A g n u s D e i

MULIERIS DIGNITATEM
João Paulo II
15.08.1988

IV
EVA - MARIA

O « princípio » e o pecado

9. « Constituído por Deus em estado de justiça, o homem, porém, tentado pelo Maligno, desde o início da história abusou de sua liberdade. Levanta-se contra Deus desejando atingir o seu fim fora dele ». (28) Com estas palavras, o ensinamento do último Concílio recorda a doutrina revelada sobre o pecado e, em particular, sobre o primeiro pecado que é o pecado original. O « princípio » bíblico — a criação do mundo e do homem no mundo — contém, ao mesmo tempo, a verdade sobre este pecado, que pode ser chamado também o pecado do « princípio » do homem sobre a terra. Embora o que está escrito no Livro do Gênesis venha expresso em forma de narração simbólica, como no caso da descrição da criação do homem como homem e mulher (cf. Gên 2, 18-25), mesmo assim revela aquilo a que é preciso chamar « o mistério do pecado » e, mais plenamente ainda, « o mistério do mal » existente no mundo criado por Deus.

Não é possível ler « o mistério do pecado » sem fazer referência a toda a verdade sobre a « imagem e semelhança » com Deus, que está na base da antropologia bíblica. Esta verdade apresenta a criação do homem como uma doação especial por parte do Criador, na qual estão contidos não só o fundamento e a fonte da dignidade essencial do ser humano — homem e mulher — no mundo criado, mas também o início do chamamento dos dois a participarem da vida íntima do próprio Deus. A luz da Revelação, criação significa ao mesmo tempo início da história da salvação. Exatamente neste inicio o pecado se inscreve e se configura como contraste e negação.

Pode-se dizer paradoxalmente que o pecado, apresentado em Gênesis (c. 3), é a confirmação da verdade sobre a imagem e semelhança de Deus no homem, se esta verdade significa a liberdade, isto é, o livre arbítrio, com o uso da qual o homem pode escolher o bem, mas pode também abusar escolhendo, contra a vontade de Deus, o mal. No seu significado essencial, todavia, o pecado é a negação daquilo que Deus é—como Criador—em relação ao homem, e daquilo que Deus quer, desde o início e para sempre, para o homem. Criando o homem e a mulher à sua imagem e semelhança, Deus quer para eles a plenitude do bem, ou seja a felicidade sobrenatural, que deriva da participação na sua própria vida. Cometendo o pecado, o homem rejeita este dom e, ao mesmo tempo, quer tornar-se « como Deus, conhecendo o bem e o mal » (Gên 3, 5), isto é, decidindo do bem e do mal independentemente de Deus, seu Criador. O pecado das origens tem a sua « medida » humana, a sua dimensão interior na vontade livre do homem e juntamente traz em si uma certa característica « diabólica », (29) como é claramente posto em relevo no Livro do Gênesis (3, 1-5). O pecado opera a ruptura da unidade originária, da qual o homem gozava no estado de justiça original: a união com Deus como fonte da unidade no interior do próprio « eu », na relação recíproca do homem e da mulher (« communio personarum ») e, enfim, face ao mundo exterior e à natureza.

A descrição bíblica do pecado original em Gênesis (c. 3) de certo modo « distribui os papéis » que nele desempenharam a mulher e o homem. A isto farão referência ainda mais tarde algumas passagens da Bíblia, como, por exemplo, a Carta de São Paulo a Timóteo: « Adão foi formado primeiro e depois Eva. E não foi Adão o seduzido; mas a mulher ». (1 Tim 2, 13-14). Não há dúvida, porém, que, independentemente desta « distribuição das partes » na descrição bíblica, esse primeiro pecado é o pecado do homem, criado por Deus homem e mulher. Esse é também o pecado dos « primeiros pais », ao qual se prende o seu caráter hereditário. Neste sentido chamamo-lo « pecado original ».

Esse pecado, como já foi dito, não pode ser entendido adequadamente se não se referir ao mistério da criação do ser humano — homem e mulher — à imagem e semelhança de Deus. Através dessa referência se pode entender também o mistério da « não-semelhança » com Deus, na qual consiste o pecado, e que se manifesta no mal presente na história do mundo; da « não-semelhança » com Deus, o único que é bom (cf. Mt 19, 17) e que é a plenitude do bem. Se esta « não-semelhança » do pecado com Deus, a própria Santidade, pressupõe a « semelhança » no campo da liberdade, do livre arbítrio, pode-se dizer então que, precisamente por esta razão, a « não-semelhança » contida no pecado é tanto mais dramática e tanto mais dolorosa. É preciso também admitir que Deus, como Criador e Pai, é aqui atingido, « ofendido » e, obviamente, ofendido no coração mesmo da doação que faz parte do desígnio eterno de Deus sobre o homem.

Ao mesmo tempo, porém, também o ser humano — homem e mulher — é atingido pelo mal do pecado, do qual é autor. O texto bíblico de Gênesis (c. 3) mostra-o com as palavras que descrevem claramente a nova situação do homem no mundo criado. Ele mostra a perspectiva da « fadiga » com que o homem há de procurar os meios para viver (cf. Gên 3, 17-19), bem como a das grandes « dores » em meio às quais a mulher dará à luz seus filhos (cf. Gên 3, 16). Tudo isto, depois, é marcado pela necessidade da morte, que constitui o termo da vida humana sobre a terra. Deste modo o homem, como pó, « voltará à terra, porque dela foi tirado »: « porque és pó, e em pó te hás de tornar » (cf. Gên 3, 19).

Estas palavras confirmam-se de geração em geração. Elas não significam que a imagem e a semelhança de Deus no ser humano, quer mulher quer homem, foi destruída pelo pecado; significam, ao invés, que foi « ofuscada » (30) e, em certo sentido, « diminuída ». Na verdade, o pecado « diminui » o homem, como recorda também o Concílio Vaticano II. (31) Se o homem, já pela sua própria natureza de pessoa, é imagem e semelhança de Deus, então a sua grandeza e dignidade se realizam na aliança com Deus, na união com ele, no fato de procurar a unidade fundamental que pertence à « lógica » interior do mistério próprio da criação. Essa unidade corresponde à verdade profunda de todas as criaturas dotadas de inteligência e, em particular, do homem, o qual, entre as criaturas do mundo visível, desde o início foi elevado, mediante a eleição eterna por parte de Deus em Jesus: « Em Cristo ... ele nos elegeu antes da criação do mundo... Por puro amor ele nos predestinou a sermos por ele adotados por filhos, por intermédio de Jesus.

Cristo, segundo o beneplácito da sua vontade (cf. Ef 1,4-6). O ensinamento bíblico, no seu conjunto, consente-nos dizer que a predestinação diz respeito a todas as pessoas humanas, a homens e mulheres, a cada um e cada uma, sem exceção.

« Ele te dominará »

10. A descrição bíblica do Livro do Gênesis delineia a verdade sobre as consequências do pecado do homem, como indica também a perturbação da relação original entre o homem e a mulher que corresponde à dignidade pessoal de cada um deles. O ser humano, tanto homem como mulher, é uma pessoa e, por conseguinte, « a única criatura na terra que Deus quis por si mesma »; e, ao mesmo tempo, precisamente esta criatura única e irrepetível « não pode se encontrar plenamente senão por um dom sincero de si mesma ». (32) Daqui se origina a relação de « comunhão », na qual se exprimem a « unidade dos dois » e a dignidade pessoal tanto do homem como da mulher. Quando lemos, pois, na descrição bíblica, as palavras dirigidas à mulher: « sentir-te-ás atraída para o teu marido, e ele te dominará » (Gên 3, 16), descobrimos uma ruptura e uma constante ameaça precisamente a respeito desta « unidade dos dois », que corresponde à dignidade da imagem e da semelhança de Deus em ambos. Tal ameaça resulta, porém, mais grave para a mulher. Com efeito, ao ser um dom sincero, e por isso ao viver « para » o outro, sucede o domínio: « ele te dominará ». Este « domínio » indica a perturbação e a perda da estabilidade da igualdade fundamental, que na « unidade dos dois » possuem o homem e a mulher: e isto vem sobretudo em desfavor da mulher, porquanto somente a igualdade, resultante da dignidade de ambos como pessoas, pode dar às relações recíprocas o caráter de uma autêntica « communio personarum » (comunhão de pessoas). Se a violação desta igualdade, que é conjuntamente dom e direito que derivam do próprio Deus Criador, comporta um elemento em desfavor da mulher, ao mesmo tempo tal violação diminui também a verdadeira dignidade do homem. Tocamos aqui um ponto extremamente sensível na dimensão do « ethos » inscrito originariamente pelo Criador, já no fato mesmo da criação de ambos à sua imagem e semelhança.

Esta afirmação de Gênesis 3, 16 tem um grande e significativo alcance. Ela implica uma referência à relação recíproca entre o homem e a mulher no matrimônio. Trata-se do desejo nascido no clima do amor esponsal, que faz com que « o dom sincero de si mesmo » da parte da mulher encontre resposta e complemento num « dom » análogo da parte do marido. Somente apoiados neste princípio podem os dois, e em particular a mulher, « encontrar-se » como verdadeira « unidade dos dois » segundo a dignidade da pessoa. A união matrimonial exige o respeito e o aperfeiçoamento da verdadeira subjetividade pessoal dos dois. A mulher não pode tornar-se « objeto » de « domínio » e de « posse » do homem. Mas as palavras do texto bíblico referem-se diretamente ao pecado original e às suas consequências duradouras no homem e na mulher. Onerados pela pecaminosidade hereditária, carregam em si a constante « causa do pecado », ou seja a tendência a ferir a ordem moral, que corresponde à própria natureza racional e à dignidade do ser humano como pessoa. Esta tendência exprime-se na tríplice concupiscência, que o texto apostólico precisa como concupiscência dos olhos, concupiscência da carne e fausto da vida (cf. 1 Jo 2, 16). As palavras do Gênesis, acima citadas (3, 16), indicam de que modo esta tríplice concupiscência, como « causa do pecado », pesará sobre a relação recíproca entre homem e mulher.

Essas mesmas palavras se referem diretamente ao matrimônio, mas indiretamente abrangem os diversos campos da convivência social: as situações em que a mulher permanece em desvantagem ou é discriminada pelo fato de ser mulher. A verdade revelada sobre a criação do homem como homem e mulher constitui o principal argumento contra todas as situações que, sendo objetivamente prejudiciais, isto é injustas, contêm e exprimem a herança do pecado que todos os seres humanos trazem em si. Os Livros da Sagrada Escritura confirmam em vários pontos a existência efetiva de tais situações e juntamente proclamam a necessidade de converter-se, isto é, de purificar-se do mal e de libertar-se do pecado: de tudo aquilo que ofende o outro, que « diminui » o homem, não só aquele a quem se ofende, mas também aquele que comete a ofensa. Essa é a mensagem imutável da Palavra revelada de Deus. Nisso se exprime o « ethos » bíblico até o fim. (33)

Nos nossos dias a questão dos « direitos da mulher » tem adquirido um novo significado no amplo contexto dos direitos da pessoa humana. Iluminando este programa, constantemente declarado e de várias maneiras recordado, a mensagem bíblica e evangélica guarda a verdade sobre a « unidade » dos « dois », isto é, sobre a dignidade e a vocação que resultam da diversidade específica e originalidade pessoal do homem e da mulher. Por isso, também a justa oposição da mulher face àquilo que exprimem as palavras bíblicas: « ele te dominará » (Gên 3, 16) não pode sob pretexto algum conduzir à « masculinização » das mulheres. A mulher—em nome da libertação do « domínio » do homem—não pode tender à apropriação das características masculinas, contra a sua própria « originalidade » feminina. Existe o temor fundado de que por este caminho a mulher não se « realizará », mas poderia, ao invés, deformar e perder aquilo que constitui a sua riqueza essencial. Trata-se de uma riqueza imensa. Na descrição bíblica, a exclamação do primeiro homem à vista da mulher criada é uma exclamação de admiração e de encanto, que atravessa toda a história do homem sobre a terra.

Os recursos pessoais da feminilidade certamente não são menores que os recursos da masculinidade, mas são diversos. A mulher, portanto, — como, de resto, também o homem — deve entender a sua « realização » como pessoa, a sua dignidade e vocação, em função destes recursos, segundo a riqueza da feminilidade, que ela recebeu no dia da criação e que herda como expressão, que lhe é peculiar, da « imagem e semelhança de Deus ». Somente por este caminho pode ser superada também aquela herança do pecado que é sugerida nas palavras da Bíblia: « sentir-te-ás atraída para o teu marido, e ele te dominará ». A superação desta má herança é, de geração em geração, dever de todo homem, seja homem, seja mulher. Efetivamente, em todos os casos em que o homem é responsável de quanto ofende a dignidade pessoal e a vocação da mulher, ele age contra a própria dignidade pessoal e a própria vocação.

Proto-Evangelho

11. O Livro do Gênesis atesta o pecado, que é o mal do « princípio » do homem, as suas consequências que desde então pesam sobre todo o gênero humano, e juntamente contém o primeiro anúncio da vitória sobre o mal, sobre o pecado. Provam-no as palavras que lemos em Gênesis 3, 15, habitualmente ditas « Proto-Evangelho »: « Porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua descendência e a dela; esta te esmagará a cabeça enquanto tu te lanças contra o seu calcanhar ». É significativo que o anúncio do redentor, do salvador do mundo, contido nestas palavras, se refira à « mulher ». Esta é nomeada em primeiro lugar no Proto-Evangelho como progenitora daquele que será o redentor do homem. (34) E se a redenção deve realizar-se mediante a luta contra o mal, por meio da « inimizade » entre a estirpe da mulher e a estirpe daquele que, como « pai da mentira » (Jo 8, 44), é o primeiro autor do pecado na história do homem, esta será também a inimizade entre ele e a mulher.

Nessas palavras desvela-se a perspectiva de toda a Revelação, primeiro como preparação ao Evangelho e depois como próprio Evangelho. Nesta perspectiva convergem, sob o nome da mulher, as duas figuras femininas: Eva e Maria.

As palavras do Proto-Evangelho, relidas à luz do Novo Testamento, exprimem adequadamente a missão da mulher na luta salvífica do redentor contra o autor do mal na história do homem.

O confronto Eva-Maria retorna constantemente no curso da reflexão sobre o depósito da fé recebida da Revelação divina, e é um dos temas retomados frequentemente pelos Padres, pelos escritores eclesiásticos e pelos teólogos. (35) Habitualmente, nesta comparação surge à primeira vista uma diferença, uma contraposição. Eva, como « mãe de todos os viventes » (Gên 3, 20), é testemunha do « princípio » bíblico, no qual estão contidas a verdade sobre a criação do homem à imagem e semelhança de Deus e a verdade sobre o pecado original. Maria é testemunha do novo « princípio » e da « nova criatura » (cf. 2 Cor 5, 17). Melhor, ela mesma, como a primeira redimida na história da salvação, é « nova criatura »: é a « cheia de graça ». É difícil compreender porque as palavras do Proto-Evangelho realcem tão fortemente a « mulher », se não se admite que com ela se inicia a nova e definitiva Aliança de Deus com a humanidade, a Aliança no sangue redentor de Cristo. Essa Aliança inicia-se com uma mulher, a « mulher », na Anunciação em Nazaré. Esta é a novidade absoluta do Evangelho: outras vezes no Antigo Testamento, Deus, para intervir na história do seu Povo, se tinha dirigido a mulheres, como a mãe de Samuel e de Sansão; mas para estipular a sua Aliança com a humanidade se tinha dirigido somente a homens: Noé, Abraão, Moisés. No início da Nova Aliança, que deve ser eterna e irrevogável, está a mulher: a Virgem de Nazaré. Trata-se de um sinal indicativo de que « em Jesus Cristo » « não há homem nem mulher » (Gál 3, 28). Nele a contraposição recíproca entre homem e mulher — como herança do pecado original — é essencialmente superada. « Todos vós sois um só em Cristo Jesus », escreverá o Apóstolo (Gál 3, 28).

Estas palavras tratam da originária « unidade dos dois », que está ligada à criação do homem, como homem e mulher, à imagem e semelhança de Deus, segundo o modelo da comunhão perfeitíssima de Pessoas que é o próprio Deus. As palavras paulinas constatam que o mistério da redenção do homem em Jesus Cristo, filho de Maria, retoma e renova aquilo que no mistério da criação correspondia ao desígnio eterno de Deus Criador. Precisamente por isso, no dia da criação do homem como homem e mulher, « Deus contemplou tudo o que tinha feito, e eis que estava tudo muito bem » (Gen 1, 31). A redenção restitui, em certo sentido, à sua própria raiz o bem que foi essencialmente « diminuído » pelo pecado e pela sua herança na história do homem.

A « mulher » do Proto-Evangelho é inserida na perspectiva da redenção. O confronto Eva-Maria pode ser entendido também no sentido de que Maria assume em si mesma e abraça o mistério da « mulher », cujo início é Eva, « a mãe de todos os viventes » (Gên 3, 20): antes de tudo o assume e abraça no interior do mistério de Cristo — « novo e último Adão » (cf. 1 Cor 15, 45) — o qual assumiu na sua pessoa a natureza do primeiro Adão. A essência da Nova Aliança consiste no fato de que o Filho de Deus, consubstancial ao Pai eterno, se torna homem: acolhe a humanidade na unidade da Pessoa divina do Verbo. Aquele que opera a Redenção é, ao mesmo tempo, verdadeiro homem. O mistério da Redenção do mundo pressupõe que Deus-Filho tenha assumido a humanidade como herança de Adão, tornando-se semelhante a ele e a todo homem em tudo, « com exceção do pecado » (Hebr 4, 15). Deste modo, ele « manifesta plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre a sua altíssima vocação », como ensina o Concílio Vaticano II. (36) Em certo sentido, ajudou-o a redescobrir « quem é o homem » (cf. Sl 8, 5).

Em todas as gerações, na tradição da fé e da reflexão cristã sobre a mesma, a aproximação Adão-Cristo é frequentemente acompanhada da de Eva-Maria. Se Maria é descrita também como « nova Eva », quais podem ser os significados desta analogia? Certamente são múltiplos. É preciso deter-se particularmente no significado que vê em Maria a revelação plena de tudo o que é compreendido na palavra bíblica « mulher »: uma revelação proporcional ao mistério da Redenção. Maria significa, em certo sentido, ultrapassar o limite de que fala o Livro do Gênesis (3, 16) e retornar ao « princípio » no qual se encontra a « mulher » tal como foi querida na criação, portanto no pensamento eterno de Deus, no seio da Santíssima Trindade. Maria é o « novo princípio » da dignidade e da vocação da mulher, de todas e de cada uma das mulheres. (37)

Para compreender isto podem servir de chave, de modo particular, as palavras postas pelo evangelista nos lábios de Maria depois da Anunciação, durante a sua visita a Isabel: « grandes coisas fez em mim o Todo-poderoso » (Lc 1, 49). Estas se referem certamente à concepção do Filho, que é « Filho do Altíssimo » (Lc 1, 32), o « santo » de Deus; conjuntamente, porém, elas podem significar também a descoberta da própria humanidade feminina. « Grandes coisas fez em mim »: esta é a descoberta de toda a riqueza, de todos os recursos pessoais da feminilidade, de toda a eterna originalidade da « mulher », assim como Deus a quis, pessoa por si mesma, e que se encontra contemporaneamente « por um dom sincero de Si mesma ».

Esta descoberta relaciona-se com a clara consciência do dom, da dádiva oferecida por Deus. O pecado já no « princípio » tinha ofuscado esta consciência, em certo sentido a tinha sufocado, como indicam as palavras da primeira tentação por obra do « pai da mentira » (cf. Gen 3, 1-5). Com a chegada da « plenitude dos tempos » (cf. Gál 4, 4), ao começar a cumprir-se na história da humanidade o mistério da redenção, esta consciência irrompe com toda a sua força nas palavras da « mulher » bíblica de Nazaré. Em Maria, Eva redescobre qual é a verdadeira dignidade da mulher, da humanidade feminina. Esta descoberta deve chegar continuamente ao coração de cada mulher e plasmar a sua vocação e a sua vida.