A g n u s D e i

PASTORES DABO VOBIS
João Paulo II
25.03.1992

II
CONSAGROU-ME COM A UNÇÃO E ME ENVIOU
A natureza e missão do sacerdócio ministerial

O olhar sobre o sacerdote

11. "Estavam postos sobre Ele os olhos de todos os que se encontravam na sinagoga" (Lc 4, 20).Tudo quanto o evangelista Lucas diz dos que estavam presentes, naquele sábado, na sinagoga de Nazaré, escutando o comentário feito por Jesus ao livro do profeta Isaías, por Ele mesmo acabado de ler, se pode aplicar a todos os cristãos,continuamente chamados a reconhecer em Jesus de Nazaré o cumprimento definitivo do anúncio profético:"Começou então a dizer:'Hoje se cumpriu o passo da Escritura que acabais de ouvir com os vossos próprios ouvidos" (Lc 4, 21). E o "passo da Escritura" era este: "O Espírito do Senhor está sobre mim; por isso me consagrou com a unção e me enviou a anunciar aos pobres a Boa Nova, a proclamar a liberdade aos prisioneiros, e a vista aos cegos; a pôr em liberdade os oprimidos e pregar um ano de graça do Senhor" (Lc 4,18-19; cf. Is 61, 1-2). Jesus auto-apresenta-se, por conseguinte, como cheio do Espírito, "consagrado com a unção", "enviado a anunciar aos pobres a Boa Nova": é o Messias, o Messias sacerdote, profeta e rei.

É este o rosto de Cristo, no qual os olhos da fé e do amor dos cristãos devem permanecer fixos. Precisamente a partir desta "contemplação" e tendo-a como ponto de referência, os Padres Sinodais reflectiram sobre o problema formação dos sacerdotes nas circunstâncias actuais. Tal problema não pode encontrar resposta sem uma prévia reflexão sobre a meta para a qual se orienta o caminho formativo: o sacerdócio ministerial, mais concretamente o sacerdócio ministerial enquanto participação na Igreja do mesmo sacerdócio de Jesus Cristo. O conhecimento da natureza e da missão do sacerdócio ministerial é o pressuposto irrecusável, e ao mesmo tempo o guia mais seguro bem como o estímulo mais premente para desenvolver na Igreja a acção pastoral de promoção e discernimento das vocações sacerdotais e da formação dos chamados ao ministério ordenado.

O recto e aprofundado conhecimento da natureza e da missão do sacerdócio ministerial é o caminho a seguir, e o Sínodo efectivamente segui-o, para sair da crise sobre a identidade do sacerdote: "Esta crise - dizia no meu Discurso final ao Sínodo - nasceu nos anos imediatamente sucessivos ao Concílio. Fundamentava-se numa compreensão errada, por vezes mesmo deliberadamente tendenciosa, da doutrina do magistério conciliar. Aqui se encontra indubitavelmente uma das causas do grande número de perdas então sofridas pela Igreja, perdas essas que feriram gravemente o serviço pastoral e as vocações ao sacerdócio, e em particular as vocações missionárias. É como se o Sínodo de 1990, descobrindo, através de tantas intervenções que escutámos nesta Aula, toda a profundidade da identidade sacerdotal, viesse infundir esperança depois destas dolorosas perdas. Tais intervenções manifestaram a consciência do ligame ontológico específico que une o sacerdote a Cristo, Sumo Sacerdote e Bom Pastor. Esta identidade está inerente à natureza da formação que deve ser ministrada com vista ao sacerdócio, e por conseguinte a toda a vida sacerdotal. Era precisamente este o objectivo do Sínodo" [18].

Por isso o Sínodo considerou necessário chamar a atenção, de modo sintético e fundamental, para a natureza e a missão do sacerdócio ministerial, tais como a fé da Igreja as vem reconhecendo ao longo dos séculos da sua história e o Concílio Vaticano II as apresentou aos homens do nosso tempo [19].

Na Igreja mistério, comunhão e missão

12. "A identidade sacerdotal - escreveram os Padres Sinodais - como toda e qualquer identidade cristã, encontra na Santíssima Trindade a sua própria fonte" [20], que se revela e autocomunica aos homens em Cristo, constituindo nele e por meio do Espírito a Igreja como "gérmen e início do Reino" [21]. A Exortação Christifideles laici sintetizando a doutrina conciliar, apresenta a Igreja como mistério, comunhão e missão: ela "é mistério porque o amor e a vida do Pai, do Filho e do Espírito Santo constituem o dom absolutamente gratuito oferecido a quantos nasceram da água e do Espírito (cf. Jo 3, 5), chamados a reviver a própria comunhão de Deus e a manifestá-la e comunicá-la na história (missão)" [22].

É no interior do mistério da Igreja como comunhão trinitária em tensão missionária, que se revela a identidade cristã de cada um e, portanto, a específica identidade do sacerdote e do seu ministério. O presbítero, de facto, em virtude da consagração que recebe pelo sacramento da Ordem, é enviado pelo Pai, através de Jesus Cristo, ao qual como Cabeça e Pastor do seu povo é configurado de modo especial para viver e actuar, na força do Espírito Santo, ao serviço da Igreja e para a salvação do mundo [23].

Assim se pode compreender a conotação essencialmente "relacional" da identidade do presbítero: mediante o sacerdócio, que brota das profundezas do mistério de Deus, ou seja, do amor do Pai, da graça de Jesus Cristo e do dom de unidade do Espírito Santo, o presbítero é inserido sacramentalmente na comunhão com o Bispo e com os outros presbíteros [24], para servir o Povo de Deus que é a Igreja e atrair todos a Cristo, segundo a Oração do próprio Senhor: "Pai Santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, para que sejam um só como nós (...) Como tu, ó Pai estás em mim e eu em ti, assim eles estejam em nós para que o mundo acredite que Tu me enviaste" (Jo 17, 11.21).

Não se pode, então, definir a natureza e a missão do sacerdócio ministerial, senão nesta múltipla e rica trama de relações, que brotam da Trindade Santíssima e se prolongam na comunhão da Igreja como sinal e instrumento, em Cristo, da união com Deus e da unidade de todo o género humano [26]. Neste contexto, a eclesiologia de comunhão se torna decisiva para explicar a identidade do presbítero, a sua dignidade original, a sua vocação e missão no seio do Povo de Deus e do mundo. De facto, a referência à Igreja é necessária, mesmo se não prioritária, na definição da identidade do presbítero. Enquanto mistério, a Igreja é essencialmente relativa a Jesus Cristo: é, de facto, a plenitude, o Corpo, a Esposa d'Ele. É o "sinal" e o "memorial" vivo da sua permanente presença e acção entre nós e para nós. Por isso o presbítero encontra a verdade plena da sua identidade no facto de ser uma derivação, uma participação específica e uma continuação do próprio Cristo sumo e único Sacerdote da nova e eterna Aliança: ele é uma imagem viva e transparente de Cristo Sacerdote . O sacerdócio de Cristo, expressão da sua absoluta "novidade" na história da salvação, constitui a fonte única e o insubstituível paradigma do sacerdócio do cristão, e, especialmente, do presbítero. A referência a Cristo é, então, a chave absolutamente necessária para a compreensão das realidades sacerdotais.

A relação fundamental com Cristo Cabeça e Pastor

13. Jesus Cristo revelou em Si mesmo a face perfeita e definitiva do sacerdócio da nova aliança [26]: fê-lo em toda a sua vida terrena mas sobretudo no evento central da sua paixão, morte e ressurreição.

Como escreve o autor da Carta aos Hebreus, Jesus, sendo homem como nós e ao mesmo tempo o Filho unigénito de Deus, é, no seu próprio ser, o mediador perfeito entre o Pai e a humanidade (cf. Heb 8, 9), Aquele que abre o acesso imediato a Deus, graças ao dom do Espírito: "Deus enviou aos nossos corações o Espírito de Seu Filho que clama: Abba, ó Pai!" (Gal 4, 6; cf. Rom 8, 15).

Jesus leva à plena actuação o seu ser mediador através da oferta de Si mesmo na cruz, pela qual nos abre, de uma vez por todas, o acesso ao santuário celeste, à casa do Pai (cf. Heb 9, 24-28). De fronte a Jesus, Moisés e todos os "mediadores" do Antigo Testamento entre Deus e o seu povo - os reis, os sacerdotes e os profetas - aparecem apenas como "figuras" e "sombras dos bens futuros" e não como "a própria realidade" (cf. Heb 10, 1).

Jesus é o Bom Pastor pré-anunciado (cf. Ez 34), Aquele que conhece as suas ovelhas uma a uma, que dá a sua vida por elas e que a todos quer reunir num só rebanho sob um único pastor (cf. Jo 10, 11-16). É o pastor que veio "não para ser servido mas para servir" (Mt 20, 28), que, na acção pascal do lava-pés (Jo 13, 1-20), deixa aos seus o modelo de serviço que deverão realizar uns aos outros, e que livremente se oferece como "cordeiro inocente" imolado para a nossa redenção (cf. Jo 1, 36; Ap 5, 6.12).

Com o único e definitivo sacrifício da cruz, Jesus comunica a todos os seus discípulos a dignidade e a missão de sacerdotes da nova e eterna Aliança. Cumpre-se assim a promessa que Deus fizera a Israel: "Sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa" (Ex 19, 6). É todo o povo da nova Aliança - escreve S. Pedro - a ser constituído como "um edifício espiritual", um "sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por meio de Jesus Cristo" (1 Ped 2, 5). Os baptizados são as "pedras vivas", que constroem o edifício espiritual, unindo-se a Cristo "pedra viva (...) escolhida e preciosa diante de Deus" (1 Ped 2, 4-5). O novo povo sacerdotal, que é a Igreja, não só tem em Cristo a sua própria e autêntica imagem, mas d'Ele recebe também uma participação real e ontológica do seu eterno e único sacerdócio, ao qual o mesmo povo se deve conformar em toda a sua vida.

14. Para o serviço deste sacerdócio universal da Nova Aliança, Jesus chama a Si, no decurso da sua missão terrena, alguns discípulos (cf. Lc 10, 1-12) e, com um mandato específico e autorizado, chama e constitui os Doze, para que "estivessem com Ele, e para os enviar a pregar, e para que tivessem o poder de expulsar os demónios" (Mc 3, 14-15).

Por isso, já durante o seu ministério público (cf. Mt 16, 18) e depois em plenitude após a morte e ressurreição (cf. Mt 28, 16-20; Jo 20; 21), Jesus confere a Pedro e aos Doze poderes particulares relativamente à futura comunidade e à evangelização de todos os povos. Depois de os ter chamado a segui-Lo, tem-nos a seu lado e vive com eles, proporcionando-lhes com o exemplo e com a palavra a sua doutrina de salvação e, por fim, envia-os a todos os homens. Para levar a cabo esta missão, Cristo confere aos Apóstolos, em virtude de uma específica efusão pascal do Espírito Santo, a mesma autoridade messiânica que lhe vem do Pai e lhe é conferida em plenitude na ressurreição: "Foi-me dado todo o poder no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai todas as nações baptizando-as em nome do Pai,do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a observar tudo o que vos mandei. E eis que estou convosco todos os dias até ao fim do mundo" (Mt 28, 18-20).

O Senhor estabelece assim uma estreita conexão entre o ministério confiado aos Apóstolos e a sua própria missão: "quem vos acolhe acolhe-me a Mim, e quem me acolhe acolhe Aquele que Me enviou" (Mt 10, 40); "quem vos ouve a Mim ouve, e quem vos despreza a Mim despreza. E quem Me depreza, despreza Aquele que Me enviou" (Lc 10, 16). Mais ainda, o quarto evangelho, à luz do acontecimento pascal da morte e ressurreição, afirma com grande força e clareza: "como o Pai Me enviou, assim Eu vos envio" (Jo 20, 21; cf. 13, 20; 17, 18). Como Jesus tem uma missão que Lhe vem directamente de Deus e que concretiza a própria autoridade de Deus (cf. Mt 7, 29; 21, 23; Mc 1, 27; 11, 28; Lc 20, 2; 24, 19), assim também os apóstolos têm uma missão que lhes vem de Jesus. E como "o Filho nada pode fazer por Si mesmo" (Jo 5, 19), pois a doutrina que prega não é d'Ele mas d'Aquele que O enviou (cf. Jo 7, 16), assim também Cristo diz aos apóstolos: "sem Mim nada podereis fazer" (Jo 15, 5): a sua missão não é deles, mas é a própria missão de Jesus. E isto é possível não a partir de forças humanas, mas só com o dom de Cristo e do Seu Espírito mediante o "sacramento": "Recebei o Espírito Santo; a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados, e a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos" (Jo 20, 22-23). Assim, não por qualquer mérito particular deles, mas apenas pela participação da graça de Cristo, os apóstolos prolongam na história até à consumação dos tempos, a mesma missão de salvação de Jesus em favor dos homens.

Sinal e pressuposto da autenticidade e da fecundidade desta missão é a unidade dos apóstolos com Jesus e, n'Ele, entre si mesmos e o Pai, tal como testemunha a Oração sacerdotal do Senhor, síntese da sua missão (cf. Jo 17, 20-23).

15. Por sua vez, os Apóstolos constituídos pelo Senhor associarão progressivamente à sua missão, de formas diversas mas no fim convergentes, outros homens como Bispos, Presbíteros e Diáconos para cumprir o mandato de Jesus ressuscitado que os enviou a todos os homens de todos os tempos.

O Novo Testamento é unânime no sublinhar que foi o próprio Espírito de Cristo a introduzir no ministério, estes homens, escolhidos de entre os irmãos. Por meio do gesto da imposição das mãos (cf. Act 6, 6; 1 Tim 4, 14; 5, 22; 2 Tim 1, 6), que transmite o dom do Espírito, eles são chamados e habilitados a continuar o mesmo ministério de reconciliar, de apascentar o rebanho de Deus, e de ensinar (cf. Act 20, 28; 1 Ped 5, 2).

Portanto os presbíteros são chamados a prolongar a presença de Cristo, único e sumo Pastor, actualizando o seu estilo de vida e tornando-secomo que a Sua transparência no meio do rebanho a eles confiado. Assim se lê, de modo claro e preciso, na Primeira Carta de Pedro: "recomendo aos presbíteros que estão entre vós, eu presbítero como eles, testemunha dos sofrimentos de Cristo e participante da glória que se deve manifestar: apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado, olhando por ele não constrangidos, mas de boa vontade segundo Deus, não por ganância, mas por dedicação; não como dominadores sobre aqueles que vos foram confiados, antes tornando-vos modelo do rebanho. E quando aparecer o supremo Pastor recebereis a coroa eterna da glória" (1 Ped 5, 1-4).

Os presbíteros são, na Igreja e para a Igreja, uma representação sacramental de Jesus Cristo Cabeça e Pastor, proclamam a Sua palavra com autoridade, repetem os seus gestos de perdão e oferta de salvação, nomeadamente com o Baptismo, a Penitência e a Eucaristia, exercitam a sua amável solicitude, até ao dom total de si mesmos, pelo rebanho que reúnem na unidade e conduzem ao Pai por meio de Cristo no Espírito. Numa palavra, os presbíteros existem e agem para o anúncio do Evangelho ao mundo e para a edificação da Igreja em nome e na pessoa de Cristo Cabeça e Pastor [27].

Este é o modo típico e próprio pelo qual os ministros ordenados participam do único sacerdócio de Cristo. O Espírito Santo, mediante a unção sacramental da Ordem, configura-os, por um título novo e específico, a Jesus Cabeça e Pastor, confirma e anima-os com a sua caridade pastoral e coloca-os na Igreja na condição de servidores do anúncio do Evangelho a toda a criatura, e da plenitude de vida cristã para todos os baptizados.

A verdade do presbítero tal qual emerge da Palavra de Deus, ou seja, do próprio Jesus Cristo e do seu desígnio constitutivo da Igreja, é assim cantada, com jubilosa gratidão, pela Liturgia no Prefácio da Missa do Crisma: "Com a unção do Espírito Santo, constituístes o Vosso Filho Pontífice da nova e eterna Aliança, e quisestes que o seu único sacerdócio fosse perpetuado na Igreja. Ele comunica o sacerdócio real a todo o povo dos redimidos e com amor de predilecção escolhe alguns de entre os irmãos que, mediante a imposição das mãos, faz participantes do seu ministério de salvação. Vós quereis que em seu nome renovem o sacrifício redentor, preparem para vossos filhos o banquete pascal, e, servos primorosos do vosso povo, o alimentem com a vossa palavra e o santifiquem com os sacramentos. Vós lhes propondes Cristo como modelo, para que, oferecendo a vida por vós e pelos irmãos, se esforcem por se conformar à imagem de vosso Filho e dêem testemunho de fidelidade e de amor generoso".

Ao serviço da Igreja e do mundo

16. O sacerdote tem como referência fundamental a relação com Jesus Cristo Cabeça e Pastor: ele, de facto, participa de modo específico e autorizado, na "consagração/unção" e na "missão" de Cristo (cf. Lc 4, 18-19). Mas, intimamente ligada àquela, encontra-se a relação com a Igreja. Não se trata de "relações" simplesmente justapostas, mas profundamente unidas numa espécie de mútua imanência. A referência à Igreja inscreve-se na única e mesma referência do sacerdote a Cristo, no sentido que é a "representação sacramental" de Cristo a fundamentar e animar a relação e referência do sacerdote à Igreja.

Neste sentido, escreveram os Padres Sinodais: "Enquanto representa Cristo Cabeça, Pastor e Esposo da Igreja, o sacerdote coloca-se não apenas na Igreja, mas também perante a Igreja. O sacerdócio, enquanto unido à Palavra de Deus e aos sinais sacramentais a cujo serviço se encontra, pertence aos elementos constitutivos da Igreja. O ministério do presbítero existe em favor da Igreja; é para a promoção do exercício do sacerdócio comum de todo o Povo de Deus; ordena-se não apenas para a Igreja particular, mas também para a Igreja universal (cf. Presbyterorum ordinis, 10), em comunhão com o Bispo, com Pedro e sob a autoridade de Pedro. Mediante o sacerdócio do Bispo, o sacerdócio da segunda ordem incorpora-se na estrutura apostólica da Igreja. Desta forma, o presbítero, como os apóstolos, exerce funções de embaixador de Cristo (cf. 2 Cor 5, 20). Nisto se fundamenta a índole missionária de todos e cada um dos sacerdotes" [28].

O ministério ordenado surge, portanto, com a Igreja e tem nos Bispos, e em referência e comunhão com eles nos presbíteros, uma relação particular com o ministério dos Apóstolos, ao qual efectivamente "sucede" ainda que, relativamente a esse, assuma diferentes modalidades de existência.

Não se deve, pois, pensar no sacerdócio ordenado como se fosse anterior à própria Igreja, porque ele existe totalmente em função do serviço da mesma Igreja; nem muito menos se pode pensar como posterior à comunidade eclesial, de modo que esta pudesse ser concebida como já constituída independentemente de tal sacerdócio.

A relação do sacerdote com Jesus Cristo e, n'Ele, com a Sua Igreja situa-se no próprio ser do presbítero, em virtude da sua consagração/unção sacramental, e no seu agir, isto é, na sua missão ou ministério. Em particular, "o sacerdote ministro é servo de Cristo presente na Igreja mistério, comunhão e missão. Pelo facto de participar da 'unção' e da 'missão' de Cristo, ele pode prolongar na Igreja a sua oração, a sua palavra, o seu sacrifício e a sua acção salvífica. É, portanto, servidor da Igreja mistério porque actua os sinais eclesiais e sacramentais da presença de Cristo ressuscitado. É servidor da Igreja comunhão porque - unido ao Bispo e em estreita relação com o presbitério - constrói a unidade da comunidade eclesial na harmonia das diferentes vocações, carismas e serviços. É finalmente servidor da Igreja missão porque faz com que a comunidade se torne anunciadora e testemunha do Evangelho" [29].

Assim, pela sua própria natureza e missão sacramental, o sacerdote surge, na estrutura da Igreja como sinal da prioridade absoluta e gratuidade da graça, que à Igreja é oferecida por Cristo ressuscitado. Através do sacerdócio ministerial, a Igreja toma consciência, na fé, de não vir de si mesma, mas da graça de Cristo no Espírito Santo. Os apóstolos e seus sucessores, como detentores de uma autoridade que lhes vem de Cristo Cabeça e Pastor, são colocados - juntamente com o seu ministério - perante a Igreja como prolongamento visível e sinal sacramental de Cristo no seu próprio estar diante da Igreja e do mundo, como origem permanente e sempre nova da salvação, "Ele que é o salvador do seu corpo" (Ef 5, 23).

17. O ministério ordenado, em virtude da sua própria natureza, pode ser exercido somente na medida em que o presbítero estiver unido a Cristo mediante a inserção sacramental na ordem presbiteral e, conseguinte, enquanto se encontrar em comunhão hierárquica com o próprio Bispo. O ministério ordenado tem uma radical "forma comunitária" e pode apenas ser assumido como "obra colectiva" [30]. Sobre esta natureza de comunhão do sacerdócio se deteve longamente o Concílio [31], examinando distintamente a relação do presbítero com o seu Bispo, com os demais presbíteros e com os próprios leigos.

O ministério do presbítero é, antes de mais, comunhão e colaboração responsável e necessária no ministério do Bispo, na solicitude pela Igreja universal e por cada Igreja particular para cujo serviço eles constituem, juntamente com o Bispo, um único presbitério.

Cada sacerdote, seja diocesano ou religioso, está unido aos outros membros deste presbitério, na base do sacramento da Ordem, por particulares vínculos de caridade apostólica, de ministério e de fraternidade. De facto, todos os presbíteros, quer diocesanos quer religiosos, participam do único sacerdócio de Cristo Cabeça e Pastor, trabalham para a mesma causa, isto é, "a edificação do Corpo de Cristo, que, especialmente em nossos dias, requer múltiplas actividades e novas adaptações" [32], e se enriquece, no decurso dos séculos, de carismas sempre novos.

Finalmente os presbíteros, dado que a sua figura e o seu papel na Igreja não substitui, mas antes promovem o sacerdócio baptismal de todo o Povo de Deus, conduzindo-o à sua plena actuação eclesial, encontram-se numa relação positiva e promotora com os leigos. Eles estão ao serviço da fé, esperança e caridade destes. Reconhecem e sustentam a sua dignidade de filhos de Deus como amigos e irmãos, ajudando-os a exercitar em plenitude o seu papel específico no âmbito da missão da Igreja [33].

O sacerdócio ministerial conferido pelo sacramento da Ordem e o comum ou "real" dos fiéis, que diferem entre si essencialmente e não apenas em grau [34], estão coordenados entre si, ambos derivando - em forma diversa - do único sacerdócio de Cristo. O sacerdócio ministerial, de facto, não significa, de per si, um maior grau de santidade relativamente ao sacerdócio comum dos fiéis; mas, através dele, é outorgado aos presbíteros, por Cristo no Espírito, um dom particular para que possam ajudar o Povo de Deus a exercitar com fidelidade e plenitude o sacerdócio comum que lhes é conferido [35].

18. Como sublinha o Concílio, "o dom espiritual que os presbíteros receberam na ordenação não os prepara para uma missão limitada e restrita, mas, pelo contrário, para uma imensa e universal missão de salvação até aos últimos confins da terra, dado que todo e qualquer ministério sacerdotal participa da mesma amplitude universal da missão confiada por Cristo aos Apóstolos" [36]. Pela própria natureza do seu ministério, eles devem, portanto, ser penetrados e animados de um profundo espírito missionário, "daquele espírito verdadeiramente católico que os habitua a olhar para além dos confins da própria diocese, nação ou rito, e ajudar as necessidades de toda a Igreja, dispostos a pregar o Evangelho em toda a parte" [37].

Além disso, precisamente porque no âmbito da vida da Igreja é o homem da comunhão, o presbítero deve ser, no relacionamento com todas as pessoas, o homem da missão e do diálogo. Profundamente radicado na verdade e na caridade de Cristo e animado do desejo e do imperativo de anunciar a todos a sua salvação, ele é chamado a encetar um relacionamento de fraternidade, de serviço, de procura comum da verdade, de promoção da justiça e da paz, com todos os homens. Em primeiro lugar, com os irmãos das outras Igrejas e confissões cristãs; mas também com os fiéis das outras religiões; com os homens de boa vontade, de forma especial com os pobres e os mais débeis, com todos aqueles que anseiam, mesmo sem o saber ou o exprimir, pela verdade e pela salvação de Cristo, segundo a palavra de Jesus: "não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os doentes; não vim para chamar os justos, mas sim os pecadores" ( Mc 2, 17).

Hoje, de uma forma particular, a prioritária tarefa pastoral da nova evangelização, que diz respeito a todo o Povo de Deus e postula um novo ardor, novos métodos e uma nova expressão para o anúncio e o testemunho do Evangelho, exige sacerdotes, radical e integralmente imersos no mistério de Cristo, e capazes de realizar um novo estilo de vida pastoral, marcado por uma profunda comunhão com o Papa, os Bispos e entre si próprios, e por uma fecunda colaboração com os leigos, no respeito e na promoção dos diversos papéis, carismas e ministérios no interior da comunidade eclesial [38].

"Cumpriu-se hoje o passo da escritura que acabais de ouvir" (Lc 4, 21). Escutemos uma vez mais estas palavras de Jesus, à luz do sacerdócio ministerial que apresentamos na sua natureza e missão. O "hoje" de que fala Jesus, precisamente porque pertence - definindo-a à "plenitude dos tempos", ou seja, ao tempo da salvação plena e definitiva, indica o tempo da Igreja. A consagração e a missão de Cristo - "O Espírito do Senhor me consagrou com a unção e me enviou a anunciar aos pobres a Boa Nova" (Lc 4, 18)- são a raiz viva de onde germina a consagração e a missão da Igreja, "plenitude" de Cristo (cf. Ef 1, 23): com a regeneração baptismal se infunde sobre todos os crentes o Espírito do Senhor, que os consagra em ordem a formarem um templo espiritual e um sacerdócio santo e os envia a dar a conhecer os prodígios d'Aquele que os chamou das trevas à sua luz admirável (cf. 1 Ped 2, 4-10). O presbítero participa na missão e consagração de Cristo de modo específico e de plena autoridade, ou seja, mediante o sacramento da Ordem, em virtude do qual é configurado, no seu ser, a Jesus Cristo Cabeça e Pastor, e partilha a missão de "anunciar aos pobres a Boa Nova" em nome e na pessoa do próprio Cristo.

Na sua Mensagem final, os Padres sinodais compendiaram em breves mas ricas palavras a "verdade", melhor, o "mistério" e o "dom" do sacerdócio ministerial, afirmando: "A nossa identidade tem a sua fonte mais remota na caridade do Pai. Ao Filho, por Ele enviado, Sumo Sacerdote e Bom Pastor, estamos unidos sacramentalmente com o sacerdócio ministerial por acção do Espírito Santo. A vida e o ministério do sacerdote são a continuação da vida e da acção do próprio Cristo. Esta é a nossa identidade, a nossa verdadeira dignidade, a fonte da nossa alegria, a certeza da nossa vida" [39].