A g n u s D e i

PASTORES DABO VOBIS
João Paulo II
25.03.1992

I
ESCOLHIDO DENTRE OS HOMENS
A formação sacerdotal perante os desafios do final do segundo milénio

O sacerdote no seu tempo

5. "Todo o sumo sacerdote, escolhido de entre os homens, é constituído a favor dos homens nas coisas que dizem respeito a Deus" (Heb 5, l).

A Carta aos Hebreus afirma claramente a "humanidade" do ministro de Deus: ele vem dos homens e está ao serviço dos homens, imitando Jesus Cristo, "Ele mesmo provado em todas as coisas, excepto no pecado" (Heb 4, 15).

Deus chama sempre os seus sacerdotes a partir de determinados contextos humanos e eclesiais, com os quais estão inevitavelmente conotados e aos quais são mandados para o serviço do Evangelho de Cristo.

Por este motivo o Sínodo "contextualizou" o tema dos sacerdotes, inserindo-o na Igreja e na sociedade de hoje em dia e abrindo-o às perspectivas do terceiro milénio, como de resto resulta da própria formulação do tema: "A formação dos sacerdotes nas circunstâncias actuais".

Certamente, há uma fisionomia essencial do sacerdote que não muda:o padre de amanhã, não menos que o de hoje, deverá assemelhar-se a Cristo. Quando vivia sobre a terra, Jesus ofereceu em Si mesmo o rosto definitivo do presbítero, realizando um sacerdócio ministerial do qual os apóstolos foram os primeiros a ser investidos; aquele é destinado a perdurar, a reproduzir-se incessantemente em todos os períodos da história. O presbítero do terceiro milénio será, neste sentido, o continuador dos padres que, nos precedentes milénios, animaram a vida da Igreja. Também no ano Dois Mil, a vocação sacerdotal continuará a ser o chamamento a viver o único e permanente sacerdócio de Cristo" [9]. Mas é igualmente certo que a vida e o ministério do sacerdote se deve "adaptar a cada época e a cada ambiente de vida (...) Da nossa parte, devemos, por isso, procurar abrir-nos o mais possível à superior iluminação do Espírito Santo, para descobrir as orientações da sociedade contemporânea, reconhecer as necessidades espirituais mais profundas, determinar as tarefas concretas mais importantes, os métodos pastorais a adoptar, e, assim, responder de modo adequado às expectativas humanas" [10].

Devendo conjugar a verdade permanente do ministério presbiteral com as solicitações e as características de hoje, os Padres sinodais procuraram responder a algumas perguntas necessárias: que problemas e, ao mesmo tempo, que estímulos positivos, o actual contexto sócio-cultural e eclesial suscita nas crianças, nos adolescentes e nos jovens que devem amadurecer um projecto de vida sacerdotal, para toda a existência? Que dificuldades e que novas possibilidades oferece o nosso tempo para o exercício de um ministério sacerdotal coerente com o dom do Sacramento recebido e com a exigência de uma vida espiritual correspondente?

Proponho-vos agora alguns elementos de análise da situação que os Padres sinodais desenvolveram, bem consciente, porém, de que a grande variedade das circunstâncias sócio-culturais e eclesiais presentes nos diversos países aconselha a assinalar só os fenómenos mais profundos e mais difundidos, em particular os que se relacionam com os problemas educativos e com a formação sacerdotal.

O Evangelho hoje: esperanças e obstáculos

6. Múltiplos factores parecem favorecer nos homens de hoje uma consciência mais amadurecida da dignidade da pessoa e uma nova abertura aos valores religiosos, ao Evangelho e ao ministério sacerdotal.

No âmbito da sociedade, encontramos, apesar de tantas contradições, uma sede de justiça e de paz mais forte e generalizada um sentido mais vivo do cuidado do homem pela criação e pelo respeito da natureza, uma procura mais aberta da verdade e da tutela da dignidade humana, um empenho crescente, em muitas faixas da população mundial, por uma mais concreta solidariedade internacional e por uma nova ordem planetária, na liberdade e na justiça. Ao mesmo tempo que se desenvolve sempre mais o potencial de energias oferecido pelas ciências e pelas técnicas e se difunde a informação e a cultura, cresce também, a exigência ética, isto é, a exigência do sentido existencial e, consequentemente, de uma objectiva escala de valores que permita estabelecer as possibilidades e os limites do progresso.

No campo mais estritamente religioso e cristão, caem os preconceitos ideológicos e a violenta obstrução ao anúncio dos valores espirituais e religiosos, enquanto surgem novas e inesperadas possibilidades para a evangelização e o reflorescimento da vida eclesial em muitas partes do mundo. Nota-se, com efeito, uma crescente difusão do conhecimento das Sagradas Escrituras; uma vitalidade e força expansiva de muitas Igrejas jovens com um papel cada vez mais importante na defesa e na promoção dos valores da pessoa e da vida humana; um esplêndido testemunho do martírio por parte das Igrejas do Centro-Leste europeu, como também o da fidelidade e coragem de outras Igrejas, que são ainda constrangidas a suportar perseguições e tribulações pela fé [11].

O desejo de Deus e de uma relação viva e significativa com Ele apresenta-se hoje tão forte que, onde falta o autêntico anúncio do Evangelho de Jesus, favorece a difusão de formas de religiosidade sem Deus e de inúmeras seitas. A expansão destas, inclusive em alguns ambientes tradicionalmente cristãos, é, para todos os filhos da Igreja e para os sacerdotes em particular, um constante motivo de exame de consciência sobre a credibilidade do seu testemunho do Evangelho, mas, ao mesmo tempo, é um sinal de quão profunda e generalizada ainda hoje é a procura de Deus.

7. Com estes e outros factores positivos, encontram-se, porém, entrelaçados muitos elementos problemáticos ou negativos.

Apresenta-se ainda muito difundido, o racionalismo que, em nome de uma concepção redutora da "ciência", torna insensível a razão humana ao encontro com a Revelação e com a transcendência divina.

Regista-se uma defesa exasperada da subjectividade da pessoa, que tende a fechá-la no individualismo, incapaz de verdadeiras relações humanas. Assim muitos, sobretudo entre os adolescentes e os jovens, procuram compensar esta solidão com substitutos de vária natureza, a través de formas mais ou menos agudas de hedonismo e de fuga às responsabilidades; prisioneiros do instante fugaz, procuram "consumir" experiências individuais o mais fortes e gratificantes possível no plano das emoções e das sensações imediatas, encontrando-se, porém, inevitavelmente indiferentes e como que paralisados frente ao apelo de um projecto de vida que inclua uma dimensão espiritual e religiosa e um compromisso de solidariedade.

Além disso, difunde-se por toda a parte, mesmo depois da queda das ideologias que tinham feito do materialismo um dogma e da recusa da religião um programa, uma espécie de ateísmo prático e existencial, que coincide com uma visão secularista da vida e do destino do homem. Este homem, "todo voltado para si mesmo, que se considera não só centro de todo o interesse, mas ousa dizer-se princípio e razão de toda a realidade" [12], encontra-se sempre mais empobrecido daquele "suplemento de alma" que lhe é tanto mais necessário quanto mais uma larga disponibilidade de bens materiais e de recursos o ilude na autosuficiência. Já não é necessário combater Deus, pensa-se simplesmente poder prescindir d'Ele.

Neste quadro, refira-se, em particular, a desagregação da realidade familiar e o obscurecimento ou a falsificação do verdadeiro sentido da sexualidade humana: são fenómenos que incidem de modo fortemente negativo sobre a educação dos jovens e sobre a sua disponibilidade para toda e qualquer vocação religiosa. Além disso, deve notar-se o agravamento das injustiças sociais e a concentração das riquezas nas mãos de poucos, como fruto de um capitalismo desumano, [13] que alarga cada vez mais a distância entre povos opulentos e povos indigentes: são deste modo introduzidas, na convivência humana, tensões e inquietações que perturbam profundamente a vida das pessoas e das comunidades.

Também no âmbito eclesial, se registam fenómenos preocupantes e negativos que têm influência directa sobre a vida e o ministério dos sacerdotes. Assim, a ignorância religiosa que permanece em muitos crentes; a escassa incidência da catequese, sufocada pelas mais difusas e persuasivas mensagens dos meios de comunicação de massa; o pluralismo teológico, cultural e pastoral mal compreendido que, embora partindo muitas vezes de boas intenções, acaba por tornar difícil o diálogo ecuménico e por atentar contra a necessária unidade da fé; o persistir de um sentido de desconfiança e quase insensibilidade para com o magistério hierárquico; as iniciativas unilaterais e redutoras das riquezas da mensagem evangélica, que transformam o anúncio e o testemunho da fé num exclusivo factor de libertação humana e social ou num alienante refúgio na superstição e na religiosidade sem Deus [14].

Um fenómeno de grande relevo, ainda que relativamente recente em muitos países de antiga tradição cristã, é a presença de consistentes núcleos de raças e de religiões diferentes num mesmo território. Desenvolve-se, assim, cada vez mais a sociedade multirracial e multirreligiosa. Se isto, por um lado, pode ser ocasião para um exercício de diálogo mais frequente e frutuoso, para uma abertura de mentalidade, para experiências de acolhimento e de justa tolerância, por outro pode ser causa de confusão e relativismo, sobretudo em pessoas e populações de fé menos amadurecida.

A estes factores, e em estreita ligação com o crescimento do individualismo, acrescenta-se o fenómeno da subjectivização da fé. Com efeito, num crescente número de cristãos nota-se uma menor sensibilidade ao conjunto global e objectivo da doutrina da fé, em favor de uma adesão subjectiva ao que agrada, que corresponde à própria experiência, que não incomoda os próprios hábitos. Até o apelo à inviolabilidade da consciência individual, legítimo em si mesmo, não deixa de assumir, neste contexto, um perigoso carácter de ambiguidade.

Daqui deriva também o fenómeno de pertenças à Igreja cada vez mais parciais e condicionadas, que exercem influência negativa sobre o ressurgimento de novas vocações ao sacerdócio, sobre a própria autoconsciência do sacerdote e sobre o seu ministério na comunidade.

Enfim, em muitas realidades eclesiais, é, ainda hoje, a escassa presença e disponibilidade das forças sacerdotais a criar os problemas mais graves. Os fiéis estão abandonados, por vezes durante longos períodos, sem o adequado apoio pastoral: disso se vem a ressentir o crescimento da vida cristã no seu conjunto, e sobretudo, a sua capacidade de se tornarem ulteriormente promotores de evangelização.

Os jovens perante a vocação e a formação sacerdotal

8. As numerosas contradições e potencialidades que marcam as nossas sociedades e culturas e, ao mesmo tempo, as nossas comunidades eclesiais, são percebidas, vividas e experimentadas com uma intensidade muito particular pelo mundo dos jovens, com repercussões imediatas e incisivas sobre o seu caminho educativo. Deste modo, a aparição e o desenvolvimento da vocação sacerdotal nas crianças, nos adolescentes e nos jovens debate-se simultaneamente com obstáculos e solicitações.

É muito forte sobre os jovens o fascínio da chamada "sociedade de consumo", que os torna submissos e prisioneiros de uma interpretação individualista, materialista e hedonista da existência humana. O "bem-estar", entendido materialmente, tende a impor-se como único ideal de vida, um bem-estar que se obtém a qualquer preço: daqui, a recusa de tudo o que exige sacrifício e a renúncia a procurar e a viver os valores espirituais e religiosos. A "preocupação" exclusiva do ter suplanta o primado do ser, com a consequência de se interpretarem e viverem os valores pessoais e interpessoais não segundo a lógica do dom e da gratuidade, mas segundo a lógica da posse egoísta e da instrumentalização do outro.

Isto reflecte-se particularmente sobre a visão da sexualidade humana, que perde a sua dignidade de serviço à comunhão e à doação entre as pessoas, para ficar reduzida simplesmente a um bem de consumo. Assim, a experiência afectiva de muitos jovens resolve-se não num crescimento harmonioso e alegre da própria personalidade que se abre ao outro no dom de si mesmo, mas numa grave involução psicológica e ética, que não poderá deixar de ter graves condicionamentos sobre o amanhã dos jovens.

Na raiz destas tendências, está em muitos deles uma experiência distorcida da liberdade: em vez de ser obediência à verdade objectiva e universal, a liberdade é vivida como adesão cega às forças do instinto e à vontade de poder de cada um. Torna-se, então de algum modo, natural, no plano da mentalidade e do comportamento, o desmoronar-se do consenso sobre os princípios éticos e, no plano religioso, se não sempre a recusa explícita de Deus, pelo menos uma larga indiferença e, em todo o caso, uma vida que, mesmo nos seus momentos mais significativos e nas suas opções mais decisivas, acaba por ser construidacomo se Deus não existisse. Num tal contexto, torna-se difícil não só a realização, mas inclusive a própria compreensão do sentido de uma vocação ao sacerdócio, que é um específico testemunho do primado do ser sobre o ter, é reconhecimento do sentido da vida como dom livre e responsável de si mesmo aos outros, como disponibilidade para colocar-se inteiramente como sacerdote ao serviço do Evangelho e do Reino de Deus.

Também no âmbito eclesial o mundo dos jovens constitui, tantas vezes, um "problema". Dado que neles, ainda mais que nos adultos, está presente uma forte tendência para a subjectivização da fé cristã e uma pertença apenas parcial e condicionada à vida e à missão da Igreja, torna-se difícil, por uma série de razões, lançar na comunidade eclesial, uma pastoral juvenil actualizada e corajosa: corre-se o risco de deixar os jovens entregues a si mesmos, na sua fragilidade psicológica, insatisfeitos e críticos perante um mundo de adultos que, não vivendo de modo coerente e maduro a sua fé, não se lhes apresentam como modelos credíveis.

Torna-se então evidente a dificuldade de propor aos jovens uma experiência integral e envolvente de vida cristã e eclesial. e de os educar para ela. Assim a perspectiva da vocação ao sacerdócio permanece longínqua dos seus interesses concretos e vivos.

9. Todavia não faltam situações e estímulos positivos, que suscitam e alimentam no coração dos adolescentes e dos jovens uma nova disponibilidade, isto é, uma procura verdadeira e própria de valores éticos e espirituais que, pela sua natureza, oferecem o terreno propício para um itinerário vocacional en vista do dom total de si a Cristo e à Igreja no sacerdócio.

É de acentuar, antes de mais, como se atenuaram alguns fenómenos que, num passado recente, tinham provocado não poucos problemas, tais como a contestação radical, os impulsos anárquicos, as reivindicações utópicas, as formas indiscriminadas de socialização, a violência.

Deve reconhecer-se, além disso, que os jovens de hoje, com a força e a pujança típicas da idade, são portadores dos ideais que fazem caminho na história: a sede da liberdade, o reconhecimento do valor incomensurável da pessoa, a necessidade da autenticidade e da transparência, um novo conceito e estilo de reciprocidade nas relações entre homem e mulher, a procura sincera e apaixonada de um mundo mais justo, solidário e unido, a abertura e o diálogo com todos, o empenho a favor da paz.

O desenvolvimento, tão rico e vivo em muitos jovens do nosso tempo, de numerosas e variadas formas de voluntariado presente nas situações mais esquecidas e difíceis da nossa sociedade, representa hoje um recurso educativo particularmente importante, porque estimula e ajuda os jovens a um estilo de vida mais desinteressado, aberto e solidário com os pobres. Isto pode facilitar a compreensão, o desejo e o acolhimento de uma vocação para o serviço estável e total aos outros, no caminho da plena consagração a Deus por uma vida sacerdotal.

A queda recente das ideologias, o modo fortemente crítico de situar-se frente ao mundo dos adultos que nem sempre oferecem um testemunho de vida apoiado em valores morais e transcendentes, a própria experiência dos companheiros que procuram evasões na droga e na violência, muito contribui para tornar mais aguda e iniludível a pergunta fundamental sobre os valores que são verdadeiramente capazes de dar plenitude de significado à vida, ao sofrimento e à morte. Em muitos jovens, torna-se mais explícita a questão religiosa e a necessidade de espiritualidade: daqui o desejo de oração, o retorno a uma leitura mais pessoal e frequente da Palavra de Deus e ao estudo da teologia.

Tal como sucede no âmbito do voluntariado social, também no da comunidade eclesial, os jovens se tornam cada vez mais activos e protagonistas, sobretudo pela participação nas várias agregações, desde as tradicionais uma vez renovadas, às mais recentes: a experiência de uma Igreja solicitada para a "nova evangelização" pela fidelidade ao Espírito que a anima e pelas exigências do mundo afastado de Cristo mas necessitado d'Ele, como também a experiência de uma Igreja cada vez mais solidária com o homem e com os povos na defesa e promoção da dignidade pessoal e dos direitos humanos de todos e de cada um, abre o coração e a vida da juventude a ideais fascinantes e comprometedores, que podem encontrar a sua concreta realização no seguimento de Cristo e do sacerdócio.

Naturalmente não de pode prescindir desta situação humana e eclesial, caracterizada por uma forte ambivalência, seja na pastoral das vocações e na obra de formação dos futuros sacerdotes, seja no âmbito da vida e do ministério dos sacerdotes e da sua formação permanente. Assim, se se podem compreender as várias formas de "crises", às quais os sacerdotes de hoje estão sujeitos no exercício do ministério, na sua vida espiritual e na própria interpretação da natureza e do significado do sacerdócio ministerial, devem-se todavia assinalar com alegria e esperança as novas potencialidades que o actual momento histórico oferece àqueles para o cumprimento da sua missão.

O discernimento evangélico

10. A complexa situação actual, rapidamente evocada em traços largos e de modo exemplificativo, necessita de ser conhecida, e sobretudo interpretada. Só assim se poderá responder de modo adequado à questão fundamental: como formar sacerdotes que estejam verdadeiramente à altura destes tempos, capazes de evangelizar o mundo de hoje? [15].

É importante o conhecimento da situação. Não basta, porém, um simples levantamento dos factos; ocorre uma investigação «científica» para se delinear um quadro preciso e concreto das reais circunstâncias sócio-culturais e eclesiais.

Ainda mais importante é a interpretação da situação. Essa é exigida pela ambivalência e por vezes contradição com que está marcada a situação, que regista, profundamente entrelaçadas, dificuldades e potencialidades, elementos negativos e razões de esperança, obstáculos e aberturas, como o campo evangélico no qual estão semeados e "convivem" o bom trigo e a cizânia (cf. Mt 13,24-30).

Nem sempre é fácil uma leitura interpretativa que saiba distinguir entre o bem e o mal, entre sinais de esperança e ameaças. Na formação dos sacerdotes, não se trata única e simplesmente de acolher os factores positivos e de rejeitar frontalmente os negativos. Mas tem-se de submeter os próprios factores positivos a um atento discernimento, para que não se isolem uns dos outros nem entrem em oposição entre si, absolutizando-se e combatendo-se mutuamente. O mesmo se diga dos factores negativos : não são de rejeitar em bloco e sem distinções, porque em cada um deles pode ocultar-se algum valor que espera ser liberto e reconduzido à sua verdade plena.

Para o crente, a interpretação da situação histórica encontra o seu princípio cognoscitivo e o critério das opções operativas consequentes, numa realidade nova e original, ou seja, no discernimento evangélico; é a interpretação que se verifica à luz e com a força do Evangelho, do Evangelho vivo e pessoal de Jesus Cristo, e com o dom do Espírito Santo. Deste modo, o discernimento evangélico vê, na situação histórica e nas suas vicissitudes e circunstâncias, não um simples "dado" a registar com precisão, frente ao qual é possível permanecer na indiferença ou na passividade, mas uma "tarefa", um desafio à liberdade responsável quer do indivíduo quer da comunidade. É um "desafio" que está ligado a um "apelo", que Deus faz ressoar na própria situação histórica: também nele e através dele, Deus chama o crente , e antes ainda a Igreja, a fazer com que "o Evangelho da vocação e do sacerdócio" exprima a sua verdade perene nas novas circunstâncias da vida. Também à formação dos sacerdotes são de aplicar as palavras do Concílio Vaticano II: "É dever permanente da Igreja auscultar os sinais dos tempos e interpretá- los à luz do Evangelho de modo que, de uma forma adaptada a cada geração, ela possa responder às perenes interrogações dos homens sobre o sentido da vida presente e futura e sobre a sua relação recíproca. É necessário, de facto, conhecer e compreender o mundo em que vivemos e também as suas esperanças, as suas aspirações e a sua índole por vezes dramática" [16].

Este discernimento evangélico tem o seu fundamento na confiança no amor de Jesus Cristo, que sempre e incansavelmente toma o cuidado da sua Igreja (cf. Ef 5, 29), Ele que é o Senhor e Mestre, a chave, o centro e o fim de toda a história humana [17]; nutre-se da luz e da força do Espírito Santo, que suscita por toda a parte e em qualquer circunstância a obediência da fé, a coragem alegre do seguimento de Cristo, o dom da sabedoria que tudo julga e não é julgada por ninguém (cf. 1 Cor 2, 15); repousa sobre a fidelidade do Pai às suas promessas.

Deste modo, a Igreja sente que pode enfrentar as dificuldades e os desafios deste novo período da história e garantir, já no presente e para o futuro, sacerdotes bem, formados que sejam convictos e fervorosos ministros da "nova evangelização", servidores fiéis e generosos de Jesus Cristo e dos homens.

Não ignoramos as dificuldades. Não são poucas nem pequenas. Mas, para vencê-las, está a nossa esperança, a nossa fé no indefectível amor de Cristo, a nossa certeza da insubstituibilidade do ministério sacerdotal na vida da Igreja e do mundo.