A g n u s D e i

MULIERIS DIGNITATEM
João Paulo II
15.08.1988

VI
MATERNIDADE - VIRGINDADE

Duas dimensões da vocação da mulher

17. Devemos agora dirigir a nossa meditação para a virgindade e a maternidade, duas dimensões particulares na realização da personalidade feminina. A luz do Evangelho, elas adquirem a plenitude do seu sentido e valor em Maria, que como Virgem se tornou Mãe do filho de Deus. Estas duas dimensões da vocação feminina encontraram-se nela e conjugaram-se de modo tão excepcional que, sem se excluírem, se completaram admiravelmente. A descrição da Anunciação no Evangelho de Lucas indica claramente que isso parecia impossível à Virgem de Nazaré. Quando ela ouve as palavras: « Eis que conceberás e darás à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus », ela logo pergunta: « Como se realizará isso, pois eu não conheço homem? » (Lc 1, 31. 34). Na ordem comum das coisas, a maternidade é fruto do « conhecimento » recíproco do homem e da mulher na união matrimonial. Maria, firme no propósito da própria virgindade, pergunta ao mensageiro divino, e dele obtém a explicação: « Virá sobre ti o Espírito Santo »; a tua maternidade não será consequência de um « conhecimento » matrimonial, mas será obra do Espírito Santo, e a « potência do Altíssimo » estenderá a sua « sombra » sobre o mistério da concepção e do nascimento do Filho. Como Filho do Altíssimo, ele te é dado exclusivamente por Deus, do modo conhecido por Deus. Maria, portanto, manteve o seu virginal « não conheço homem » (cf. Lc 1, 34) e, ao mesmo tempo, se tornou Mãe. A virgindade e a maternidade coexistem nela: não se excluem, nem se limitam reciprocamente. Antes, a pessoa da Mãe de Deus ajuda todos — especialmente todas as mulheres — a perceberem de que modo estas duas dimensões e estes dois caminhos da vocação da mulher, como pessoa, se desdobram e se completam reciprocamente.

Maternidade

18. Para participar deste « perceber » é preciso mais uma vez aprofundar a verdade sobre a pessoa humana, recordada pelo Concílio Vaticano II. O homem — tanto o homem como a mulher — é a única criatura na terra que Deus quis por si mesma: é uma pessoa, é um sujeito que decide por si. Ao mesmo tempo, o homem « não pode se encontrar plenamente senão por um dom sincero de si mesmo ». (39) Já foi dito que esta descrição, aliás, em certo sentido, esta definição da pessoa corresponde à verdade bíblica fundamental sobre a criação do homem — homem e mulher — à imagem e semelhança de Deus. Esta não é uma interpretação puramente teórica, ou uma definição abstrata, pois ela indica essencialmente o sentido do ser humano, salientando o valor do dom de si, da pessoa. Nesta visão da pessoa inclui-se também a essência do « ethos » que, em ligação com a verdade da criação, será desenvolvido plenamente pelos Livros da Revelação e, particularmente, pelos Evangelhos.

Essa verdade sobre a pessoa abre, além disso, o caminho para uma plena compreensão da maternidade da mulher. A maternidade é fruto da união matrimonial entre um homem e uma mulher, do « conhecimento » bíblico que corresponde à « união dos dois numa só carne » (cf. Gên 2, 24) e, deste modo, ela realiza — por parte da mulher — um especial « dom de si mesma » como expressão do amor conjugal, pelo qual os esposos se unem entre si de modo tão íntimo que constituem « uma só carne ». O « conhecimento » bíblico realiza-se segundo a verdade da pessoa só quando o dom recíproco de si não é deformado nem pelo desejo do homem de tornar-se « senhor » da sua esposa (« ele te dominará »), nem pelo fechar-se da mulher nos próprios instintos (« sentir-te-ás atraída para o teu marido »: Gên 3, 16).

O dom recíproco da pessoa no matrimônio abre-se para o dom de uma nova vida, de um novo homem, que é também pessoa à semelhança de seus pais. A maternidade implica desde o início uma abertura especial para a nova pessoa: e precisamente esta é a « parte » da mulher. Nessa abertura, ao conceber e dar à luz o filho, a mulher « se encontra por um dom sincero de si mesma ». O dom da disponibilidade interior para aceitar e dar ao mundo o filho está ligado à união matrimonial, que — como foi dito — deveria constituir um momento particular do dom recíproco de si por parte tanto do homem como da mulher. A concepcão e o nascimento do novo homem, segundo a Bíblia, são acompanhados das seguintes palavras da mulher-genetriz: « Adquiri um homem com o favor de Deus » (Gên 4, 1). A exclamação de Eva, « mãe de todos os viventes », repete-se toda vez que vem ao mundo um novo homem e exprime a alegria e a consciência da mulher na participação do grande mistério do eterno gerar. Os esposos participam do poder criador de Deus!

A maternidade da mulher, no período entre a concepção e o nascimento da criança, passa por um processo biofisiológico e psíquico que hoje é melhor conhecido do que no passado, e é objeto de muitos estudos aprofundados. A análise científica confirma plenamente o fato de que a constituição física da mulher e o seu organismo comportam em si a disposição natural para a maternidade, para a concepção, para a gestação e para o parto da criança, em consequência da união matrimonial com o homem. Ao mesmo tempo, tudo isso corresponde também à estrutura psicofísica da mulher. Tudo quanto os diversos ramos da ciência dizem sobre este assunto é importante e útil, conquanto não se limitem a uma interpretação eclusivamente biofisiológica da mulher e da maternidade. Uma tal imagem « reduzida » andaria de par com a concepção materialista do homem e do mundo. Nesse caso, ficaria infelizmente perdido o que é verdadeiramente essencial: a maternidade, como fato e fenômeno humanos, explica-se plenamente tendo por base a verdade sobre a pessoa. A maternidade está ligada com a estrutura pessoal do ser mulher e com a dimensão pessoal do dom: « Adquiri um homem com o favor de Deus » (Gên 4, 1). O Criador concede aos pais o dom do filho. Por parte da mulher, este fato está ligado especialmente ao « dom sincero de si mesma ». As palavras de Maria na Anunciação: « Faça-se em mim segundo a tua palavra », significam a disponibilidade da mulher ao dom de si e ao acolhimento da nova vida.

Na maternidade da mulher, unida à paternidade do homem, reflete-se o mistério eterno do gerar que é próprio de Deus, de Deus uno e trino (cf. Ef 3, 14-15). O gerar humano é comum ao homem e à mulher. E se a mulher, guiada por amor ao marido, disser: « dei-te um filho », as suas palavras ao mesmo tempo significam: « este é nosso filho ». Contudo, ainda que os dois juntos sejam pais do seu filho, a maternidade da mulher constitui uma « parte » especial deste comum ser genitores, aliás a parte mais empenhativa. O ser genitores — ainda que seja comum aos dois — realiza-se muito mais na mulher, especialmente no período pré-natal. É sobre a mulher que recai diretamente o « peso » deste comum gerar, que absorve literalmente as energias do seu corpo e da sua alma. É preciso, portanto, que o homem seja plenamente consciente de que contrai, neste seu comum ser genitores, um débito especial para com a mulher. Nenhum programa de « paridade de direitos » das mulheres e dos homens é válido, se não se tem presente isto de um modo todo essencial.

A maternidade comporta uma comunhão especial com o mistério da vida, que amadurece no seio da mulher: a mãe admira este mistério, com intuição singular « compreende » o que se vai formando dentro de si. A luz do « princípio », a mãe aceita e ama o filho que traz no seio como uma pessoa. Este modo único de contato com o novo homem que se está formando cria, por sua vez, uma atitude tal para com o homem — não só para com o próprio filho, mas para com o homem em geral — que caracteriza profundamente toda a personalidade da mulher. Considera-se comumente que a mulher, mais do que o homem, seja capaz de atenção à pessoa concreta, e que a maternidade desenvolva ainda mais esta disposição. O homem — mesmo com toda a sua participação no ser pai — encontra-se sempre « fora » do processo da gestação e do nascimento da criança e deve, sob tantos aspectos, aprender da mãe a sua própria « paternidade ». Isto — pode-se dizer — faz parte do dinamismo humano normal do ser genitores, também quando se trata das etapas sucessivas ao nascimento da criança, especialmente no primeiro período. A educação do filho, globalmente entendida, deveria conter em si a dúplice contribuição dos pais: a contribuição materna e paterna. Todavia, a materna é decisiva para as bases de uma nova personalidade humana.

A maternidade em relação à Aliança

19. Volta às nossas reflexões o paradigma bíblico da « mulher », tirado do Proto-Evangelho. A « mulher », como genetriz e como primeira educadora do homem (a educação é a dimensão espiritual do ser pais), possui uma precedência específica sobre o homem. Se, por um lado, a sua maternidade (antes de tudo no sentido biofísico) depende do homem, por outro, ela imprime uma « marca » essencial em todo o processo do fazer crescer como pessoa os novos filhos e filhas da estirpe humana. A maternidade da mulher em sentido biofísico manifesta uma aparente passividade: o processo de formação de uma nova vida « produz-se » nela, no seu organismo; todavia, produz-se, envolvendo-o em profundidade. Ao mesmo tempo, a maternidade, no sentido pessoal-ético, exprime uma criatividade muito importante da mulher, da qual depende principalmente a própria humanidade do novo ser humano. Também neste sentido a maternidade da mulher manifesta uma chamada e um desafio especiais, que se dirigem ao homem e à sua paternidade.

O paradigma bíblico da « mulher » culmina na maternidade da Mãe de Deus. As palavras do Proto-Evangelho: « Porei inimizade entre ti e a mulher », encontram aqui uma nova confirmação. Eis que Deus, na pessoa dela, no seu « fiat » materno (« Faça-se em mim »), dá início a uma Nova Aliança com a humanidade. Esta é a Aliança eterna e definitiva em Cristo, no seu corpo e sangue, na sua cruz e ressurreição. Precisamente porque esta Aliança deve realizar- se « na carne e no sangue », é que o seu início se dá na Genetriz. O « Filho do Altíssimo », somente graças a ela e ao seu « fiat » virginal e materno, pode dizer ao Pai: « formaste-me um corpo. Eis-me aqui para fazer, ó Deus, a tua vontade » (cf. Hebr 10, 5. 7).

Na ordem da Aliança, que Deus realizou com o homem em Jesus Cristo, foi introduzida a maternidade da mulher. E cada vez, todas as vezes que a maternidade da mulher se repete na história humana sobre a terra, permanece sempre em relação com a Aliança que Deus estabeleceu com o gênero humano, mediante a maternidade da Mãe de Deus.

Esta realidade não é talvez demonstrada pela resposta dada por Jesus ao brado da mulher que, no meio da multidão, o bendizia pela maternidade d'Aquela que o gerou: « Ditoso o seio que te trouxe e os peitos a que foste amamentado! »? Jesus responde: « Ditosos antes os que ouvem a palavra de Deus e a guardam » (Lc 11, 27-28). Jesus confirma o sentido da maternidade relativa ao corpo; ao mesmo tempo, porém, indica-lhe um sentido ainda mais profundo, ligado à ordem do espírito: a maternidade é sinal da Aliança com Deus que « é espírito » (Jo 4, 24). Tal é sobretudo a maternidade da Mãe de Deus. Também a maternidade de toda mulher, entendida à luz do Evangelho, não é só « da carne e do sangue »: nela se exprime a profunda « escuta da palavra do Deus vivo » e a disponibilidade para « guardar » esta Palavra, que é « palavra de vida eterna » (cf. Jo 6, 68). Com efeito, são os nascidos de mães terrenas, os filhos e as filhas do gênero humano, que recebem do Filho de Deus o poder de se tornarem « filhos de Deus » (Jo 1, 12). A dimensão da Nova Aliança no sangue de Cristo penetra no gerar humano, tornando-o realidade e responsabilidade de « novas criaturas » (2 Cor 5, 17). A maternidade da mulher, do ponto de vista da história de todo homem, é o primeiro limiar, cuja superação condiciona também « a revelação dos filhos de Deus » (cf. Rom 8, 19).

« A mulher, quando vai dar à luz, está em tristeza, por ter chegado a sua hora. Mas depois de ter dado à luz o menino, já não se lembra da aflição por causa da alegria de ter nascido um homem no mundo » (Jo 16, 21). As palavras de Cristo referem-se, na sua primeira parte, às « dores do parto » que pertencem a herança do pecado original; ao mesmo tempo, porém, indicam a ligação da maternidade da mulher com o mistério pascal. Neste mistério, de fato, está incluída também a dor da Mãe aos pés da Cruz — da Mãe que mediante a fé participa no mistério desconcertante do « despojamento » do próprio Filho. « Isso constitui, talvez, a mais profunda "kênose" da fé na história da humanidade ». (40)

Contemplando esta Mãe, cujo coração foi transpassado por uma espada (cf. Lc 2, 35), o pensamento volta-se a todas as mulheres que sofrem no mundo, que sofrem no sentido tanto físico como moral. Neste sofrimento, uma parte é devida à sensibilidade própria da mulher; mesmo que ela, com frequência, saiba resistir ao sofrimento mais do que o homem. É difícil enumerar estes sofrimentos, é difícil nomeá-los todos: podem ser recordados o desvelo maternal pelos filhos, especialmente quando estão doentes ou andam por maus caminhos, a morte das pessoas mais queridas, a solidão das mães esquecidas pelos filhos adultos ou a das viúvas, os sofrimentos das mulheres que lutam sozinhas pela sobrevivência e os das mulheres que sofreram uma injustiça ou são exploradas. Existem, enfim, os sofrimentos das consciências por causa do pecado, que atingiu a dignidade humana ou materna da mulher, as feridas das consciências que não cicatrizam facilmente. Também com estes sofrimentos é preciso pôr-se aos pés da Cruz de Cristo.

Mas as palavras do Evangelho sobre a mulher que sofre aflição, por chegar a sua hora de dar à luz o filho, logo depois exprimem a alegria: « a alegria de ter nascido um homem no mundo ». Também esta se refere ao mistério pascal, ou seja, àquela alegria que é comunicada aos apóstolos no dia da ressurreição de Cristo: « Da mesma maneira também vós estais agora na tristeza » (estas palavras foram pronunciadas no dia anterior ao da paixão); « mas eu voltarei a ver-vos; então o vosso coração alegrar-se-á e ninguém arrebatará a vossa alegria » (Jo 16, 22).

A virginidade pelo Reino

20. No ensinamento de Cristo, a maternidade anda ligada à virgindade, mas é também distinta dela. A esse respeito, permanece fundamental a frase dita por Jesus aos discípulos e inserida no colóquio sobre a indissolubilidade do matrimônio. Tendo ouvido a resposta dada aos fariseus, os discípulos dizem a Cristo: « Se tal é a condição do homem em relação à sua mulher, não convém casar-se » (Mt 19, 10). Independentemente do sentido que a expressão « não convém » tinha então na mente dos discípulos, Cristo parte da opinião errada que eles tinham, para os instruir sobre o valor do celibato: ele distingue o celibato como efeito de deficiências naturais, ainda que causadas pelo homem, do « celibato pelo reino dos céus ». Cristo diz: « E há outros que se fizeram eunucos por amor do reino dos céus » (Mt 19, 12). Trata-se, pois, de um celibato livre, escolhido por causa do reino dos céus, em consideração da vocação escatológica do homem à união com Deus. Depois ele acrescenta: « Quem for capaz de compreender, compreenda », e estas palavras retomam o que havia dito no início do discurso sobre o celibato (cf. Mt 19, 11). Portanto, o celibato por amor do Reino dos céus é fruto não só de uma escolha livre da parte do homem, mas também de uma graça especial da parte de Deus, que chama determinada pessoa para viver o celibato. Se este é um sinal especial do Reino de Deus que deve vir, ao mesmo tempo serve também para dedicar de modo exclusivo todas as energias da alma e do corpo, durante a vida temporal, ao reino escatológico.

As palavras de Jesus são a resposta à pergunta dos discípulos. Elas são dirigidas diretamente àqueles que faziam a pergunta: neste caso eram homens. Contudo, a resposta de Cristo, em si mesma, tem valor tanto para os homens como para as mulheres. Neste contexto, ela indica o ideal evangélico da virgindade, ideal que constitui uma clara « novidade » em relação à tradição do Antigo Testamento. Esta tradição certamente se ligava também, de algum modo, com a expectativa de Israel, e especialmente da mulher de Israel, pela vinda do Messias, que devia ser da « estirpe da mulher ». Efetivamente, o ideal do celibato e da virgindade para uma maior proximidade a Deus não era de todo alheio a certos ambientes judaicos, sobretudo nos tempos que precedem imediatamente a vinda de Jesus. Todavia, o celibato por causa do Reino, ou seja, a virgindade, é uma verdade inegável conexa com a Encarnação de Deus.

A partir do momento da vinda de Cristo, a espera do Povo de Deus deve voltar-se para o Reino escatológico que vem e no qual ele mesmo deve introduzir « o novo Israel ». Para uma tal reviravolta e mutação de valores é, de fato, indispensável uma nova consciência da fé. Cristo acentua isso duas vezes: « Quem for capaz de compreender, compreenda ». Compreendem-no somente « aqueles aos quais foi concedido » (Mt 19, 11). Maria é a primeira pessoa em quem se manifestou esta nova consciência, pois ela pede ao Anjo: « Como se realizará isso, pois eu não conheço homem? » (Lc 1, 34). Embora seja « noiva de um homem chamado José » (cf. Lc 1, 27), ela está firme no propósito da virgindade, e a maternidade que nela se realiza provém exclusivamente da « potência do Altíssimo », é fruto da vinda do Espírito Santo sobre ela (cf. Lc 1, 35). Esta maternidade divina, portanto, é a resposta totalmente imprevisível à expectativa humana da mulher em Israel: ela vem a Maria como dom do próprio Deus. Este dom tornou-se o início e o protótipo de uma nova expectativa de todos os homens, à medida da Aliança eterna, à medida da nova e definitiva promessa de Deus: sinal da esperança escatológica.

Apoiado no Evangelho desenvolveu-se e aprofundou-se o sentido da virgindade como vocação também para a mulher, vocação em que se confirma a sua dignidade à semelhança da Virgem de Nazaré. O Evangelho propõe o ideal da consagração da pessoa, que significa a sua dedicação exclusiva a Deus em virtude dos conselhos evangélicos, em particular os da castidade, pobreza e obediência. A encarnação perfeita dos mesmos é o próprio Jesus Cristo. Quem deseja segui-lo de modo radical escolhe pautar a sua vida segundo tais conselhos. Estes distinguem-se dos mandamentos e indicam ao cristão o caminho da radicalidade evangélica. Desde o início do cristianismo, tanto homens como mulheres avançam por este caminho, pois o ideal evangélico é dirigido ao ser humano, sem fazer diferença alguma de ordem sexual.

Neste contexto mais amplo é preciso considerar a virgindade como um caminho também para a mulher, um caminho pelo qual, diversamente do matrimônio, ela realiza a sua personalidade de mulher. Para compreender este caminho é preciso ainda uma vez recorrer à idéia fundamental da antropologia cristã. Na virgindade livremente escolhida, a mulher confirma-se como pessoa, isto é, como criatura que o Criador desde o início quis por si mesma, (41) e contemporaneamente realiza o valor pessoal da própria feminilidade, tornando-se « um dom sincero » para Deus que se revelou em Cristo, um dom para Cristo Redentor do homem e Esposo das almas: um dom « esponsal ». Não se pode compreender corretamente a virgindade, a consagração da mulher na virgindade, sem recorrer ao amor esponsal: é, de fato, num amor como esse que a pessoa se torna um dom para o outro. (42) De resto, de modo análogo deve ser entendida a consagração do homem no celibato sacerdotal ou no estado religioso.

A natural disposição esponsal da personalidade feminina encontra uma resposta na virgindade assim compreendida. A mulher, chamada desde o « princípio » a amar e a ser amada, encontra na vocação à virgindade, antes de tudo, Cristo como o Redentor que « amou até o fim » por um dom total de si mesmo, e ela responde a este dom por um « dom sincero » de toda a sua vida. Ela doa-se, pois, ao Esposo divino, e esta sua doação pessoal tende à união, que tem um caráter propriamente espiritual: mediante a ação do Espírito Santo torna-se « um só espírito » com Cristo-esposo (cf. 1 Cor 6, 17).

É este o ideal evangélico da virgindade, no qual se realizam de forma especial tanto a dignidade como a vocação da mulher. Na virgindade assim entendida exprime-se o assim chamado radicalismo do Evangelho: deixar tudo e seguir Cristo (cf. Mt 19, 27). Isso não pode ser comparado ao simples permanecer solteiros ou celibatários, porque a virgindade não se restringe ao simples « não », mas contém um profundo « sim » na ordem esponsal: o doar-se por amor de modo total e indiviso.

A maternidade segundo o espírito

21. A virgindade no sentido evangélico comporta a renúncia ao matrimônio e, por conseguinte, também à maternidade física. Todavia, a renúncia a este tipo de maternidade, que pode também comportar um grande sacrifício para o coração da mulher, abre para a experiência de uma maternidade de sentido diverso: a maternidade « segundo o espírito » (cf. Rm 8, 4). A virgindade, de fato, não priva a mulher das suas prerrogativas. A maternidade espiritual reveste-se de múltiplas formas. Na vida das mulheres consagradas que vivem, por exemplo, segundo o carisma e as regras dos diversos Institutos de caráter apostólico, ela poderá exprimir-se como solicitude pelos homens, especialmente pelos mais necessitados: os doentes, os deficientes físicos, os abandonados, os órfãos, os idosos, as crianças, a juventude, os encarcerados, e, em geral, os marginalizados. Uma mulher consagrada reencontra desse modo o Esposo, diverso e único em todos e em cada um, de acordo com as suas próprias palavras: « tudo o que fizestes a um destes ... a mim o fizestes » (Mt 25, 40).O amor esponsal comporta sempre uma singular disponibilidade para ser efundido sobre quantos se encontram no raio da sua ação. No matrimônio, esta disponibilidade, embora aberta a todos, consiste particularmente no amor que os pais dedicam aos filhos. Na virgindade, tal disponibilidade está aberta a todos os homens, abraçados pelo amor de Cristo esposo.

Em relação a Cristo, que é o Redentor de todos e de cada um, o amor esponsal, cujo potencial materno se esconde no coração da mulher, esposa virginal, está também disposto a abrir-se para todos e cada um. Isso se verifica nas Comunidades religiosas de vida apostólica e diversamente naquelas de vida contemplativa ou de clausura. Existem, além disso, outras formas de vocação para a virgindade por causa do Reino, como, par exemplo, os Institutos Seculares, ou as Comunidades de consagrados que florescem dentro de Movimentos, Grupos e Associações: em todas estas realidades, a mesma verdade sobre a maternidade espiritual das pessoas que vivem na virgindade encontra uma multiforme confirmação. Em todo o caso, trata-se não somente de formas comunitárias, mas também de formas extra-comunitárias. Em definitivo, a virgindade, como vocação da mulher, é sempre a vocação de uma pessoa, de uma pessoa concreta e única. Portanto, é também profundamente pessoal a maternidade espiritual que se faz sentir nesta vocação.

Baseado nisto se verifica também uma aproximação específica entre a virgindade da mulher não casada e a maternidade da mulher casada. Tal aproximação vai não só da maternidade para a virgindade, como se acentuou acima, mas vai também da virgindade para o matrimônio, entendido como forma de vocação da mulher, em que esta se torna mãe dos filhos nascidos do seu ventre. O ponto de partida desta segunda analogia é o significado das núpcias. Com efeito, a mulher é « casada » quer pelo sacramento do matrimônio, quer espiritualmente pelas núpcias com Cristo. Num e outro caso as núpcias indicam o « dom sincero da pessoa » da esposa ao esposo. Deste modo — pode-se dizer — o perfil do matrimônio encontra-se espiritualmente na virgindade. E se se tratar de maternidade física, não deverá, porventura, também ela ser uma maternidade espiritual para responder à verdade global do homem que é uma unidade de corpo e de espírito? Existem, por conseguinte, muitas razões para ver nestes dois caminhos diversos — duas vocações diversas de vida da mulher — uma profunda complementaridade e até uma profunda união no interior do ser da pessoa.

« Filhinhos meus por quem sofro novamente as dores do parto »

22. O Evangelho revela e permite compreender precisamente este modo de ser da pessoa humana. O Evangelho ajuda toda mulher e todo homem a vivê-lo e assim a realizar-se. Existe, de fato, uma total igualdade em relação aos dons do Espírito Santo, em relação às « grandes obras de Deus » (At 2, 11). Não só isso. Precisamente diante das « grandes obras de Deus », o apóstolo-homem sente necessidade de recorrer àquilo que é por essência feminino, a fim de exprimir a verdade sobre o próprio serviço apostólico. Exatamente assim age Paulo de Tarso, quando se dirige aos Gálatas com as palavras: « Filhinhos meus por quem sofro novamente as dores do parto » (Gál 4, 19). Na primeira Carta aos Coríntios (7, 38) o apóstolo anuncia a superioridade da virgindade sobre o matrimônio, doutrina constante da Igreja no espírito das palavras de Cristo, relatadas no Evangelho de Mateus (19, 10-12), sem ofuscar absolutamente a importância da maternidade física e espiritual. Para ilustrar a missão fundamental da Igreja, ele não encontra outra coisa melhor do que se referir à maternidade.

Encontramos um reflexo da mesma analogia — e da mesma verdade — na Constituição dogmática sobre a Igreja. Maria é a « figura » da Igreja: (43) «Com efeito, no mistério da Igreja — pois também a Igreja é com razão chamada mãe e virgem — Maria precedeu, apresentando-se de modo eminente e singular, como modelo de virgem e de mãe... Deu à luz o Filho, a quem Deus constituiu primogênito entre muitos irmãos (cf. Rom 8, 29) isto é, entre os fiéis, para cuja regeneração e formação ela coopera com amor de mãe ». (44) « Por certo, a Igreja, contemplando-lhe a arcana santidade, imitando-lhe a caridade e cumprindo fielmente a vontade do Pai, mediante a palavra de Deus recebida na fé, torna-se também ela mãe, pois pela pregação e pelo batismo ela gera para a vida nova e imortal os filhos concebidos do Espírito Santo e nascidos de Deus ». (45) Trata-se aqui da maternidade «segundo o espírito » a respeito dos filhos e filhas do gênero humano. Tal maternidade — como foi dito — torna-se a « parte » da mulher também na virgindade. A Igreja « também é virgem que íntegra e puramente guarda a fé prometida ao Esposo ». (46) Isto se realiza em Maria da maneira mais perfeita. A Igreja, pois, « imitando a Mãe do seu Senhor, pela virtude do Espírito Santo, conserva virginalmente uma fé íntegra, uma sólida esperança e uma sincera caridade ». (47)

O Concílio confirmou que se não se recorre à Mãe de Deus, não é possível compreender o mistério da Igreja, a sua realidade, a sua vitalidade essencial. Indiretamente encontramos aqui a referência ao paradigma bíblico da « mulher », delineado claramente já na descrição do « princípio » (cf. Gên 3, 15), e ao longo do percurso que vai da criação, passando pelo pecado, até chegar à redenção. Deste modo se confirma a união profunda entre o que é humano e o que constitui a economia divina da salvação na história do homem. A Bíblia convence-nos do fato de que não se pode ter uma adequada hermenêutica do homem, ou seja, daquilo que é « humano », sem um recurso adequado àquilo que é « feminino ». Analogamente acontece na economia salvífica de Deus: se queremos compreendê-la plenamente em relação a toda a história do homem, não podemos deixar de lado, na ótica de nossa fé, o mistério da « mulher »: virgem-mãe-esposa.