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Bispos da América Latina
CONCLUSÕES DE MEDELLIN

V. JUVENTUDE

1. Situação da juventude

  1. A juventude, tema «digno do máximo interesse e de grandíssima atualidade»l, constitui hoje não somente o grupo mais numeroso da sociedade latino-americana, como também uma grande força nova de pressão. Ela se apresenta, em grande parte do continente, como um novo corpo social (com perigo de detrimento na relação com os outros corpos sociais) , portador de idéias próprias e valores inerentes ao seu próprio dinamismo interno. Procura participar ativamente, assumindo novas responsabilidades e funções, dentro da comunidade latino-americana.

    Freqüentemente, sua impossibilidade de participação na vida da sociedade, provoca na juventude uma certa marginalidade forçada.

  2. Vive numa época de crises e mudanças que são causas de conflito entre as diversas gerações. Conflitos que estão exigindo um sincero esforço de compreensão e diálogo, tanto da parte dos jovens como da parte dos adultos. Trata-se de uma crise que atinge todos os níveis, e ao mesmo tempo que produz um efeito purificador, traz também freqüentemente, a negação dos grandes valores.

  3. Enquanto um setor da juventude aceita passivamente as formas burguesas da sociedade (deixando-se levar, às vezes, pelo indiferentismo religioso) , outro rejeita com marcado radicalismo o mundo que seus pais construíram, por considerar seu estilo de vida carente de autenticidade; rejeita igualmente uma sociedade de consumo que massifica e desumaniza o homem. Esta insatisfação cresce de momento a momento.

    A juventude, particularmente sensível aos problemas sociais, reclama as mudanças profundas e rápidas que assegurem uma sociedade mais justa: exigência que, constantemente, sente tentação de expressar por meio da violência3. É um fato constatável que o excessivo idealismo dos jovens os coloca facilmente sob a ação de grupos de diversas tendências extremistas.

  4. Os jovens são mais sensíveis do que os adultos aos valores positivos do processo de secularização. Esforçam-se por construir um mundo mais comunitário, que vislumbram, talvez, com mais clareza do que os antepassados. Estão mais abertos a uma sociedade pluralista e a uma dimensão mais universal da fraternidade.

    A atitude religiosa da juventude se caracteriza por recusar uma imagem desfigurada de Deus, que, às vezes, lhe tem sido apresentada, e pela busca de autênticos valores evangélicos.

  5. Freqüentemente os jovens identificam a Igreja com os bispos e os sacerdotes. Por não terem sido chamados a uma plena participação na comunidade eclesial, não se consideram como integrantes da Igreja. A linguagem comum da transmissão da palavra (pregação, documentos pastorais etc.), são-lhes muitas vezes estranhos e por isso não têm influência em suas vidas. Esperam dos pastores que não somente divulguem princípios doutrinais, mas que os provem com atitudes e realizações concretas. Dá-se o caso de jovens que condicionam a aceitação dos pastores à coerência de suas atitudes com a dimensão social do Evangelho : ( « . . . o mundo, disse Paulo VI, nos observa hoje de modo particular com relação à pobreza e à simplicidade de vida...»).

  6. A tendência a reunir-se em grupos ou comunidades juvenis, mostra-se cada vez mais forte dentro da dinâmica dos movimentos de juventude na América Latina. Os jovens rejeitam as organizações demasiado institucionalizadas, as estruturas rígidas e as formas de agrupamentos massificados. As comunidades juvenis acima referidas se caracterizam, geralmente, por serem grupos naturais (com «dimensão humana») de reflexão evangélica e revisão de vida, em torno de um compromisso cristão ambiental.

  7. Sem desconhecer o significado das ações de massa entre os jovens, o excessivo valor que a hierarquia atribui por vezes a seus resultados (resultados que muitas vezes é de importância numérica), dificulta a tarefa daqueles movimentos educativos e apostólicos que se esforçam por manter uma presença de fermento e irradiação.

  8. Os movimentos juvenis esperam da hierarquia da Igreja um maior apoio moral, quando se comprometem na aplicação concreta dos princípios da doutrina social enunciada pelos pastores.

  9. Em síntese: a juventude oferece inegavelmente um conjunto de valores, acompanhados, entretanto, de aspectos negativos. Mencionemos em primeiro lugar, uma tendência à personalização, consciência de si mesmo, criatividade, que por contraste os leva a rejeitar os valores da tradição. Possuem um idealismo excessivo que os leva a desconhecer realidades inegáveis que terão de ser aceitas, e adotam um inconformismo radical, cujas manifestações características ocorrem em quase todos os países que os impulsionam a pretender construir um mundo novo com negação absoluta do passado. Também é característica da juventude a espontaneidade que a leva a menosprezar nem sempre com razão as formas institucionais, as normas, a autoridade e o formalismo.

    Finalmente apresenta um conjunto de valores no plano da relação comunitária: certas formas de responsabilidade, desejo de autenticidade e de sinceridade, uma aceitação dos outros tais como são e um franco reconhecimento do caráter pluralista da sociedade. Esta tendência comunitária, por sua vez, os faz correr o perigo de fecharem-se em pequenos grupos agressivos.

2. Critérios básicos para orientação pastoral

Antes de passar a considerar as atitudes concretas que se deverão adotar com relação à juventude, será oportuno esboçar a visão geral que a Igreja tem dela.

A Igreja vê na juventude a constante renovação da vida da humanidade e descobre nela um sinal de si mesma: «a Igreja é a verdadeira juventude do mundo»:

  1. Vê, portanto, na juventude o contínuo recomeço e a persistência da vida, ou seja, uma forma de superação da juventude. Isto não tem somente um sentido biológico mas também sócio-cultural, psicológico e espiritual. De fato, diante das culturas que mostram sinais de velhice e caducidade, a juventude está sendo chamada a levar uma revitalizado; a manter a «fé na vida»s a conservar sua «faculdade de alegrar-se com as coisas que começam»s Ela tem a tarefa de reintroduzir constantemente o «sentido da vida»s. Renovar as culturas e o espírito significa trazer e manter vivos novos sentidos da vida.

  2. Na juventude, assim entendida, a Igreja descobre também um sinal de si mesma. Um sinal de sua fé, pois fé é a interpretação escatológica da existência, seu sentido pascal, e através dele, a «novidade que o Evangelho encerrado. A fé, anúncio do novo sentido das coisas, é a renovação e rejuvenescimento da humanidade. Nesta perspectiva a Igreja convida os jovens a "mergulhar nas luzes da fé" se deste modo introduzir a fé no mundo para vencer as formas espirituais da morte, quer dizer, «as filosofias do egoísmo, do prazer, do desespero e do nada". Filosofias que implantam na cultura formas velhas e caducas.

A juventude é um símbolo da Igreja, chamada a uma constante renovação de si mesma, ou seja, a um constante «rejuvenescimento».

3. Recomendações pastorais

  1. A Igreja, adotando uma atitude francamente acolhedora para com a juventude, saberá distinguir os aspectos positivos e negativos que ela apresenta na atualidade. Por um lado, quer perscrutar atentamente as atitudes dos jovens que são manifestações dos sinais dos tempos: a juventude anuncia valores que renovam as diversas épocas da história; quer aceitar com prazer em seu seio e em suas estruturas a juventude e promovê-la numa ativa participação das tarefas humanas e espirituais.

    Por outro lado, coerente com a ânsia de sinceridade que demonstra a juventude, a Igreja terá de chamá-1a a um constante aprofundamento de sua autenticidade e a uma autocrítica de suas próprias deficiências, apresentando-lhe então os valores permanentes para que sejam reconhecidos por ela. Tudo isto demonstra a sincera vontade da Igreja de adotar uma atitude de diálogo com a juventude. Dentro desta linha pastoral a II Conferência do Episcopado Latino-americano, reconhecendo na juventude não somente sua força numérica, mas ainda seu papel cada vez mais decisivo no processo de transformação do continente, bem como sua importância insubstituível na missão profética da Igreja, formula as seguintes recomendações:

    1) Com relação à juventude em geral

    1. Desenvolver, em todos os níveis, nos setores urbanos e rurais, dentro da pastoral de conjunto, uma autêntica pastoral da juventude. Esta pastoral haverá de tender à educação da fé dos jovens, partindo de sua vida, de modo que eles participem plenamente da comunidade eclesial, assumindo consciente e cristãmente seu compromisso temporal. Esta pastoral implica:
      • A necessidade de elaboração de uma pedagogia orgânica da juventude através da qual se estimule no jovem uma sólida formação humana e cristã e se apoiem os esforços em adquirir uma autêntica personalidade. Personalidade que os capacite, por uma parte, assimilar com critério lúcido e verdadeira liberdade todos os elementos positivos das influências que recebem através dos diversos meios de comunicação social e lhes permita, por outra parte, fazer frente ao processo de despersonalizado e massificação, que ataca de modo particular a juventude. Pedagogia que eduque também no sentido (valor e relatividade) do institucional.
      • A necessidade de um conhecimento da realidade sócio-religiosa da juventude constantemente atualizado.
      • A necessidade de promover centros de investigação e estudos no que se refere à participação da juventude na solução dos problemas do desenvolvimento.
      • Esta pastoral exige, em particular, da parte dos ministros da Igreja, um diálogo sincero e permanente com a juventude, tanto de movimentos organizados, como de setores não organizados, através dos conselhos pastorais ou outras formas de diálogo.

    2. A atitude de diálogo implica responder aos legítimos e veementes reclamos pastorais da juventude, nos quais se há de reconhecer um chamado de Deus. Por isso, esta Segunda Conferência recomenda:

      • Que se apresente cada vez mais nítido na América Latina o rosto da Igreja autenticamente pobre, missionária e pascal, desligada de todo poder temporal e corajosamente comprometida com a libertação do homem todo e de todos os homens.
      • Que a pregação, dos documentos pastorais, e em geral a linguagem da Igreja sejam simples e atuais, tendo em conta a vida real dos homens de nosso tempo.
      • Que se viva na Igreja, em todos os níveis, com caráter de serviço, um sentido de autoridade isento de autoritarismo.

    3. Procurar que em todos os centros educacionais da Igreja e nos outros, onde ela deve realizar sua presença se capacite os jovens, através de uma autêntica orientação vocacional, que tenha em conta os diferentes estados de vida, para assumirem sua responsabilidade social como cristãos no processo de mudanças na América Latina.

    2) Com relação aos movimentos juvenis

    1. Que se tenha muito em conta a importância das organizações e movimentos católicos de juventude, em particular os de caráter nacional e continental.

      Que se dê maior confiança aos dirigentes leigos e se reconheça a autonomia própria dos seus movimentos. Que sejam eles consultados na elaboração da pastoral juvenil, em nível diocesano, nacional e continental. Que se estimule sua ação evangelizadora na transformação das pessoas e das estruturas.

      Que se apoiem seus esforços no sentido da formação de líderes da comunidade.

      Que se distribua mais racionalmente os sacerdotes para que haja uma maior atenção para os movimentos juvenis.

      Que se dê à formação de assessores da juventude (sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos) a importância que têm num continente com uma maioria de jovens em sua população.

    2. Que se favoreça em todos os níveis o encontro, o intercâmbio e a ação em comum dos movimentos e organizações juvenis católicos com outras instituições de juventude.

    3. Que se dê apoio às iniciativas de caráter ecumênica, entre os grupos e organizações de juventude, segundo as orientações da Igreja.

    4. Que se considere a possibilidade e a conveniência de contar com a colaboração de leigos, e entre eles de jovens, na qualidade de consultores, nos diversos departamentos do CELAM.