A g n u s D e i

ORIENTALE LUMEN
João Paulo II
02.05.1995

II
DO CONHECIMENTO AO ENCONTRO

17. Passaram-se trinta anos desde que os Bispos da Igreja Católica, reunidos em Concílio com a presença de não poucos irmãos das outras Igrejas e Comunidades eclesiais, escutaram a voz do Espírito, que iluminava verdades profundas sobre a natureza da Igreja, manifestando assim que todos os crentes em Cristo se encontravam muito mais próximos do que se poderia pensar, todos em caminho para o único Senhor, todos apoiados e sustentados pela sua graça. Emergia daqui um convite cada vez mais premente à unidade.

A partir de então, muito caminho foi percorrido no conhecimento recíproco. Ele intensificou a estima e frequentemente permitiu-nos rezar juntos ao único Senhor e também uns pelos outros, num caminho de caridade que é já peregrinação de unidade.

Depois dos passos importantes que foram dados pelo Papa Paulo VI, eu quis que se prosseguisse pelo caminho do conhecimento recíproco na caridade. Posso testemunhar a alegria profunda que suscitou em mim o encontro fraterno com tantos Chefes e Representantes de Igrejas e Comunidades eclesiais durante estes anos. Juntos partilhámos preocupações e anseios, juntos invocámos a união entre as nossas Igrejas e a paz no mundo. Sentimo-nos conjuntamente mais responsáveis pelo bem comum, não só individualmente, mas também em nome dos cristãos dos quais o Senhor nos fez pastores. A esta Sé de Roma têm chegado, por vezes, os prementes apelos de outras Igrejas, ameaçadas ou atingidas pela violência e pela prepotência. A todas, ela procurou abrir o coração. Por elas, logo que foi possível, levantou-se a voz do Bispo de Roma, para que os homens de boa vontade ouvissem o grito daqueles nossos irmãos sofredores.

«Entre os pecados que requerem maior empenho de penitência e conversão, devem certamente ser incluídos os que prejudicaram a unidade querida por Deus para o seu povo. Ao longo dos mil anos que estão para se concluir, mais ainda do que no primeiro milénio, a comunhão eclesial, «algumas vezes não sem culpa dos homens de um e de outro lado» (36), conheceu dolorosas rupturas que contradizem abertamente a vontade de Cristo e são escândalo para o mundo. Tais pecados do passado fazem sentir ainda, infelizmente, o seu peso e permanecem como tentações igualmente no presente. É necessário emendar-se, invocando intensamente o perdão de Cristo» (37).

O pecado da nossa divisão é gravíssimo: sinto a necessidade de que aumente a nossa disponibilidade comum ao Espírito, que nos chama à conversão, a aceitar e a reconhecer o outro com respeito fraterno, a cumprir novos gestos corajosos, capazes de dissolver qualquer tentação de retraimento. Sentimos a necessidade de ultrapassar o grau de comunhão que já atingimos.

18. Cada dia se torna em mim mais vivo o desejo de rememorar a história das Igrejas, para escrever finalmente uma história da nossa unidade, e voltar assim ao tempo, logo após a morte e ressurreição do Senhor Jesus, em que o Evangelho se difundiu pelas culturas mais diferentes, e teve início uma permuta fecundíssima, ainda hoje testemunhada pelas liturgias das Igrejas. Embora não faltem dificuldades e contrastes, as cartas dos Apóstolos (cf. 2 Cor 9, 11-14) e dos Padres (38) mostram laços fraternos estreitíssimos entre as Igrejas, numa plena comunhão de fé no respeito pelas especificidades e identidades. A experiência comum do martírio e a meditação das Actas dos mártires de cada Igreja, a participação na doutrina de tantos santos Mestres da fé, numa profunda intercomunicação e partilha, reforçam este sentimento admirável de unidade (39). O desenvolvimento de diferentes experiências de vida eclesial não impedia que, mediante relações recíprocas, os cristãos pudessem continuar a saborear a certeza de estarem na sua própria casa em qualquer Igreja, porque de todas se elevava, numa admirável variedade de línguas e de entoações, o louvor do único Pai, por Cristo, no Espírito Santo; todas se reuniam para celebrar a Eucaristia, coração e modelo da comunidade, não só no que diz respeito à espiritualidade ou à vida moral, mas também pela própria estrutura da Igreja, na variedade dos ministérios e dos serviços sob a presidência do Bispo, sucessor dos Apóstolos (40). Os primeiros concílios são um testemunho eloquente desta constante unidade na diversidade (41).

E mesmo quando se adensaram certas incompreensões dogmáticas — ampliadas muitas vezes pelo influxo de factores políticos e culturais — que conduziam já a dolorosas consequências nas relações entre as Igrejas, permaneceu vivo o esforço de invocar e promover a unidade da Igreja. No primeiro enlace do diálogo ecuménico, o Espírito Santo permitiu-nos a consolidação na fé comum, perfeita continuação do querigma apostólico, e disto damos graças a Deus de todo o coração (42). E se, lentamente, já nos primeiros séculos da era cristã, foram surgindo contraposições no interior do corpo da Igreja, não podemos esquecer que durante todo o primeiro milénio, não obstante as dificuldades, perdurou a unidade entre Roma e Constantinopla. Compreendemos cada vez melhor que não foi tanto um episódio histórico ou uma simples questão de preeminência a dilacerar o tecido da unidade, mas um progressivo alheamento, de modo que a diversidade dos outros deixou de ser percebida como riqueza comum, para ser vista como incompabilidade. E quando o segundo milénio conhece um endurecimento na polémica e na divisão, aumentando cada vez mais a ignorância recíproca e o preconceito, não cessam, contudo, encontros construtivos entre Chefes de Igrejas, desejosos de intensificar as relações e favorecer os intercâmbios, assim como não esmorece a obra santa de homens e mulheres que, reconhecendo no antagonismo um grave pecado e estando apaixonados pela unidade e pela caridade, de muitas maneiras tentaram promover, com a oração, com o estudo e a reflexão, com o encontro aberto e cordial, a procura da comunhão (43). É toda esta obra meritória que vai confluir na reflexão do Concílio Vaticano II e encontrar como que um emblema na abrogação das excomunhões recíprocas de 1054, desejada pelo Papa Paulo VI e pelo Patriarca ecuménico Atenágoras I (44).

19. O caminho da caridade conhece novos momentos de dificuldade, após os acontecimentos recentes que envolveram a Europa central e oriental. Irmãos cristãos, que juntos tinham sofrido a perseguição, olham-se com desconfiança e temor no momento em que se abrem perspectivas e esperanças de maior liberdade: não é este um novo e grave risco de pecado que todos, com todas as forças, devemos tentar vencer, se queremos que povos à procura do Deus do amor, mais facilmente O possam encontrar, em vez de serem escandalizados de novo pelas nossas divisões e contraposições? Quando, por ocasião da Sexta-Feira Santa de 1994, Sua Santidade o Patriarca de Constantinopla Bartolomeu I ofereceu como prenda à Igreja de Roma a sua meditação sobre «O Caminho da Cruz», quis recordar esta comunhão na recente experiência do martírio: «Nós estamos unidos nestes mártires entre Roma, a «Montanha das Cruzes» e as Ilhas Solovieskj e tantos outros campos de extermínio. Estamos unidos, tendo estes mártires como pano de fundo: não podemos deixar de estar unidos» (45).

Portanto, é urgente que se tome consciência desta gravíssima responsabilidade: hoje podemos cooperar para o anúncio do Reino ou tornarmo-nos fautores de novas divisões. O Senhor abra os nossos corações, converta as nossas mentes e nos inspire passos concretos, corajosos, capazes, se for necessário, de romper com lugares-comuns, fáceis resignações ou posições de impasse. Se quem deseja ser primeiro é chamado a tornar-se servo de todos, então do ímpeto desta caridade ver-se-á crescer o primado do amor. Peço ao Senhor que inspire, antes de mais, a mim próprio e aos Bispos da Igreja Católica, gestos concretos como testemunho desta certeza interior. Exige-o a natureza mais profunda da Igreja. Todas as vezes que celebramos a Eucaristia, sacramento da comunhão, nós encontramos no Corpo e no Sangue partilhado o sacramento e o apelo da nossa unidade (46). Como poderemos ser plenamente credíveis, se nos apresentamos divididos perante a Eucaristia, se não somos capazes de viver a participação no mesmo Senhor que somos chamados a anunciar ao mundo? Perante a exclusão recíproca da Eucaristia, sentimos a nossa pobreza e a exigência de envidar todos os esforços para que chegue o dia no qual participaremos juntos do mesmo Pão e do mesmo Cálice (47). Então a Eucaristia voltará a ser plenamente sentida como profecia do Reino e ecoarão com plena verdade estas palavras tiradas de uma antiquíssima oração eucarística: «Como este pão partido estava espalhado pelas colinas e, colhido, se tornou uma só coisa, assim a tua Igreja se reúna, dos confins da Terra, no teu Reino» (48).

Experiências de unidade

20. Efemérides de particular significado encorajam-nos a dirigir o nosso pensamento, com afecto e reverência, às Igrejas Orientais. Antes de mais, como se disse, o centenário da Carta apostólica, «Orientalium Dignitas». A partir de então, teve início um caminho que, entre outras coisas, levou, em 1917, à criação da Congregação para as Igrejas Orientais (49) e à instituição do Pontifício Instituto Oriental (50), pelo Papa Bento XV. Depois, a 5 de Junho de 1960, foi instituído por João XXIII o Secretariado para a Promoção da Unidade dos Cristãos (51). Em tempos recentes, a 18 de Outubro de 1990, promulguei o Código dos Cânones das Igrejas Orientais (52), para que fosse salvaguardada e promovida a especificidade do património oriental.

São estes os sinais de uma atitude que a Igreja de Roma sentiu sempre parte integrante do mandato confiado por Jesus Cristo ao apóstolo Pedro: confirmar os irmãos na fé e na unidade (cf. Lc 22, 32). As tentativas do passado tinham os seus limites derivados da mentalidade dos tempos e da própria compreensão das verdades sobre a Igreja. Mas desejaria aqui reafirmar que este empenho tem na sua raiz a convicção de que Pedro (cf. Mt 16, 17-19) quer colocar-se ao serviço de uma Igreja unida na caridade. «A tarefa de Pedro é a de procurar constantemente os caminhos que servem a conservação da unidade. Assim, ele não deve criar obstáculos, mas sim procurar caminhos. O que não está, de facto, em contradição com a tarefa que lhe foi entregue por Cristo de «confirmar os irmãos na fé» (cf. Lc 22, 32). Além disso, é significativo que Cristo tenha pronunciado estas palavras precisamente quando o Apóstolo estava para O renegar. Era como se o próprio Mestre lhe quisesse dizer: «Recorda-te de que és fraco, que também tu tens necessidade de uma incessante conversão. Podes confirmar os outros enquanto tens consciência da tua fraqueza. Dou-te como tarefa a verdade, a grande verdade de Deus, destinada à salvação do homem, mas esta verdade não pode ser pregada e realizada senão amando». É necessário, sempre, «veritatem facere in caritate» — «praticar a verdade na caridade» (cf. Ef 4, 15)» (53). Hoje, sabemos que a unidade pode ser realizada pelo amor de Deus, somente se as Igrejas o quiserem juntas, no pleno respeito das várias tradições e da necessária autonomia. Sabemos que isto pode realizar-se somente a partir do amor de Igrejas que se sentem chamadas a manifestar sempre cada vez mais a única Igreja de Cristo, nascida de um único Baptismo e de uma única Eucaristia, e que querem ser irmãs (54). Como já tive oportunidade de afirmar, «é una a Igreja de Cristo; se existem divisões devem ser superadas, mas a Igreja é una, a Igreja de Cristo entre o Oriente e o Ocidente não pode ser senão uma, una e unida» (55).

Certamente, na perspectiva actual, sabemos que uma união verdadeira só será possível no pleno respeito da dignidade dos outros, sem considerar o conjunto de usos e costumes da Igreja Latina como sendo mais completo ou mais idóneo para mostrar a plenitude da recta doutrina; e sabemos ainda que tal união deverá ser precedida por uma consciência de comunhão que penetre inteiramente a Igreja e não se limite a um acordo entre cúpulas. Hoje estamos conscientes — e já foi reafirmado várias vezes — de que a unidade se realizará como e quando o Senhor quiser, e que ela exigirá o contributo da sensibilidade e criatividade do amor, talvez mesmo indo para além das formas já experimentadas historicamente (56).

21. As Igrejas Orientais que entraram na plena comunhão com esta Igreja de Roma quiseram ser manifestação de tal solicitude, expressa segundo o grau de amadurecimento da consciência eclesial naquele tempo (57). Entrando na comunhão católica, elas não tinham de modo nenhum a intenção de renegar a fidelidade à sua tradição, que testemunharam secularmente com heroísmo e muitas vezes pagando com o sangue. E se, às vezes, nas relações com as Igrejas Ortodoxas, se verificaram equívocos e abertas contraposições, todos sabemos que devemos invocar incessantemente a misericórdia divina e um coração novo capaz de reconciliação, para além de qualquer afronta sofrida ou infligida.

Várias vezes foi reafirmado que a já realizada união plena das Igrejas Orientais Católicas com a Igreja de Roma não deve comportar para elas uma diminuição na consciência da própria autenticidade e originalidade (58). No caso de isto se ter verificado, o Concílio Vaticano II exortou-as a redescobrir plenamente a sua identidade, tendo elas «o direito e o dever de se regerem segundo as próprias disciplinas peculiares, enquanto se recomendam por veneranda antiguidade, são mais conformes aos costumes dos seus fiéis e resultam mais aptas a buscar o bem das almas» (59). Estas Igrejas trazem na sua carne uma dilaceração dramática, porque é ainda impedida uma comunhão total com as Igrejas Orientais Ortodoxas, com as quais, contudo, partilham o património dos seus pais. Uma conversão constante e comum é indispensável, para que elas procedam decididamente e com desassombro para a compreensão recíproca. E conversão é pedida também à Igreja Latina, para que respeite e valorize plenamente a dignidade dos Orientais, e acolha com gratidão os tesouros espirituais de que as Igrejas Orientais são portadoras para proveito da inteira comunhão católica (60); mostre concretamente, muito mais do que no passado, quanto estima e admira o Oriente cristão e quanto considera essencial o seu contributo para que seja vivida plenamente a universalidade da Igreja.

Encontrar-se, conhecer-se, trabalhar juntos

22. Grande é o meu desejo de que as palavras que São Paulo dirigia do Oriente aos fiéis da Igreja de Roma, ressoem hoje nos lábios dos cristãos do Ocidente a respeito dos seus irmãos das Igrejas Orientais: «Em primeiro lugar, dou graças ao meu Deus, por Jesus Cristo, a respeito de vós, porque a vossa fé é conhecida em todo o mundo» (Rm 1, 8). E logo depois o Apóstolo das Gentes declarava com entusiasmo o seu propósito: «Na verdade, desejo-vos ver, para vos comunicar alguma graça espiritual, a fim de vos fortalecer, ou antes, para convosco me reconfortar no meio de vós, pela fé que nos é comum a vós e a mim» (Rm 1, 11-12). Eis, portanto, delineada admiravelmente a dinâmica do encontro: o conhecimento dos tesouros de fé dos outros — que procurei descrever — produz espontaneamente o estímulo para um novo e mais íntimo encontro entre irmãos, que seja de autêntico e sincero intercâmbio recíproco. É um estímulo que o Espírito suscita constantemente na Igreja e que se torna mais insistente precisamente nos momentos de maior dificuldade.

23. De resto, tenho bem consciência de que neste momento algumas tensões entre a Igreja de Roma e algumas Igrejas do Oriente tornam mais difícil o caminho da estima recíproca em vista da comunhão. Várias vezes estaSé de Roma se esforçou por emanar directrizes que favorecessem o caminho comum de todas as Igrejas, num momento tão importante para a vida do mundo, sobretudo na Europa Oriental, onde acontecimentos históricos dramáticos impediram muitas vezes às Igrejas Orientais, em tempos recentes, a plena realização do mandato da evangelização que, contudo, sentiam premente (61). Hoje, situações de maior liberdade oferecem-lhes renovadas oportunidades, embora os meios à sua disposição sejam limitados, por causa das dificuldades dos países onde estão presentes. Desejo afirmar fortemente que as comunidades do Ocidente estão prontas para favorecer em tudo — e não são poucas aquelas que já trabalham neste sentido — a intensificação deste ministério de diaconia, pondo à disposição de tais Igrejas a experiência adquirida em anos de exercício mais livre da caridade. Ai de nós, se a vantagem de um fosse causa da humilhação do outro ou de estéreis e escandalosas competições! Da sua parte, as comunidades do Ocidente considerarão, antes de mais, um dever partilhar, onde for possível, projectos de serviço com os irmãos das Igrejas do Oriente, ou contribuir para a realização de tudo aquilo que elas empreenderão ao serviço dos seus povos e, em todo o caso, nunca ostentarão, nos territórios em que convivem juntas, uma atitude que possa parecer desrespeitadora dos fatigantes esforços que as Igrejas do Oriente procuram cumprir, com tanto maior mérito quanto mais precárias são as suas disponibilidades.

Exprimir gestos comuns de caridade uma para com a outra e juntas em relação aos homens que se encontram em necessidade, aparecerá como um acto de imediata persuasão. Deixar de cumpri-lo, ou até mesmo testemunhar o contrário, levará quantos nos observam a pensar que qualquer empenho de aproximação entre as Igrejas na caridade é apenas afirmação abstracta, sem convicção nem consistência.

Vejo como fundamental o apelo do Senhor a trabalhar de todas as maneiras para que todos os crentes em Cristo testemunhem juntos a própria fé, sobretudo nos territórios onde é mais consistente a convivência entre os filhos da Igreja Católica — latinos e orientais — e os filhos das Igrejas Ortodoxas. Após o martírio comum padecido por Cristo sob a opressão dos regimes ateus, chegou o momento de sofrer, se for necessário, para nunca faltar ao testemunho da caridade entre cristãos, porque, se entregarmos o nosso corpo a fim de ser queimado, mas não tivermos caridade, de nada nos servirá (cf. 1 Cor 13, 3). Teremos de rezar intensamente para que o Senhor toque as nossas mentes e os nossos corações e nos dê a paciência e a mansidão.

24. Penso que uma forma importante de crescermos na compreensão recíproca e na unidade, consiste precisamente em melhorar o nosso conhecimento uns dos outros. Os filhos da Igreja Católica já conhecem os caminhos que a Santa Sé indicou para que eles possam atingir tal objectivo: conhecer a liturgia das Igrejas do Oriente (62); aprofundar o conhecimento das tradições espirituais dos Padres e Doutores do Oriente cristão (63); seguir o exemplo das Igrejas do Oriente na inculturação da mensagem do Evangelho; combater as tensões entre Latinos e Orientais e estimular o diálogo entre Católicos e Ortodoxos; formar, em instituições especializadas sobre o Oriente cristão, teólogos, liturgistas, historiadores e canonistas, que, por sua vez, possam difundir o conhecimento das Igrejas do Oriente; oferecer, nos seminários e faculdades teológicas, um ensino adequado sobre tais matérias, sobretudo aos futuros sacerdotes (64). São indicações sempre muito válidas, sobre as quais desejo insistir com ênfase particular.

25. Para além do conhecimento, julgo muito importante o contacto recíproco. A este propósito, faço votos por que uma acção particular seja exercida pelos mosteiros, precisamente pelo papel muito especial que reveste a vida monástica no interior das Igrejas, e pelos muitos pontos que unem a experiência monástica, e portanto a sensibilidade espiritual, no Oriente e no Ocidente. Uma outra forma de encontro é constituída pelo acolhimento de docentes e estudantes ortodoxos nas Universidades Pontifícias e outras instituições académicas católicas. Continuaremos a fazer todo o possível para que tal acolhimento possa assumir maiores proporções. Que Deus abençoe, também, o nascimento e o desenvolvimento de lugares destinados precisamente à hospitalidade dos nossos irmãos do Oriente, também nesta cidade de Roma, que guarda a memória viva e comum dos chefes dos apóstolos e de tantos mártires.

É importante que as iniciativas de encontro e intercâmbio envolvam da maneira e forma mais ampla as comunidades eclesiais: sabemos, por exemplo, quão positivas podem resultar iniciativas de contacto entre paróquias, como que «geminadas» por um recíproco enriquecimento cultural e espiritual, mesmo no exercício da caridade.

Considero de modo muito positivo as iniciativas de peregrinações comuns aos lugares onde a santidade se manifestou de maneira particular, recordando homens e mulheres que, em todos os tempos, enriqueceram a Igreja com o sacrifício da própria vida. Neste sentido, seria, portanto, um acto de grande significado chegar ao reconhecimento comum da santidade daqueles cristãos que, nos últimos decénios, em particular nos países do Leste europeu, derramaram o sangue pela única fé em Cristo.

26. Um pensamento particular vai também para os territórios da diáspora onde vivem, no âmbito de maioria latina, muitos fiéis das Igrejas Orientais que deixaram as suas terras de origem. Estes lugares, onde é mais fácil o contacto sereno no interior de uma sociedade pluralista, poderiam ser o ambiente ideal para melhorar e intensificar a colaboração entre as Igrejas na formação dos futuros sacerdotes, nos projectos pastorais e caritativos, inclusive em proveito das terras de origem dos Orientais.

Aos Ordinários latinos daqueles Países, recomendo de maneira particular o estudo atento, a plena compreensão e a fiel aplicação dos princípios enunciados por esta Sé Apostólica sobre a colaboração ecuménica (65) e sobre os cuidados pastorais dos fiéis das Igrejas Orientais Católicas, sobretudo quando estes se encontram desprovidos de uma Hierarquia própria.

Convido os Hierarcas e o clero oriental católico a uma colaboração estreita com os Ordinários latinos para uma pastoral eficaz, que não seja fragmentária, sobretudo quando a sua jurisdição se estende por territórios muito vastos onde a falta de colaboração significa, efectivamente, isolamento. Que os Hierarcas orientais católicos não descurem nenhum meio para favorecer um clima de fraternidade, de estima recíproca e sincera, e de colaboração com os seus irmãos das Igrejas às quais não nos une ainda uma comunhão plena, em particular em relação àqueles que pertencem à mesma tradição eclesial.

No Ocidente, onde não houver sacerdotes orientais para assistir os fiéis das Igrejas Orientais Católicas, os Ordinários latinos e os seus colaboradores envidem esforços para que aumentem naqueles fiéis a consciência e o conhecimento da própria tradição, e sejam chamados a cooperar activamente, com o seu contributo específico, para o crescimento da comunidade cristã.

27. Relativamente ao monaquismo, tendo em consideração a sua importância no cristianismo do Oriente, desejamos que ele floresça nas Igrejas Orientais Católicas e sejam encorajados todos aqueles que se sentem chamados a trabalhar para esta consolidação (66). De facto, existe uma ligação intrínseca entre a oração litúrgica, a tradição espiritual e a vida monástica, no Oriente. Precisamente por isso, também para eles, uma retomada bem constituída e motivada da vida monástica poderia significar um autêntico florescimento eclesial. Não se deverá pensar que isto irá diminuir a eficácia do ministério pastoral, que, pelo contrário, sairá fortalecida por uma tão robusta espiritualidade e, desta maneira, reencontrará a sua posição ideal. Este voto refere-se também aos territórios da diáspora oriental, onde a presença de mosteiros orientais daria maior solidez às Igrejas orientais naqueles países, oferecendo, além disso, um contributo precioso à vida religiosa dos cristãos do Ocidente.

Caminhar juntos para a «Orientale Lumen»

28. Ao concluir esta Carta, o meu pensamento vai para os queridos Irmãos: os Patriarcas, os Bispos, os Sacerdotes e os Diáconos, os Monges e as Monjas, os homens e as mulheres das Igrejas do Oriente.

No limiar do terceiro milénio, todos nós sentimos chegar às nossas Sés o grito dos homens, esmagados pelo peso de ameaças graves e no entanto, talvez mesmo sem o saberem, desejosos de conhecer a história de amor querida por Deus. Esses homens sentem que um raio de sol, se for acolhido, pode ainda dispersar as trevas do horizonte da ternura do Pai.

Maria, «Mãe do astro que não conhece ocaso» (67), «aurora do místico dia» (68) «oriente do Sol de glória» (69), indica-nos a Orientale Lumen.

Do Oriente, todos os dias surge de novo o sol da esperança, a luz que restitui ao género humano a sua existência. Do Oriente, segundo uma linda imagem, voltará o nosso Salvador (cf. Mt 24, 27).

Os homens e as mulheres do Oriente são para nós sinal do Senhor que volta. Nós não podemos esquecê-los, não só porque os amamos como irmãos e irmãs, redimidos pelo mesmo Senhor, mas também porque a saudade santa dos séculos vividos na plena comunhão da fé e da caridade nos impele, censura os nossos pecados, as nossas incompreensões recíprocas: nós privámos o mundo de um testemunho comum que teria, talvez, podido evitar tantos dramas, se não mesmo mudar o sentido da História.

Nós sentimos a dor de ainda não podermos participar na mesma Eucaristia. Agora que o milénio se encerra e o nosso olhar se dirige completamente para o Sol que nasce, reencontramo-los com gratidão no trajecto do nosso olhar e do nosso coração.

O eco do Evangelho, palavra que não desilude, continua a ressoar com força, enfraquecida apenas pela nossa divisão: Cristo grita, mas o homem tem dificuldade em ouvir a sua voz, porque não conseguimos transmitir palavras unânimes. Escutamos juntos a invocação dos homens que querem ouvir a Palavra de Deus inteira. As palavras do Ocidente precisam das palavras do Oriente, para que a Palavra de Deus manifeste cada vez melhor as suas riquezas insondáveis. As nossas palavras encontrar-se-ão para sempre na Jerusalém do Céu; mas invocamos e queremos que esse encontro seja antecipado na Santa Igreja que ainda caminha para a plenitude do Reino.

Queira Deus abreviar o tempo e o espaço! Cedo, bem cedo, Cristo, a Orientale Lumen, nos conceda a graça de descobrir que, na realidade, não obstante tantos séculos de afastamento, estávamos muito próximos, porque juntos, talvez sem o sabermos, caminhávamos para o único Senhor, e portanto uns para os outros.

Que o homem do terceiro milénio possa gozar desta descoberta, finalmente atingido por uma palavra concorde e, por isso, plenamente credível, proclamada por irmãos que se amam e agradecem as riquezas que se doam reciprocamente. E, desta maneira, apresentar-nos-emos a Deus com as mãos puras da reconciliação, e os homens do mundo terão uma nova motivação sólida para acreditar e para esperar.

Com estes votos, sobre todos estendo a minha Bênção.

- Vaticano, 2 de Maio, memória de Santo Atanásio, Bispo e Doutor da Igreja, do ano de 1995, décimo sétimo de Pontificado.