da sua Igreja: manifesta-se e comunica-se através da voz dela, que ressoa nos lábios do Bispo que reza e impõe as mãos. E o sacerdote responde, na fé, ao chamamento de Jesus: "venho e sigo-te". A partir desse momento, tem início aquela resposta que, como escolha fundamental, deve exprimir-se e reafirmar-se ao longo dos anos do sacerdócio em numerosíssimas outras respostas, todas elas radicadas e vivificadas pelo "sim" da Ordem sagrada.

Neste sentido, pode falar-se duma vocação "no" sacerdócio. Na realidade, Deus continua a chamar e a enviar, revelando o seu desígnio salvífico no desenrolar histórico da vida do sacerdote e das vissicitudes da Igreja e da sociedade. É precisamente desta perspectiva que emerge o significado da formação permanente: ela é necessária para discernir e seguir esse contínuo chamamento ou vontade de Deus. Assim, o apóstolo Pedro é chamado a seguir Jesus já depois de o Senhor ressuscitado lhe ter confiado a sua grei: "Respondeu-lhe Jesus: 'Apascenta as minhas ovelhas. Em verdade, em verdade te digo: quando eras mais novo, tu mesmo te cingias e andavas por onde querias; mas, quando fores velho, estenderás as tuas mãos e outro te cingirá e te levará para onde tu não queres'. E disse isto para indicar o género de morte com que ele havia de glorificar a Deus. E, dito isto, acrescentou: 'Segue-me' " (Jo 2l, 17-19). É, portanto, um "segue-me" que acompanha a vida e a missão do apóstolo. É um "segue-me" que acompanha o apelo e a exigência de fidelidade até à morte (cf. Jo 21, 22), um "segue-me" que pode significar uma sequela Christi até ao dom total de si no martírio [214].

Os Padres sinodais expressaram a razão que justifica a necessidade da formação permanente e, ao mesmo tempo, revela a sua natureza profunda, designando-a como "fidelidade" ao ministério sacerdotal e como "processo de contínua conversão" [215]. É o Espírito Santo, infundido pelo sacramento, que sustém o presbítero nesta fidelidade e que o acompanha e estimula neste caminho de incessante conversão. O dom do Espírito não dispensa, antes solicita a liberdade do sacerdote, para que coopere responsavelmente e assuma a formação permanente como um dever que lhe é confiado. Assim esta é expressão e exigência da fidelidade dele ao seu ministério, ou melhor, ao seu próprio ser. É, portanto, amor a Jesus Cristo e coerência consigo mesmo. Mas constitui também um acto de amor ao Povo de Deus, ao serviço do qual o sacerdote está posto. É ainda um acto de verdadeira e própria justiça: ele é devedor ao Povo de Deus, chamado como é a reconhecer e a promover aquele seu "direito" fundamental de ser destinatário da Palavra de Deus, dos Sacramentos e do serviço da Caridade, que são o conteúdo original e irrenunciável do ministério pastoral do padre. A formação permanente é necessária para que ele esteja em condições de responder condignamente a tal direito do Povo de Deus.

Alma e forma da formação permanente do sacerdote é a caridade pastoral: o Espírito Santo, que infunde a caridade pastoral, introduz e acompanha-o no conhecimento sempre mais profundo do mistério de Cristo, que é insondável na sua riqueza (cf. Ef 3, 14-19), e, por conseguinte, no conhecimento do mistério do sacerdócio cristão. A mesma caridade pastoral impele o presbítero a conhecer cada vez mais as esperanças, as necessidades, os problemas, as sensibilidades dos destinatários do seu ministério: destinatários envolvidos nas suas concretas situações pessoais, familiares, e sociais.

A tudo isto tende a formação permanente, vista como consciente e livre proposta em ordem ao dinamismo da caridade pastoral e do Espírito Santo, que é a sua primeira fonte e alimento contínuo. Neste sentido, a formação permanente é uma exigência intrínseca ao dom e ao ministério sacramental recebido e revela-se necessária em todos os tempos. Hoje, porém, ela é particularmente urgente, não só pela rápida mudança das condições sociais e culturais dos homens e dos povos, no meio dos quais se exerce o ministério pastoral, mas também por aquela "nova evangelização" que constitui a tarefa essencial e inadiável da Igreja no final do segundo milénio.

As diversas dimensões da formação permanente

71. A formação permanente dos sacerdotes, sejam diocesanos ou religiosos, é a continuação natural e absolutamente necessária daquele processo de estruturação da personalidade presbiteral, que se iniciou e desenvolveu no Seminário ou na Casa religiosa com o itinerário formativo em vista da Ordenação.

É de particular importância observar e respeitar a intrínseca ligação que existe entre a formação que precede o sacerdócio e a que se lhe segue. Se, de facto, existisse uma descontinuidade ou até discrepâncias entre estas duas fases formativas, surgiriam imediatamente graves consequências sobre a actividade pastoral e sobre a comunhão fraterna entre os presbíteros, em particular entre os de idades diferentes. A formação permanente não é uma repetição da que foi adquirida no Seminário, simple smente revista ou ampliada com novas sugestões aplicativas. Ela desenvolve-se com conteúdos e sobretudo através de métodos relativamente novos, como um facto vital unitário que, no seu progresso - mergulhando as raízes na formação do Seminário -, requer adaptações, actualizações e modificações, sem, contudo, sofrer rupturas ou soluções de continuidade.

E vice-versa, já desde o Seminário Maior é preciso preparar a futura formação permanente, e abrir para ela o espírito e o desejo dos futuros presbíteros, demonstrando a sua necessidade, as suas vantagens e o seu objectivo, e assegurando as condições da sua realização.

Precisamente porque a formação permanente é uma continuação da do Seminário, o seu fim não pode ser uma pura atitude, por assim dizer, profissional, obtida com a aprendizagem de algumas técnicas pastorais novas. Deve ser, antes, o manter vivo um geral e integral processo de contínuo amadurecimento, mediante o aprofundamento quer de alguma das dimensões da formação - humana, espiritual, intelectual e pastoral - quer da sua íntima e viva conexão específica, a partir da caridade pastoral e em referência a ela.

72. Um primeiro aprofundamento diz respeito à dimensão humana da formação sacerdotal. No contacto quotidiano com os homens, partilhando a sua vida de cada dia, o sacerdote deve aumentar e aprofundar aquela sensibilidade humana que lhe permite compreender as necessidades e acolher os pedidos, intuír as questões não expressas, partilhar as esperanças, as alegrias e as fadigas do viver comum, ser capaz de encontrar a todos e de dialogar com todos. Sobretudo conhecendo e partilhando, isto é, fazendo sua a experiência humana da dor na multiplicidade das suas manifestações, desde a indigência à doença, da marginalização à ignorância, à solidão, à pobreza material e moral, o padre enriquece a própria humanidade e torna-a mais autêntica e transparente, num crescente e apaixonado amor pelo homem.

No amadurecimento da sua formação humana, presbítero recebe uma particular ajuda da graça de Jesus Cristo: a caridade do Bom Pastor, de facto, exprimiu-se não só com o dom da salvação aos homens, mas também com a partilha da sua vida, da qual o Verbo, que se fez "carne"(cf. Jo 1, 14), quis conhecer a alegria e o sofrimento, experimentar a fadiga, partilhar as emoções, consolar a dor. Vivendo como homem entre e com os homens, Jesus Cristo oferece a mais absoluta, genuína e perfeita expressão de humanidade: vemo-l'O a fazer festa nas bodas de Caná, a frequentar uma família de amigos, a comover-se com a multidão faminta que O segue, a restituir aos pais os seus filhos doentes ou mortos, a chorar a morte de Lázaro...

Do sacerdote, cada vez mais amadurecido na sua sensibilidade humana, o Povo de Deus deve poder dizer algo de análogo ao que o autor da Carta aos Hebreus escreve de Jesus: "Não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas. Pelo contrário, Ele mesmo foi provado em tudo,à nossa semelhança, excepto no pecado" (Heb 4, l5).

A formação na sua dimensão espiritual é uma exigência da vida nova e evangélica, à qual o presbítero é chamado, de um modo específico, pelo Espírito Santo infundido no sacramento da Ordem. O Espírito, consagrando-o e configurando-o a Jesus Cristo Cabeça e Pastor, cria uma ligação que, situada no próprio ser do sacerdote, precisa de ser assimilada e vivida de maneira pessoal, isto é, consciente e livre, mediante uma comunhão de vida e de amor cada vez mais rica e uma partilha sempre mais ampla e radical dos sentimentos e das atitudes de Jesus Cristo. Neste ligame entre o Senhor Jesus e o padre, ligame ontológico e psicológico, sacramental e moral, está o fundamento e, ao mesmo tempo, a força para aquela "vida segundo o Espírito" e aquela "radicalidade evangélica", à qual é chamado todo o sacerdote, e que é favorecida pela formação permanente no seu aspecto espiritual. Esta formação mostra-se também necessária à autenticidade e fecundidade do ministério sacerdotal. "Exercitas a cura de almas?", perguntava S. Carlos Borromeu no seu discurso dirigido aos sacerdotes, e respondia deste modo: "Não descuides por causa disso o cuidado de ti mesmo, e não te dês aos outros até ao ponto de não restar nada de ti, para ti próprio. Certamente, deves ter presente a recordação das almas de quem és pastor, mas não te esqueças de ti mesmo. Compreendei, irmãos, que nada é tão necessário a todas as pessoas eclesiásticas como a meditação que precede, acompanha e segue todas as nossas acções: cantarei, diz o profeta, e meditarei (cf. Sal 100, 1). Se administras os sacramentos, ó irmão, medita no que fazes. Se celebras a Missa, medita no que ofereces. Se recitas os salmos em coro, medita a quem e de que coisa falas. Se guias as almas, medita com que sangue foram lavadas; e tudo se faça entre vós na caridade(1 Cor 16, 14). Assim poderemos superar as dificuldades que encontramos, e são inumeráveis, cada dia. De resto, isto é-nos pedido pela tarefa que nos foi confiada. Se assim fizermos, teremos a força para gerar Cristo em nós e nos outros" [216].

Em particular, a vida de oração deve ser continuamente "renovada" no sacerdote. A experiência, de facto, ensina que na oração não se vive dos rendimentos: em cada dia é preciso não só reconquistar a fidelidade exterior aos momentos de oração, sobretudo aos que se destinam à celebração da Liturgia das Horas e àqueles deixados à escolha pessoal livres de prazos e horários de serviço litúrgico, mas também e especialmente reeducar à contínua procura de um verdadeiro encontro pessoal com Jesus, de um confiante colóquio com o Pai, de uma profunda experiência do Espírito.

Quando o apóstolo Paulo diz de todos os crentes que devem chegar " a formar o homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo" (Ef 4, 13), isto aplica-se de modo específico aos sacerdotes chamados à perfeição da caridade e, portanto, à santidade, até porque o seu próprio ministério pastoral pede que eles sejam modelos vivos para todos os fiéis.

Também a dimensão intelectual da formação precisa de ser continuada e aprofundada durante toda a vida do presbítero em particular mediante um estudo e actualização cultural séria e empenhada. Participante da missão profética de Jesus e inserido no mistério da Igreja Mestra da verdade, ele é chamado a revelar aos homens, em Jesus Cristo, o rosto de Deus e, com isso, o verdadeiro rosto do homem [217]. Mas isto exige que o próprio sacerdote procure esse rosto e O contemple com veneração e amor (cf. Sal 26, 8; 41, 2): só assim o pode dar a conhecer aos outros. Em particular, a continuação do estudo teológico mostra-se necessária para que ele possa desempenhar com fidelidade o ministério da Palavra, anunciando-a sem confusões nem ambiguidades, distinguindo-a das simples opiniões humanas, mesmo se famosas e muito difusas. Assim poderá verdadeiramente colocar-se ao serviço do Povo de Deus, ajudando-o a dar as razões da esperança cristã a quem as pedir (cf. 1 Ped 3, 15). Além disso,"o sacerdote, aplicando-se com consciência e constância ao estudo teológico, está em condições de assimilar de forma segura e pessoal a genuína riqueza eclesial. Pode, portanto, cumprir a missão que o empenha na resposta às dificuldades acerca da autêntica doutrina católica, e superar a inclinação própria e a dos outros para a divergência e a atitude negativa a respeito do Magistério e da Tradição" [218].

O aspecto pastoral da formação permanente está bem expresso nas palavras do apóstolo Pedro: "Como bons dispenseiros das graças de Deus, cada um de vós ponha à disposição dos outros os dons que recebeu" (1 Ped 4, 10). Para viver em cada dia segundo os dons recebidos, é preciso que o sacerdote esteja cada vez mais aberto para acolher a caridade pastoral de Jesus Cristo, que lhe foi dada pelo Seu Espírito no sacramento recebido. Assim como toda a actividade do Senhor foi o fruto e o sinal da caridade pastoral, assim deve ser também a actividade ministerial do padre. A caridade pastoral é um dom e, ao mesmo tempo, uma tarefa, uma graça e uma responsabilidade à qual é preciso ser fiel, ou seja, é preciso acolhê-la e viver o seu dinamismo até às exigências mais radicais. Esta mesma caridade pastoral, como se disse, impele e estimula o presbítero a conhecer cada vez melhor a condição real dos homens aos quais é enviado, a discernir os apelos do Espírito nas circunstâncias históricas em que está inserido, a procurar os métodos mais adaptados e as formas mais úteis para exercer hoje o seu ministério. Assim, a caridade pastoral anima e sustenta os esforços humanos do sacerdote em vista de uma acção pastoral que seja actual, credível e eficaz. Mas isto exige uma permanente formação pastoral.

O caminho para a maturidade não requer só que o sacerdote continue a aprofundar as diversas dimensões da sua formação, mas também e sobretudo que saiba integrar cada vez mais harmoniosamente entre si estas mesmas dimensões, chegando progressivamente à unidade interior: isso tornar-se-á possível pela caridade pastoral. Esta, de facto, não só coordena e unifica os diferentes aspectos mas especifica-os, conotando-os como aspectos da formação do sacerdote enquanto tal, ou seja, enquanto transparência, imagem viva, ministro de Jesus Bom Pastor.

A formação permanente ajuda-o a vencer a tentação de reduzir o seu ministério a um activismo que se torna fim em si mesmo,a uma impessoal prestação de coisas mesmo espirituais ou sagradas, a um mero emprego ao serviço da organização eclesiástica. Só a formação permanente ajuda o padre a guardar com amor vigilante o "mistério" que traz em si para o bem da Igreja e da humanidade.

O significado profundo da formação permanente

73. As diferentes e complementares dimensões da formação permanente ajudam-nos a compreender o seu significado profundo: ela tende a ajudar o padre a ser e a fazer o padre no espírito e segundo o estilo de Jesus Bom Pastor.

A verdade é algo a construir! Assim nos adverte S. Tiago: "Sede cumpridores da palavra e não meros ouvintes, enganando-vos a vós próprios" (Tg 1, 22). Os sacerdotes são chamados a "fazer a verdade" do seu ser, ou seja, a viver "na caridade"(cf. Ef 4, 15) a sua identidade e o seu ministério na Igreja e para a Igreja. São chamados a tomar consciência cada vez mais viva do dom de Deus e a fazer dele contínua memória. É este o convite de Paulo a Timóteo: "Guarda o bom depósito pela virtude do Espírito Santo que habita em nós" (2 Tim 1, 14).

No contexto eclesiológico várias vezes recordado, pode considerar-se o significado profundo da formação permanente do sacerdote em ordem à sua presença e acção na Igreja mysterium, communio et missio.

Dentro da Igreja "mistério", ele é chamado, mediante a formação permanente, a conservar e desenvolver na fé a consciência da verdade inteira e surpreendente do seu ser: ele é ministro de Cristo e administrador dos mistérios de Deus (cf. 1 Cor 4, 1). Paulo pede expressamente aos cristãos que o considerem segundo esta identidade; mas ele mesmo, em primeiro lugar, vive na consciência do dom sublime recebido do Senhor. Assim deve acontecer com cada sacerdote, se quiser permanecer na verdade do seu ser. Mas isto apenas é possível na fé, só olhando com os olhos de Cristo.

Neste sentido, se pode dizer que a formação permanente tende a fazer com que o padre seja um crente e se torne sempre mais crente: que veja sempre verdade própria, com os olhos de Cristo. Ele deve guardar esta verdade com amor grato e alegre. Deve renovar a sua fé, quando exerce o ministério sacerdotal: sentir-se ministro de Jesus Cristo, sacramento do amor de Deus pelo homem, todas as vezes que é meio e instrumento vivo da concessão da graça de Deus aos homens. Deve reconhecer esta mesma verdade nos irmãos do presbitério: é o princípio da estima e do amor para aos outros sacerdotes.

74. A formação permanente ajuda o sacerdote, dentro da Igreja "comunhão", a amadurecer a consciência de que o seu ministério é, em última instância, ordenado a reunir a família de Deus como fraternidade animada pela caridade e a conduzí-la ao Pai por meio de Cristo no Espírito Santo [219].

O presbítero deve crescer no conhecimento da profunda comunhão que o liga ao Povo de Deus: ele não está apenas "à frente" da Igreja, mas e primariamente "na" Igreja. É irmão entre irmãos. Agraciado pelo baptismo, com a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus no Filho unigénito, o sacerdote é membro do mesmo e único Corpo de Cristo (cf. Ef 4, 16). A consciência desta comunhão desemboca na necessidade de suscitar e desenvolver a corresponsabilidade na comum e única missão de salvação, com a pronta e cordial valorização de todos os carismas e tarefas que o Espírito oferece aos crentes para a edificação da Igreja. É sobretudo na realização do ministério pastoral, por sua natureza ordenada ao bem do Povo de Deus, que o padre deve viver e testemunhar a sua profunda comunhão com todos, como escrevia Paulo VI: "É preciso fazer-se irmão dos homens no mesmo acto em que queremos ser seus pastores, pais e mestres. O clima do diálogo é a amizade; ou melhor, o serviço" [220].

De modo mais específico, o sacerdote é chamado a amadurecer a consciência de ser membro da Igreja particular, na qual está incardinado, ou seja, inserido por uma ligação ao mesmo tempo jurídica, espiritual e pastoral. Essa consciência supõe e faz crescer um amor particular à própria Igreja. Esta, na realidade, é o termo vivo e permanente da caridade pastoral que deve acompanhar a vida do padre e que o leva a partilhar a história ou a experiência de vida desta Igreja particular nas suas riquezas e fragilidades, nas suas dificuldades e esperanças, a trabalhar nela para o seu crescimento. Cada qual unido aos outros présbíteros deve, portanto, sentir-se enriquecido pela Igreja particular e empenhado activamente na sua edificação, prolongando aquela acção pastoral que distinguiu os irmãos que o precederam. Uma exigência insuprimível da caridade pastoral à própria Igreja particular e do seu amanhã ministerial é a solici tude que o sacerdote deve ter para encontrar, por assim dizer, alguém que o substitua no sacerdócio.

O padre deve amadurecer na consciência da comunhão que subsiste entre as várias Igrejas particulares, uma comunhão radicada no seu próprio ser de Igrejas que vivem in loco a Igreja única e universal de Cristo. Uma tal consciência de comunhão inter-eclesial favorecerá o "intercâmbio de dons", a começar pelos dons vivos e pessoais que são os próprios sacerdotes. Daqui a disponibilidade, ou melhor, o empenho generoso na realização de uma equitativa distribuição do clero [221]. Entre estas Igrejas particulares são de recordar as que, "privadas da liberdade, não podem ter vocações próprias", como também as "Igrejas recentemente saídas da perseguição e as Igrejas pobres às quais foram já dadas ajudas, durante muito tempo e por parte de muitos, e continuam ainda a ser ajudadas com ânimo grande e fraterno" [222].

Dentro da comunhão eclesial, o sacerdote é particularmente chamado a crescer, na sua formação permanente, no e com o próprio presbitério unido ao Bispo. Na sua verdade plena, o presbitério é um mysterium: de facto, é uma realidade sobrenatural porque se radica no sacramento da Ordem. Este é a sua fonte, a sua origem. É o "lugar" do seu nascimento e crescimento. Com efeito, "os presbíteros, mediante o sacramento da Ordem, estão ligados a Cristo único Sacerdote por um vínculo pessoal e indissolúvel. A Ordem é-lhes conferida como pessoas singulares, mas são inseridos na comunhão de todo o presbitério com o Bispo (Lumen gentium, 28; Presbyterorum ordinis, 7 e 8)" [223].

Esta origem sacramental reflecte-se e prolonga-se no âmbito do exercício do ministério presbiteral: do mysterium ao ministerium. "A unidade dos presbíteros com o Bispo e entre si não se acrescenta de fora à natureza própria do seu serviço, mas exprime a sua essência enquanto é o cuidado de Cristo Sacerdote pelo Povo reunido na unidade da Santíssima Trindade" [224]. Esta unidade presbiteral, vivida no espírito da caridade pastoral, torna os sacerdotes testemunhas de Jesus Cristo, que pediu ao Pai "para que todos sejam um só" (Jo 17, 21).

A fisionomia do presbitério é, portanto, a de uma verdadeira família, de uma fraternidade, cujos laços não são da carne nem do sangue mas os da graça sacramental da Ordem: uma graça que assume e eleva as relações humanas, psicológicas, afectivas e espirituais entre os sacerdotes; uma graça que se expande, penetra, se revela e concretiza nas mais variadas formas de ajuda recíproca, não só espirituais mas também materiais. A fraternidade presbiteral não exclui ninguém, mas pode e deve ter as suas preferências: são as preferências evangélicas, reservadas a quem tem maior necessidade de ajuda ou encorajamento. Assim essa fraternidade "tem um cuidado especial pelos jovens presbíteros, tem um cordial e fraterno diálogo com os de meia idade e os de idade avançada e com os que, por razões diversas, experimentam dificuldades; e também aos sacerdotes que abandonaram esta forma de vida ou que não a seguem, não os abandona, pelo contrário, acompanha-os ainda mais com fraterna solicitude" [225].

Do único presbitério fazem também parte, a título diferente, os presbíteros religiosos que residem e trabalham na Igreja particular. A sua presença constitui um enriquecimento para todos; e os e os vários carismas particulares, por eles vividos, enquanto são um apelo a que os presbíteros cresçam na compreensão do próprio sacerdócio, contribuem para estimular e acompanhar a formação permanente dos sacerdotes. O dom da vida religiosa, na estrutura diocesana, quando é acompanhado de sincera estima e de justo respeito pela particularidade de cada instituto e de cada tradição espiritual, alarga o horizonte do testemunho cristão e contribui de vários modos para enriquecer a espiritualidade sacerdotal, sobretudo no que se refere à correcta relação e ao recíproco influxo entre os valores da Igreja particular e da universalidade do Povo de Deus. Por seu lado, os religiosos estarão atentos para garantirem um espírito de verdadeira comunhão eclesial, uma participação cordial no caminho da diocese e nas opções pastorais do Bispo, pondo voluntariamente à disposição o próprio carisma para a edificação de todos na caridade [226].

Enfim, no contexto da Igreja comunhão e do presbitério, pode-se enfrentar melhor o problema da solidão do sacerdote, sobre o qual reflectiram os Padres sinodais. Há uma solidão que faz parte da experiência de todos e que é algo de absolutamente normal. Mas há também aquela solidão que nasce de dificuldades várias e que, por sua vez, provoca ulteriores contrariedades. Neste sentido, "a activa participação no presbitério diocesano, os contactos regulares com o Bispo e com os outros sacerdotes, a mútua colaboração, a vida comum ou fraterna entre colegas, como também a amizade e a cordialidade com os fiéis leigos actuantes nas paróquias são meios muito úteis para ultrapassar os efeitos da solidão que algumas vezes o sacerdote pode experimentar" [227].

A solidão, porém, não cria só dificuldades, oferece também oportunidades positivas para a vida sacerdotal: "aceite com espírito de oferta e procurada na intimidade com Jesus Cristo Senhor, a solidão pode ser uma oportunidade para a oração e o estudo, como também uma ajuda para a santificação e o crescimento humano" [228]. Uma certa forma de solidão é elemento necessário para a formação permanente. Jesus, sabia retirar-se por vezes, para orar sozinho (cf. Mt 14, 23). A capacidade de aguentar uma boa solidão é condição indispensável para o cuidado da vida interior. Trata-se de uma solidão habitada pela presença do Senhor, que, na luz do Espírito Santo, nos põe em contacto com o Pai. Neste sentido, a procura do silêncio e de espaços e tempos de "deserto" é necessária à formação permanente, quer no campo intelectual, quer no campo espiritual e pastoral. Neste sentido ainda, pode-se afirmar que não é capaz de verdadeira e fraterna comunhão, quem não sabe viver bem a própria solidão.

75. A formação permanente destina-se a fazer crescer no sacerdote a consciência da sua participação na missão salvífica da Igreja. Na Igreja "missão", a formação permanente dele entra não só como sua condição necessária, mas também como meio indispensável para manter constantemente vivo o sentido da missão e para lhe garantir uma realização fiel e generosa. Com tal formação, o presbítero é ajudado a tomar plena consciência, por um lado, da gravidade, mas também da graça esplêndida de uma obrigação que não pode deixá-lo tranquilo - como Paulo, deve poder afirmar: "Para mim, evangelizar não é um título de glória, mas um dever. Ai de mim se não prego o Evangelho!" (1 Cor 9,16) -e, por outro lado, de um pedido insistente, explícito ou implícito, dos homens,aos quais Deus incansavelmente chama à salvação.

Só uma adequada formação permanente consegue manter o sacerdote naquilo que é essencial e decisivo para o seu ministério, ou seja, na fidelidade, como escreve o apóstolo Paulo: "Ora, o que se requer dos administradores (dos mistérios de Deus) é que sejam fiéis" (1 Cor 4, 2). O padre deve ser fiel, não obstante as mais diversas dificuldades encontradas, nas condições mais incómodas ou de compreensível cansaço, com todas as energias de que dispõe, e até ao fim da vida. O testemunho de Paulo deve servir de exemplo e de estímulo para cada sacerdote. "Da nossa parte - escreve aos cristãos de Corinto - não damos em nada qualquer motivo de escândalo para que o nosso ministério não seja censurado. Em todas as coisas, procuramos acreditar-nos como ministros de Deus, com muita paciência nas tribulações, nas necessidades, nas angústias, nos açoites, nos cárceres, nas sedições, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns; pela castidade, pela ciência, pela paciência, pela bondade, pelo Espírito Santo, por uma caridade não fingida, pela palavra da verdade, pelo poder de Deus; com as armas da justiça, as da mão direita e as da esquerda; na honra e na desonra, na boa e na má fama; considerados como impostores, ainda que sinceros; como desconhecidos, ainda que bem conhecidos; como agonizantes, embora estejamos com vida; como condenados, ainda que livres da morte; considerados tristes, mas sempre alegres; pobres, ainda que tenhamos enriquecido a muitos; como nada tendo, mas possuindo tudo" (2 Cor 6, 3-10).

Em todas as idades e condições de vida

76. A formação permanente, precisamente porque é "permanente", deve acompanhar os sacerdotes sempre, ou seja, em todos os períodos e condições da sua vida, assim como nos diversos níveis de responsabilidade eclesial: evidentemente, com as possibilidades e características ligadas às várias idades, condições de vida e tarefas confiadas.

A formação permanente é um dever, antes de mais, para os jovens sacerdotes: deve ter uma tal frequência e sistematização de encontros que, enquanto prolonga a seriedade e a solidez da formação recebida no Seminário, introduza progressivamente os jovens na compreensão e na vivência das singulares riquezas do "dom" de Deus - o sacerdócio - e na expressão das suas potencialidades e atitudes ministeriais, graças também a uma inserção cada vez mais convicta e responsável no presbitério, e, portanto, na comunhão e na corresponsabilidade com todos os irmãos no sacerdócio.

Se se pode compreender um certo sentido de "saciedade" que se apodera dos jovens padres mal saídos do Seminário, frente a novas ocasiões de estudo e de encontro, deve todavia rejeitar-se como absolutamente falsa e perigosa a idéia de que a formação presbiteral se conclui no termo da presença no Seminário.

Participando nos encontros de formação permanente, os jovens sacerdotes poderão oferecer uma recíproca ajuda com a troca de experiências e de reflexões sobre a tradução concreta daquele ideal presbiteral e ministerial que assimilaram nos anos de Seminário. Ao mesmo tempo, a sua participação activa nos encontros formativos do presbitério poderá servir de exemplo e de estímulo aos outros sacerdotes mais avançados em idade, testemunhando assim o próprio amor a todo o presbitério e a própria paixão pela Igreja particular necessitada de padres bem formados.

Para acompanhar os jovens sacerdotes nesta primeira e delicada fase da sua vida e do seu ministério, é hoje muito oportuno, senão mesmo necessário, criar propositadamente uma estrutura de apoio,com guias e mestres apropriados, na qual possam encontrar, de modo orgânico e continuado, as ajudas necessárias para bem iniciar o seu serviço sacerdotal. Por ocasião dos encontros periódicos, suficientemente longos e frequentes, possivelmente orientados em ambiente comunitário e regime interno, ser-lhes-ão garantidos momentos preciosos de repouso, de oração, de reflexão e de intercâmbio fraterno. Assim, logo desde o início, será mais fácil para eles dar uma orientação evangelicamente equilibrada à sua vida presbiteral. E se cada uma das Igrejas particulares, por si, não puder oferecer este serviço aos seus jovens sacerdotes, será oportuno que se unam entre si as Igrejas vizinhas e, em conjunto, invistam recursos e elaborem programas adaptados.

77. A formação permanente constitui também um dever para os presbíteros de meia idade. Na verdade, são múltiplos os riscos que podem correr, precisamente em razão da idade, como, por exemplo, um activismo exagerado e uma certa rotina no exercício do ministério. Assim, o sacerdote é tentado a presumir de si, como se a sua já comprovada experiência pessoal não precisasse mais de confrontar-se com nada nem com ninguém. Frequentemente o sacerdote "adulto" sofre de uma espécie de cansaço interior perigoso, sinal de uma desilusão resignada diante das dificuldades e dos insucessos. A resposta a esta situação é dada pela formação permanente, por uma contínua e equilibrada revisão de si mesmo e do próprio agir, pela procura constante de motivações e de instrumentos para a sua missão: deste modo, o sacerdote manterá o espírito vigilante e pronto para os perenes mas sempre novos apelos de salvação que cada um põe ao padre, "homem de Deus".

A formação permanente deve interessar também aqueles presbíteros que, pela idade avançada, são designados como idosos, e que em algumas Igrejas constituem a parte mais numerosa do presbitério. Este deve reservar-lhes gratidão pelos fiéis serviços que prestaram a Cristo e à Igreja e solidariedade concreta pela sua condição. Para eles, a formação permanente não comportará tanto obrigações de estudo, de actualização e de debate cultural, mas sobretudo a confirmação serena e animadora do papel que ainda são chamados a desempenhar no presbitério: não só para o prosseguimento, embora de formas diversas, do ministério pastoral, mas também pela possibilidade que têm, graças à sua experiência de vida e de apostolado, de se tornarem eles mesmos válidos mestres e formadores de outros sacerdotes.

Também os padres que, pelas fadigas ou doença, se encontram numa condição de debilidade física ou de cansaço moral, podem ser ajudados por uma formação permanente que os estimule a prosseguir de modo sereno e forte o seu serviço à Igreja, a não isolar-se da comunidade nem do presbitério, a reduzir a actividade externa para dedicar-se aos actos de relação pastoral e de espiritualidade pessoal capazes de sustentar as motivações e a alegria do seu sacerdócio. A formação permanente ajuda-los-á, em particular, a manter viva aquela convicção que eles próprios inculcaram nos fiéis, isto é, a de continuaram a ser membros activos na edificação da Igreja, especialmente em razão da sua união a Jesus Cristo sofredor e a tantos outros irmãos e irmãs que na Igreja tomam parte na paixão do Senhor, revivendo a experiência espiritual de Paulo, que dizia: "Alegro-me nos sofrimentos suportados por vossa causa e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo, em favor do Seu Corpo, que é a Igreja" (Col 1, 24) [229].

Os responsáveis da formação permanente

78. As condições, em que muitas vezes e em tantos lugares se processa actualmente o ministério dos presbíteros, não facilitam um empenhamento sério na formação: a multiplicação de tarefas e serviços, a complexidade da vida humana em geral e a das comunidades cristãs em particular, o activismo e a ânsia típica de tantas áreas da nossa sociedade privam frequentemente sacerdotes do tempo e das energias indispensáveis para "cuidar de si mesmos" (cf. 1 Tim 4, 16).

Isto deve fazer crescer em todos a responsabilidade, para que as dificuldades sejam superadas, ou melhor, se tornem um desafio para elaborar e realizar uma formação permanente que responda de modo adequado à grandeza do dom de Deus e à gravidade dos pedidos e exigências do nosso tempo.

Os responsáveis dessa formação permanente devem procurar-se na Igreja "comunhão". Neste sentido, é toda a Igreja particular que, sob a orientação do Bispo, é investida da responsabilidade de estimular e cuidar, de vários modos, a formação permanente dos sacerdotes. Estes não existem para si mesmos, mas para o Povo de Deus: por isso, a formação permanente, enquanto assegura a maturidade humana, espiritual, intelectual e pastoral dos padres, resulta num bem de que é destinatário o Povo de Deus. De resto, o próprio exercício do ministério pastoral leva a um contínuo e fecundo intercâmbio recíproco entre a vida de fé dos presbíteros e a dos fiéis. Precisamente a partilha de vida entre o presbítero e a comunidade, se sapientemente conduzida e utilizada, constitui um contributo fundamental para a formação permanente, não redutível, porém, a qualquer episódio ou iniciativa isolada, mas alargada a todo o ministério e vida do sacerdote.

De facto, a experiência cristã das pessoas simples e humildes, os ímpetos espirituais das pessoas enamoradas de Deus, as aplicações corajosas da fé à vida por parte dos cristãos empenhados nas várias responsabilidades sociais e civis são acolhidas pelo presbítero que, enquanto as ilumina com o seu serviço sacerdotal, tira delas um precioso alimento espiritual. Até as dúvidas, as crises e os atrasos frente às mais variadas condições pessoais e sociais, as tentações de recusa ou de desespero no momento da dor, da doença, da morte: enfim, todas as circunstâncias difíceis que os homens encontram no seu caminho da fé são fraternalmente vividas e sinceramente sofridas pelo coração do presbítero que, ao procurar as respostas para os outros, é continuamente estimulado a encontrá-las, antes de mais, para si mesmo.

Assim todo o Povo de Deus, na diversidade dos seus membros, pode e deve oferecer uma preciosa ajuda à formação permanente dos seus sacerdotes. Neste sentido, deve deixar-lhes espaços de tempo para o estudo e para a oração, pedir-lhes aquilo para que foram enviados por Cristo enada mais, oferecer colaboração nos vários âmbitos da missão pastoral, especialmente no que diz respeito à promoção humana e ao serviço da caridade, assegurar relações cordiais e fraternas com eles, facilitar-lhes a consciência de que não são "donos da fé" mas "colaboradores da alegria" de todos os fiéis (cf. 2 Cor 1, 24).

A responsabilidade formadora da Igreja particular pelos sacerdotes concretiza-se e especifica-se em relação aos diferentes membros que a compõem, a começar pelo próprio presbítero.

79. Num certo sentido, é precisamente cada sacerdote individualmente, o primeiro responsável na Igreja pela formação permanente: na realidade, sobre cada padre recai o dever, radicado no sacramento da Ordem, de ser fiel ao dom de Deus e ao dinamismo de conversão quotidiana que vem desse mesmo dom. Os regulamentos ou as normas da autoridade eclesiástica, ou mesmo o exemplo dos outros sacerdotes, não bastam para tornar apetecível a formação permanente, se cada um não estiver pessoalmente convencido da sua necessidade e determinado a valorizar-lhe as ocasiões, os tempos, as formas. A formação permanente mantém a "juventude" do espírito, que ninguém pode impor de fora, mas que cada um deve encontrar continuamente dentro de si mesmo. Só quem conserva sempre vivo o desejo de aprender e de crescer possui esta "juventude".

Fundamental é a responsabilidade do Bispo e, com ele, do presbitério. A daquele funda-se sobre o facto de os presbíteros receberem através dele o sacerdócio e partilharem com ele a solicitude pastoral pelo Povo de Deus. Ele é responsável por aquela formação permanente destinada a fazer com que todos os seus sacerdotes sejam generosamente fiéis ao dom e ao ministério recebido, tal como o Povo de Deus o quer e tem o "direito" de ter. Esta responsabilidade leva o Bispo, em comunhão com o presbitério, a delinear um projecto e a estabelecer uma programação capaz de configurar a formação permanente não como algo de episódico mas como uma proposta sistemática de conteúdos, que se desenrola por etapas e se reveste de modalidades precisas. Ele assumirá a sua responsabilidade não só assegurando ao seu presbitério lugares e momentos de formação permanente, mas também estando presente em pessoa e participando de modo convicto e cordial. Por vezes será oportuno, ou até necessário, que os bispos de várias dioceses vizinhas ou de uma região eclesiástica se ponham de acordo e unam as suas forças para poder oferecer iniciativas mais qualificadas e verdadeiramente estimulantes para a formação permanente, tais como Cursos de actualização bíblica, teológica e pastoral, Semanas de estudos, Ciclos de conferências, momentos de reflexão e de análise sobre o itinerário pastoral do presbitério e da comunidade eclesial.

O Bispo, para dar cumprimento a esta sua responsabilidade, solicite também o contributo das Faculdades e dos Institutos teológicos e pastorais, dos Seminários, dos organismos ou federações que reúnem pessoas - sacerdotes, religiosos e fiéis leigos - empenhadas na formação presbiteral.

No âmbito da Igreja particular, um lugar significativo é reservado às famílias: a elas, de facto, na sua dimensão de "igrejas domésticas", faz referência concreta a vida das comunidades eclesiais animadas e guiadas pelos sacerdotes. É de realçar particularmente o papel da família de origem. Esta, em união e comunhão de desígnios, pode oferecer à missão do filho um contributo específico importante. Cumprindo o plano providencial que a quis berço do gérmen vocacional e indispensável ajuda para o seu desenvolvimento, a família do sacerdote, no mais absoluto respeito por este filho que escolheu doar-se a Deus e ao próximo, deve permanecer sempre como uma fiel e encorajante testemunha da sua missão, acompanhando-a e partilhando-a com dedicação e respeito.

Momentos, formas e meios da formação permanente

80. Se cada momento pode ser um "tempo favorável" (cf. 2 Cor 6, 2), no qual o Espírito Santo directamente conduz o sacerdote a um crescimento na oração, no estudo e na consciência das próprias responsabilidades pastorais, há, todavia, momentos "previlegiados", mesmo se mais comunitários e pré-estabelecidos.

São de recordar aqui, antes de mais, os encontros do Bispo com o seu presbitério, sejam eles litúrgicos (em particular a concelebração da Missa Crismal de Quinta-feira Santa), pastorais ou culturais, em ordem a um confronto sobre a actividade pastoral ou ao estudo de determinados problemas teológicos.

Estão, depois, os encontros de espiritualidade sacerdotal, tais como os retiros, os dias de recolecção e de espiritualidade, etc. Constituem ocasião para um crescimento espiritual e pastoral, para uma oração mais prolongada e calma, para um regresso às raízes do seu ser padre, para reencontrar vigor de motivações para a fidelidade e o impulso pastoral.

Importantes são também os encontros de estudo e de reflexão comum: impedem o empobrecimento cultural e a fixação em posições cómodas mesmo no campo pastoral, fruto de preguiça mental; asseguram uma síntese mais madura entre os diversos elementos da vida espiritual, cultural e apostólica; abrem a mente e o coração aos novos desafios da história e aos novos apelos que o Espírito Santo dirige à Igreja.

81. Múltiplas são as ajudas e os meios de que a formação permanente se pode servir para se tornar cada vez mais uma preciosa experiência vital para o clero. De entre eles, recordamos as diferentes formas de vida comum entre os sacerdotes, sempre presentes, ainda que em modalidades e intensidades diferentes, na história da Igreja: "Hoje não se pode deixar de recomendá-las, sobretudo entre aqueles que vivem ou estão empenhados pastoralmente no mesmo lugar. Além de favorecer a vida e a acção pastoral, esta vida comum do clero oferece a todos, presbíteros e leigos, um exemplo luminoso de caridade e de unidade" [230].

Outra ajuda pode ser dada pelas associações sacerdotais, em particular pelos institutos seculares sacerdotais, que apresentam como nota específica a diocesaneidade, por força da qual os sacerdotes se unem mais estreitamente ao Bispo, e constituem "um estado de consagração no qual os sacerdotes, mediante votos ou outros laços sagrados, são chamados a incarnar na vida os conselhos evangélicos" [231].Todas as formas de "fraternidade sacerdotal" aprovadas pela Igreja são úteis tanto para a vida espiritualcomo para a vida apostólica e pastoral.

Também a prática da direcção espiritual contribui muito para favorecer a formação permanente dos sacerdotes. É um meio clássico, que nada perdeu do seu precioso valor, não só para assegurar a formação espiritual mas ainda para promover e sustentar uma contínua fidelidade e generosidade no exercício do ministério sacerdotal. Como então escrevia o futuro Papa Paulo VI, "a direcção espiritual tem uma função belíssima e pode dizer-se indispensável para a educação moral e espiritual da juventude que queira interpretar e seguir com absoluta lealdade a vocação da própria vida, seja ela qual for, e conserva sempre uma importância benéfica para todas as idades da vida, quando à luz e à caridade de um conselho piedoso e prudente se pede a comprovação da própria rectidão e o conforto para o cumprimento generoso dos próprios deveres. É meio pedagógico muito delicado, mas de grandíssimo valor; é arte pedagógica e psicológica de grande responsabilidade para quem a exercita; é exercício espiritual de humildade e de confiança para quem a recebe" [232].