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Bispos da América Latina
CONCLUSÕES DE MEDELLIN

IV. EDUCAÇÃO

Introdução

Esta Conferência do Episcopado Latino-americano, que teve o propósito de entrosar a Igreja no processo de transformação dos povos latino-americanos, fixa muito especialmente sua atenção na educação, como um fator básico e decisivo no desenvolvimento do continente.

1. Características da educação na América, Latina

Devemos reconhecer, antes de mais nada, que têm sido feitos esforços consideráveis em quase todos os nossos países para estender a educação em seus diversos níveis e são grandes os méritos que, neste esforço, correspondem tanto aos governos como à Igreja e aos demais setores responsáveis pela educação.

Contudo, o panorama geral da educação apresenta-se a nós, ao mesmo tempo, com características de drama e de repto. Ao dizer isto, não nos anima um espírito pessimista, mas um desejo de superação.

Considerando a urgência do desenvolvimento integral do homem e de todos os homens na grande comunidade latino-americana, os esforços educativos padecem de sérias deficiências e inadequações.

Existe, em primeiro lugar, o vasto setor dos homens «marginalizados» da cultura, os analfabetos e especialmente os analfabetos indígenas, privados por vezes até do benefício elementar da comunicação por meio de uma língua comum. Sua ignorância é uma escravidão inumana. Sua liberação, uma responsabilidade de todos os homens latino-americanos. Devem ser libertados de seus preconceitos e superstições, de seus complexos e inibições, de seus fanatismos, de sua tendência fatalista, de sua incompreensão temerosa do mundo em que vivem, de sua desconfiança e de sua passividade.

A tarefa de educação destes irmãos nossos não consiste propriamente em incorporá-los nas estruturas culturais que existem em torno deles, e que podem ser também opressoras, mas sim em algo muito mais profundo. Consiste em capacita-los para que, eles próprios, como autores de seu próprio progresso, desenvolvam de uma maneira criadora e original, um mundo cultural, em acordo com sua própria riqueza e que seja fruto de seus próprios esforços, especialmente no caso dos indígenas, devem-se respeitar os valores próprios de sua cultura.

A educação formal ou sistemática se estende cada vez mais para as crianças e os jovens latino-americanos, embora grande número deles fique ainda fora dos sistemas escolares. Qualitativamente, está longe de corresponder àquilo que exige nosso desenvolvimento, considerando-se o futuro.

Sem esquecer as diferenças que existem relativamente aos sistemas educativos nos diversos países do continente, parece-nos que o seu conteúdo programático é em geral demasiado abstrato e formalista. Os métodos didáticos estão mais preocupados com a transmissão dos conhecimentos do que com a criação de um espírito crítico. Do ponto de vista social, os sistemas educativos estão orientados para a manutenção das estruturas sociais e econômicas imperantes, mais do que para sua transformação. É uma educação uniforme, em um momento em que a comunidade latino-americana despertou para a riqueza de seu pluralismo humano; é passiva, quando já soou a hora para nossos povos de descobrirem seu próprio ser, pleno de originalidade; está orientada no sentido de sustentar uma economia baseada na ânsia de «ter mais», quando a juventude latino-americana exige "ser mais", na posse de sua auto-reaIização pelo serviço e no amor.

Em especial, a formação profissional de nível médio e superior sacrifica com freqüência a profundidade humana, em nome do pragmatismo e do imediatismo, para ajustar-se às exigências do mercado de trabalho. Este tipo de educação é responsável pela colocação do homem a serviço da economia e não desta a serviço do homem.

Neste momento aflora também uma preocupação nova pela educação assistemática, de crescente importância: meios de comunicação social, movimentos juvenis e tudo quanto contribui para a criação de uma certa cultura popular e para o aumento do desejo de mutação.

A democratização da educação é um ideal que está ainda longe de ter sido atingido em todos os níveis, sobretudo no universitário. Já que nossas universidades não levaram suficientemente em conta as peculiaridades latino-americanas, transpondo com freqüência esquemas de países desenvolvidos, não deram suficientemente resposta aos problemas próprios do nosso continente. A universidade permaneceu muitas vezes com cursos tradicionais, quase sem currículos de duração intermediária, aptos à nossa situação sócio-econômica. Nem sempre e em todo lugar esteve devidamente aberta para a investigação ou para o diálogo interdisciplinar, indispensável ao progresso da cultura e ao desenvolvimento integral da sociedade.

Particularmente quanto à Universidade católica, assinalamos uma insuficiência na instauração do diálogo entre a teologia e os diversos ramos do saber, diálogo capaz de respeitar a devida autonomia das ciências e de trazer a luz do Evangelho para a convergência dos valores humanos em Cristo.

A educação latino-americana, numa palavra, é chamada a dar uma resposta ao repto do presente e do futuro em nosso continente. Somente assim será capaz de libertar nossos homens das servidões culturais, sociais, econômicos e políticas que se opõem ao nosso desenvolvimento. Quando falamos assim não perdemos de vista a dimensão sobrenatural que se inscreve no próprio desenvolvimento o qual condiciona a plenitude da vida cristã.

2. Sentido humanista e cristão da educação

  1. A educação libertadora como resposta a nossas necessidades

    Nossa reflexão sobre este panorama conduz-nos a propor uma visão da educação mais conforme com o desenvolvimento integral que propugnamos para nosso continente; chamá-1a-íamos de «educação libertadora», isto é, que transforma o educando em sujeito de seu próprio desenvolvimento. A educação é efetivamente o meio-chave para libertar os povos de fada servidão e para fazê-los ascender «de condições de vida menos humanas para condições mais humanas" (PP) , tendo-se em conta que o homem é o responsável e «o artífice principal de seu êxito e de seu fracasso» (PP 15).

    Para tanto, a educação em todos os seus níveis deve chegar a ser criadora, enquanto deve antecipar o novo tipo de sociedade que buscamos na América Latina; deve basear seus esforços na personalização das novas gerações, aprofundando a consciência de sua dignidade humana, favorecendo sua livre autodeterminação e promovendo seu sentido comunitário.

    Deve ser aberta ao diálogo, para se enriquecer com os valores que a juventude intui e descobre como válidos para o futuro e assim promover a compreensão dos jovens entre si e com os adultos. Isto permitirá aos jovens recolher ao melhor do exemplo e dos ensinamentos de seus pais e mestres e formar a sociedade de amanhã» (Mensagem do Concílio aos Jovens).

    A educação deve, além disso, afirmar, com sincero apreço, as peculiaridades locais e nacionais e integrá-las na unidade pl2cral2sta do continente e do mundo. Finalmente, deve capacitar as novas gerações para a mudança permanente e orgânica que o desenvolvimento supõe.

    Esta é a educação libertadora de que a América Latina necessita para redimir-se das servidões injustas e, antes de tudo, do seu próprio egoísmo. Esta é a educação reclamada por nosso desenvolvimento integral.

  2. A educação libertadora e a missão da Igreja

    Como toda libertação já é uma antecipação da plena redenção de Cristo, a Igreja na América Latina sente-se particularmente solidária com todo esforço educativo tendente a libertar nossos povos. "O Espírito do Senhor está sobre mim, por isso me enviou para evangelizar os pobres" (Isaías). Cristo pascal, "imagem do Deus invisível", é a meta que o desígnio de Deus estabelece para o desenvolvimento do homem, para que «alcancemos todos a estatura do homem perfeito" (Et 1,4-13) .

    Por isso, todo «crescimento em humanidade» (PP) capacita-nos a «reproduzir a imagem do Filho, para que ele seja o primogênito entre muitos irmãos» (Rom 8,29).

    A Igreja, no que se refere à sua missão específica, recomendada por seu divino fundador, deve promover e fomentar a educação cristã a que todos os batizados têm direito, para que alcancem a maturidade de sua fé. Enquanto servidora de todos os homens, a Igreja busca por meio de seus membros, especialmente pelos leigos, colaborar nas tarefas de promoção cultural humana sob todas as formas que interessam à sociedade. No exercício deste direito e serviço, juntamente com os demais setores responsáveis, a obra educadora da Igreja não deve ser obstaculizada por discriminações de qualquer espécie.

    Esta é a visão alentadora que, sobre a educação na América Latina, apresenta hoje a Igreja. Ela, isto é, todos os cristãos, empregarão seus esforços, com humildade, desinteresse e desejo de servir, na tarefa de criar a nova educação exigida pelos nossos povos, neste despertar de um novo mundo.

3. Orientações pastorais

  1. Linhas gerais

    A Conferência Episcopal Latino-americana recomenda os seguintes critérios e orientações:

      a1. Reconhecendo a transcendência da educação sistemática para a promoção do homem, em escolas ou colégios, convém não identificar a educação com qualquer dos instrumentos concretos. Dentro do conceito educativo moderno, esta transcendência é enorme, pois a educação é a maior garantia para o desenvolvimento das pessoas e do progresso social; já que conduzida corretamente para os autores do desenvolvimento; e é também ela a melhor distribuidora dos frutos do progresso, que são as conquistas culturais da humanidade, constituindo-se no elemento mais rentável da nação.

      a2. Este conceito ultrapassa a mera institucionalidade dos centros docentes e projeta sua dinâmica apostólica em outros setores que reclamam urgentemente a presença e o compromisso da Igreja. Por isso, a Conferência Episcopal faz um apelo aos responsáveis pela educação para que ofereçam oportunidades educativas a todos os homens, em vista da posse sempre maior de seu próprio talento e de sua própria personalidade, a fim de que, através dela, consigam alcançar, por si próprios, a sua integração na sociedade, com plenitude de participação social, econômica, cultural, política e religiosa. Exorta, portanto, os educadores ao cumprimento de seus deveres e à guarda de seus direitos. A Igreja, de seu lado, por sua missão de serviço, compromete-se a utilizar todos os meios a seu alcance.

      a3. Dirige-se em primeiro lugar aos pais de família, «os primeiros e principais educadores». Não podem ficar marginalizados do processo educativo. É urgente auxiliá-los a tomarem consciência de seus deveres e direitos e facilitar-lhes a participação direta nas atividades e na organização dos centros docentes, através das Associações de Pais de Família, que devem ser criadas ou encorajadas onde existirem, ao nível local, nacional e internacional.

      a4. No que se refere aos educandos, insiste para que se leve em conta sua problemática. A juventude pede para ser ouvida com relação à sua própria formação. É preciso não esquecer que o aluno tende para seu auto-aperfeiçoamento, e por isso é preciso apresentar-lhe os valores, a fim de que ele adote uma atitude de aceitação pessoal em face deles. A auto-educação, que deve ser ordenada com sabedoria, é requisito indispensável para alcançar a verdadeira comunidade de educandos.

      a5. Quanto aos ed2Gcadores é preciso antes de mais nada valorizar sua missão decisiva na transformação da sociedade e chegar a uma decisão consciente e corajosa na preparação, seleção e promoção do professorado. A seleção e a promoção deverão insistir fundamentalmente nos dotes humanos de personalidade e atitude de serviço em permanente evolução; e para a preparação deve a Igreja latino-americana apoiar os institutos de formação do pessoal docente, confessional ou não. A Igreja deve, além disso, trabalhar para que todas as tarefas sociais lhes sejam retribuídas convenientemente, colaborando com eles em suas justas reivindicações.

      a6. Dentro da comunidade educacional ocupam hoje lugar prioritário os grupos j2cvenis, que vencem a distância crescente entre o mundo adulto e o mundo dos jovens. Por isso, a Conferência Episcopal recomenda a formação de movimentos juvenis que realizem toda sorte de atividades, de acordo com seus próprios interesses e com uma direção suficiente, gradual e cada vez maior dos próprios jovens. Além disso, aos que tiverem qualidades humanas apropriadas devem ser dadas oportunidades de se formarem como líderes. a7. A Igreja toma consciência da suma importância da educação de base. Em atenção ao grande número de analfabetos e marginalizados na América Latina, a Igreja, sem poupar sacrifício algum, se comprometerá a promover a educação de base, que não visa somente alfabetizar mas também capacitar o homem para convertê-1o em agente consciente de seu desenvolvimento integral.

  2. Relativamente à escola

      b1. A Igreja, servidora da humanidade, tem-se preocupado, ao longo de sua história, com a educação, não só catequética, mas integral do homem. A II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano reafirma esta atitude de serviço e continuará preocupando-se, por meio de seus Institutos Educacionais, aos quais reconhece plena validez, em prosseguir nesta tarefa adaptada às mudanças históricas. Assim, incentiva todos os educadores católicos e congregações docentes a prosseguirem incansavelmente em sua abnegada função apostólica e exorta-os à sua renovação e atualização, dentro da linha proposta pelo Concílio e por esta Conferência.

      b2. Recomenda, portanto, a obtenção dos títulos correspondentes ao exercício de sua profissão educadora.

      b3. Procure-se aplicar a recomendação do Concílio, relativa a uma efetiva democratização da escola católica, a fim de que todos os setores sociais, sem discriminação alguma, tenham acesso a ela e nela adquiram uma autêntica consciência social que enforme sua vida.

      b4. A escola católica deverá:

      • Ser uma verdadeira comunidade formada por todos os elementos que a integram;
      • Integrar-se na comunidade local e estar aberta à I comunidade nacional e latino-americana;
      • Ser dinâmica, viva e estar em contínua experimentação franca e leal;
      • Estar aberta ao diálogo ecumênico;
      • Partir da escola para a comunidade, transformando a mesma escola em centro cultural, social e espiritual da comunidade; partir dos filhos para chegar aos pais e à família; partir da educação escolar para chegar aos demais ambientes educacionais.

      b5. A fim de conseguir uma escola católica, aberta e democrática, esta Conferência Episcopal apoia o direito que os pais e os alunos têm de escolherem sua própria escola e de obter os meios econômicos necessários, dentro das exigências do bem comum.

  3. Relativamente à universidade católica

    A II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano lembra às Universidades católicas:

      c1. Que devem ser antes de tudo universidades; isto é, órgãos superiores, onde a investigação e a procura da verdade seja um trabalho comum entre professores e alunos e, desta forma, se crie a cultura em suas diversas manifestações.

      c2. Para alcançar este objetivo as Universidades católicas devem estabelecer o diálogo entre as disciplinas humanas e o saber teológico, em íntima conexão com as exigências mais profundas do homem e da sociedade. Para isso o ensino teológico deve estar em todos os setores da universidade, em harmônica integração. Para este fim procurarão ter sua própria faculdade de teologia, ou, pelo menos, um instituto superior de formação teológica (GE 2) .

      c3. De acordo com o Concílio Vaticano II e a PP, as Universidades católicas devem esforçar-se por integrar ativamente seus professores, alunos e graduados na comunidade universitária, suscitando sua respectiva responsabilidade e participação na vida e atividade universitária, na medida em que as circunstâncias concretas o aconselhem.

      c4. A universidade deve estar integrada na vida nacional e poder responder com espírito criador e coragem às exigências do próprio país. Deverá auscultar as necessidades reais, para o estabelecimento de suas faculdades e institutos e para estabelecer, simultaneamente, as carreiras intermediárias de capacitarão técnica, tendo em vista o desenvolvimento da comunidade, do país e do continente.

      c5. Para a constante renovação das tarefas universitárias, é importante promover uma permanente avaliação dos métodos e estruturas de nossas universidades.

  4. Relativamente ao planejamento

      d1. Dada a complexidade atual dos problemas educacionais nos países latino-americanos, a pastoral educacional não pode ser concebida como uma série de atividades e normas desconexas, mas sim como resultado de um verdadeiro planejamento, sempre renovado e composto dos seguintes elementos:
      • Reconhecimento das urgências na pastoral de conjunto;
      • Elaboração das metas educacionais, fixando as prioridades;
      • Censo e ordenação dos recursos humanos disponíveis;
      • Censo dos instrumentos e meios institucionais, financeiros e outros;
      • Elaboração das etapas do plano.

      d2. Nos assuntos de pastoral educacional, é conveniente que se procure gradualmente, dentro do respeito às pessoas e grupos, uma adequada articulação entre os organismos episcopais de educação e os organismos correspondentes das Conferências de Religiosos e das Federações de Colégios católicos.

      d3. Compete aos cristãos estar presentes em todas as possíveis iniciativas do campo educacional e da cultura e informá-las para que a todos chegue o plano divino da salvação.

      d4. Para atender ao grande número de alunos das universidades e escolas não-católicas será necessário organizar equipes de sacerdotes, de religiosos ou de leigos educadores, responsáveis pelas tarefas apostólicas dessas instituições. A atitude da Igreja no campo da educação não pode ser a de contrapor a escola confessional à não-confessional, a escola particular à escola oficial, e sim, a de colaboração aberta e franca entre escola e escola, universidade e universidade, entre as escolas e as iniciativas extra escolares de formação e de educação, entre os planos de educação da Igreja e os do Estado; colaboração essa exigida em benefício da comunidade universal dos homens (GM 12) . Esta coordenação não só está isenta de perigo para o caráter confessional das escolas católicas, mas é antes um dever pós-conciliar das mesmas, segundo o novo conceito da presença da Igreja no mundo de hoje.

      d6. A Igreja deve procurar prioritariamente a meIhoria das Universidades católicas existentes, antes que promover a criação de novas instituições.

      d7. Procure-se ainda uma coordenação efetiva entre as instituições educacionais da Igreja e os organismos nacionais e internacionais interessados na educação.