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Bispos da América Latina
CONCLUSÕES DE MEDELLIN

XV. COLEGIALIDADE

1. Constatações

    Continentais

  1. Em nosso continente, milhões de homens se en­contram marginalizados da sociedade e impedidos de al­cançar a plena dimensão de seu destino, ou em virtude da existência de estruturas inadequadas e injustas, ou por outros fatores, como o egoísmo e a insensibilidade das classes dirigentes; de outro lado, nossos povos estão to­mando consciência da necessidade de desencadear um pro­cesso de integração em todos os níveis: desde a integra­ção dos marginalizados nos benefícios da vida social, até a integração econômica e cultural de nossos países.

    Eclesiais

  2. A Igreja deve, pois, fazer face a esta situação com estruturas pastorais aptas, marcadas pelo sinal da orga­nicidade e da unidade. Nesse sentido, quando se examina a realidade latino-americana, constata-se alguns fatores de ordem positiva e outros de ordem negativa.

    • Fatores positivos

      Entre os primeiros, podemos mencionar:

      • A consciência bastante difundida, ainda que às vezes imprecisa e vaga, das idéias de «Pastoral de Con­junto» e de «Planificação Pastoral», como também diver­sas realizações efetivas nesta linha.

      • A vitalização dos vicariatos forâneos, a criação de zonas, e a constituição de equipes sacerdotais, por exi­gências da ação pastoral conjunta.

      • A celebração de Sínodos e a constituição, já ini­ciada em vários lugares, dos Conselhos presbiterais e de pastoral, incentivados pelo Concílio.

      • O desejo dos leigos de participar das estruturas pastorais da Igreja.

      • A importância adquirida pelas Conferências Epis­copais e a própria existência da Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do CELAM.

    • Fatores negativos

      Entre os fatores de ordem negativa, figuram os seguintes:

      • Inadequação da estrutura tradicional em muitas paróquias para proporcionar uma vivência comunitária. - Sensação bastante generalizada de que as Cúrias diocesanas são organismos burocráticos e administrativos. - Falta de gosto de muitos sacerdotes, proveniente do fato de não encontrarem um lugar claro e satisfató­rio na estrutura pastoral; falta de gosto que amiúde foi o fator decisivo em algumas crises sacerdotais, tal como foi - por analogia de situações - nas crises de um nú­mero considerável de religiosos e leigos.

      • Atitudes particularistas de pessoas ou instituições, em situações que exigem coordenação.

      • Casos de aplicação incorreta da Pastoral de Con­junto ou da Planificação, seja por improvisação ou incom­petência técnica, seja pela excessiva valorização dos «plano”, seja por uma concepção demasiado rígida e autori­tária de sua realização.

    2. Orientações doutrinais

    1. Toda revisão e renovação das estruturas eclesiais no que têm de reformável, deve evidentemente ser fei­ta para atender as exigências de situações históricas con­cretas, mas não perdendo de vista a própria natureza da Igreja. A revisão que hoje se deve levar a cabo em nossa situação continental há de ser inspirada e orientada pe­las idéias diretivas muito sublinhadas no Concílio: a da COMUNHÃO e a da CATOLICIDADE (of. LG 13).

    2. Com efeito, a Igreja antes de tudo é um mistério de = comunhão católica, pois no seio de sua comunidade visí­vel, pela vocação da Palavra de Deus e pela graça de seus sacramentos, particularmente a Eucaristia, todos os ho­mens podem participar fraternalmente da comum digni­dade de filhos de Deus (LG 32), e todos também, com­partilhar a responsabilidade e o trabalho para realizar a missão comum de dar testemunho do Deus que os salvou e os fez irmãos em Cristo (LG 17; AA 3) .

    3. Esta comunhão que une a todos os batizados, longe de impedir, exige que dentro da comunidade eclesial exis­ta multiplicidade de funções específicas, pois para que ela se construa e possa cumprir sua missão, o mesmo Deus sus­cita em seu seio diversos ministérios e outros carismas que determinam a cada qual um papel peculiar na vida e na ação da Igreja. Entre os ministérios, ocupam um lugar particular os que estão vinculados com um «caráter» sacramental; estes introduzem na Igreja uma dimensão estrutural de direito divino. Os diversos ministérios não só devem estar a serviço da unidade de comunhão, mas também, por sua vez, devem constituir-se e atuar de for­ma solidária. Em especial, os ministérios que trazem ane­xa a função pastoral - episcopado e presbiterato - de­vem exercer-se sempre em espírito colegial, e assim bis­pos e presbíteros, por terem de atuar sempre como mem­bros de um corpo (colégio episcopal ou presbitério, res­pectivamente) são chamados a constituir na comunidade puma realização «exemplara de comunhão: «forma facti gregiso («feitos modelo do rebanhoo) (Pdr 5, 3).

    4. É essencial que todas as comunidades eclesiásticas se mantenham abertas à dimensão da comunhão católica, de tal forma que nenhuma se feche sobre si mesma. Asse­gurar o cumprimento desta exigência é tarefa que incum­be particularmente aos ministros da hierarquia, e em for­ma essencialíssima aos bispos, os quais, colegialmente uni­dos ao Pontífice Romano, sua cabeça, são o princípio da catolicidade das Igrejas. Para que a mencionada abertu­ra seja efetiva e não puramente jurídica, é necessário ha­ver uma comunicação real, ascendente e descendente, en­tre a base e a cúpula.

    5. De todo o exposto, se depreende que a ação pasto­ral da comunidade eclesial, destinada a levar o homem todo e a todos os homens à plena comunhão de vida com Deus na comunhão visível da Igreja, deve ser necessaria­mente global, orgânica e articulada. Disto se infere que as estruturas eclesiais devem ser periodicamente revistas e reajustadas, de tal forma que se possa desenvolver har­moniosamente o que se chama uma Pastoral de Conjun­to: quer dizer, toda essa obra salvífica comum exigida pe­la missão da Igreja em seu aspecto global, «como que o fermento e alma da sociedade humana a ser renovada em Cristo e transformada em família de Deus» (GS 40).

    3. Orientações pastorais

    1. Renovação das estruturas pastorais

      Comunidades cristãs de base

      • A vivência da comunhão a que foi chamado, o cristão deve encontrá-1a na «comunidade de base»: ou se­ja, em uma comunidade local ou ambiental, que corres­ponda à realidade de um grupo homogêneo e que tenha uma dimensão tal que permita a convivência pessoal fra­terna entre seus membros. Por conseguinte, o esforço pas­toral da Igreja, deve estar orientado à transformação des­sas comunidades em «família de Deus», começando por tornar-se presente nelas, como fermento por meio de um núcleo, mesmo pequeno, que constitua uma comunidade de fé, esperança e caridade (LG 8; GS 40) . A comunidade cristã de base é, assim, o primeiro e fundamental núcleo eclesial, que deve em seu próprio nível responsabilizar-se pela riqueza e expansão da fé, como também do culto que é sua expressão. Ela é, pois, célula inicial da estrutura eclesial e foco de evangelização e, atualmente, fator primor­dial da promoção humana e do desenvolvimento.

      • Elemento capital para a existência de comunidades cristãs de base são seus líderes ou dirigentes. Estes po­dem ser sacerdotes, diáconos, religiosos, religiosas ou lei­gos. É desejável que eles pertençam à comunidade por eles animada. A escolha e formação dos líderes deverá ter acentuada preferência na preocupação dos párocos e bispos, os quais terão sempre presente que a maturidade espiritual e moral depende em grande parte da assunção de responsabilidade em um clima de autonomia (GS 55) .

      • Os membros destas comunidades, «vivendo confor­me a vocação a que foram chamados, exerçam as fun­ções que Deus lhes confiou: sacerdotal, profética e real», e façam assim de sua comunidade num sinal da presença de Deus no mundo» (AG 15) .

      • Recomenda-se a elaboração de estudos sérios, de caráter teológico, sociológico e histórico, a respeito destas comunidades cristãs de base, que hoje começam a surgir depois de terem sido ponto-chave na Pastoral dos missio­nários que implantaram a fé e a Igreja em nosso continen­te. Recomenda-se, também, que as experiências que foram realizadas sejam divulgadas pelo CELAM e coordenadas na medida do possível.

      Paróquias, vicariatos forâneos e zonas

      • A visão que se expôs há de levar-nos a fazer da paróquia um conjunto pastoral vivificador e unificador das comunidades de babe. Assim, a paróquia tem de descen­tralizar sua Pastor a1 no tocante a lugares, funções e pes­soas, justamente para «reduzir à unidade todas as diversi­dades humanas que nela se encontram e inseri-las na uni­versidade da Igreja» (AA 10).

      • O pároco terá que ser, nesta configuração de pa­róquia, o sinal e o princípio da unidade, assistido no minis­tério pastoral pela colaboração de representantes leigos, religiosos e diáconos. Merecem menção especial os vigá­rios cooperadores, os quais, não obstante sob a autoridade do pároco, não podem mais ser considerados meros execu­tores de suas diretivas, mas como seus colaboradores, pois pertencem ao mesmo e único Presbitério (PO 8).

      • Quando uma paróquia não pode ser normalmente atendida, ou contar com um pároco residente, ela pode ser confiada aos cuidados de um diácono ou a um grupo de religiosos ou religiosas, a exemplo do que já se fez em algumas regiões com resultados muito positivos.

      • A comunidade paroquial faz parte de uma unidade mais ampla: a do vicariato forâneo ou decanato, cujo titu­lar é chamado a «promover e dirigir a ação pastoral co­mum no território a ele confiado» (ES 19,1). Se vários vicariatos forâneos vizinhos forem suficientemente homo­gêneos e caracterizados em sua problemática pastoral, convêm, formar com eles uma região, que poderia ficar sob a responsabilidade de um vigário episcopal (ES 14,2).

      Dioceses

      • O fato de ser presidida por um bispo, faz com que uma porção do Povo de Deus «constitua uma Igreja particular, na qual se encontra e opera verdadeiramente a Igreja de Cristo que é una, santa, católica e apostólica» (CD 11). O bispo é a «testemunha de Cristo ante todos os homens» (ibid.), e sua tarefa essencial é colocar seu povo em condições de testemunho evangélico de vida e ação. E isto, sem prejuízo do apostolado que compete a todos os ba­tizados em razão de sua ação. Ele deve preocupar-se de for­ma especial que os movimentos apostólicos ambientais, que ocupam um lugar tão importante na estrutura Pastoral diocesana, se integrem harmonicamente na busca de ditas metas. Em uma palavra, o bispo tem a responsabilidade da Pastoral de Conjunto enquanto tal, e todos, na diocese, hão de coordenar sua ação nas metas e prioridades determi­nadas por ele.

      • «Para assumir esta tarefa e responsabilidade, o bispo deve, porém, antes de mais nada, contar com o Con­selho Presbiteral, que deve ajudá-1o eficazmente com seus conselhos no ministério e função de ensinar, santificar e apascentar o Povo de Deus» (PO 7). É também muito desejável que o bispo possa contar com um Conselho Pas­toral, dotado de consistência e funcionamento (of. Dist. Paulo VI, II As. Ger. Ep. Lar.-Am.) : a este Conselho, que representa o Povo de Deus na diversidade de suas condi­ções e estados de vida (sacerdotes, diáconos, religiosos, re­ligiosas e leigos) incumbe «estudar e ponderar o que diz respeito às obras pastorais, de tal sorte que se promova a conformidade da vida e ação do Povo de Deus com o Evan­gelho» (ES 16). Se o Conselho Presbiteral deve ser o prin­cipal canal do diálogo do bispo com seus presbíteros, o Conselho Pastoral deve sê-1o de seu diálogo com toda a sua diocese.

      • A Cúria diocesana, como prolongação da pessoa mesma do bispo em todos os seus aspectos e atividades, deve ter um caráter primordialmente pastoral (of. CD 27) , e seria de desejar que tivesse representação dentro do Conselho Presbiteral. Recomenda-se que os cargos da Cúria que possam ser exercidos por leigos, sejam a eles confiados.

      • De transcendental importância é a figura dos vi­gários do bispo. A função dos chamados «Vigários Epis- . copais» e o caráter eminentemente pastoral de seu papel, delineado pelo Concílio (of. CD 27) , dispensam maiores comentários; todavia, é oportuno sublinhar que não se pode continuar considerando o Vigário Episcopal como um mero administrador da diocese. Sendo o «altar ego» do bispo, há de ser um pastor. Na medida mesma em que se multiplicam os Vigários Episcopais especializados (of. ES 14,2), é indispensável que o vigário geral seja um homem penetrado de toda a amplitude da missão episcopal.

      • «Os bispos, em virtude da sagração sacramental e pela comunhão hierárquica com o chefe e os membros do Colégio, são constituídos membros do corpo episcopal” (CD 4) . Por conseguinte, devem «manter-se sempre uni­dos entre si e mostrar-se solícitos com todas as Igrejas, já que por instituição divina e por imperativo do ofício apostólico, cada qual, juntamente com os outros bispos, é responsável pela missão apostólica da Igreja (ibid., 6). O cumprimento deste dever reflete em benefício da pró­pria diocese, pois assim a comunhão eclesial dos fiéis se abre às dimensões da catolicidade.

      Conferências episcopais

      • A Conferência Episcopal deve constituir em cada país ou região a expressão concreta do espírito de colegia­lidade que deve animar cada bispo. Deve fortalecer sua estrutura interna, precisando as respectivas responsabili­dades mediante comissões formadas por bispos competen­tes, com assessores especializados. É recomendável a utili­zação de uma dinâmica de grupo e uma técnica de orga­nização operantes, com ampla utilização dos meios de co­municação social e de opinião pública.

      • Sua atividade deve desenvolver-se dentro de uma autêntica Pastoral de conjunto e com planos pastorais que corresponda sempre à realidade humana e às necessi­dades religiosas do Povo de Deus. Deve também ser ele­mento de integração entre as diversas dioceses e, em especial, fator de equilíbrio na distribuição de pessoal e dos meios (of. CD 6; ES 2; Paulo VI, Exort. Apost., 24-11­65). Ela deve procurar, também, uma autêntica integração de todo o pessoal apostólico que se oferece ao país, vindo do exterior, em particular mediante o diálogo com os orga­nismos episcopais que o oferecem.

      • As Conferências Episcopais devem assumir decidi­damente todas as atribuições, reconhecidas ou concedidas pelo Concílio, nos campos de sua competência e de acordo com seu conhecimento concreto da realidade imediata.

      • As Conferências Episcopais devem procurar ouvir a voz dos respectivos Presbíteros e do laicato do país e que chegue até elas fielmente. Por essa razão, devem ter uma mais estreita e operante integração com a Confederação dos Superiores Maiores religiosos, incorporado-os no estu­do, elaboração e execução da Pastoral.

      • Para que a ação seja mais eficaz, faz-se necessário aplicar o que disse o Concílio: 00 bem das almas pede a devida circunscrição não apenas das dioceses, como das províncias eclesiásticas, de forma que se provisionem as necessidades de apostolado de acordo com as circunstân­cias sociais e locais» (CD 39). É conveniente pensar nas conveniências das prelazias pessoais (of. PO 10; ES 4) para maior atenção a certos grupos étnicos dispersos em várias circunscrições eclesiásticas e em situações variadas, incluindo aqui as situações migratórias.

      • As Conferências Nacionais devem ser os órgãos de aplicação dos resultados das Conferências Gerais do Episcopado Latino-americano.

      • Para viver profundamente o espírito católico, as Conferências Episcopais estarão em contato não apenas com o Pontífice Romano e os organismos da Santa Sé, como também com as igrejas de outros continentes, tan­to para a mútua edificação das igrejas, como para a promoção da justiça e da paz no mundo.

      Organismos continentais

      • Em nível continental, o espírito de colegialidade dos bispos latino-americanos, na solução de problemas co­muns, expressa-se na Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e no CELAM, se bem que de dife­rentes maneiras (of. Paulo VI, Exort. Apost. 24-11­65) . Guardada a integridade do CELAM como organismo de índole continental, nada impede que, para uma maior coordenação dos trabalhos pastorais, se agrupem vários países que vivem problemas e situações similares.

      • O CELAM, como órgão de contato, colaboração e serviço, é uma indispensável ajuda para a reflexão e ação de toda a Igreja latino-americana (of. Exort. Apost. 24-11-65, n. 27).

      • Para que este organismo tenha uma melhor soli­dez e funcionalidade, é urgente uma maior correspondên­cia entre os departamentos do CELAM, e as respectivas Comissões das Conferências Episcopais Nacionais, por meio das frentes de trabalho.

      • O CELAM, nesta fase, deve preocupar-se muito na reflexão integral e numa continuada e enriquecedora comunhão de experiências no campo pastoral. Entre as matérias cujo estudo seria oportuno que abordasse, atual­mente deveriam figurar as comunidades de base.

      • O CELAM deve aumentar suas relações com os organismos latino-americanos e mundiais para um melhor serviço ao continente.

    2. Outras exigências da pastoral de conjunto

        Renovação pessoal

      1. A Pastoral de Conjunto, levando em conta o mo­mento atual da Igreja na América Latina, além da já mencionada reforma de estruturas, exige: a) uma renovação pessoal, e b) uma ação pastoral devidamente plani­ficada de acordo com o processo de desenvolvimento da América Latina.

        Planificação pastoral

      2. A renovação pessoal implica um processo de con­tínua mentalização ou ajornamento, de dois pontos de vista:
        • Teológico-pastoral, fundamentado nos documentos conciliares e na teologia vigente; e

        • Pedagógico, proveniente de um contínuo diálogo apoiado na dinâmica de grupo e na revisão da ação leva­da a efeito pelas equipes de pastoral, tendendo a criar um autêntico sentido comunitário, sem o qual é totalmente impossível uma genuína Pastoral de Conjunto.

        Esta renovação pessoal deve alcançar todas as esfe­ras do Povo de Deus, criando nos bispos, sacerdotes, reli­giosos e leigos, movimentos e associações, uma só cons­ciência eclesial.

        Exigências pastorais

      3. Uma ação pastoral planificada exige:

        • Estudo da realidade local, com a colaboração téc­nica de organismos e pessoas especializadas.

        • Reflexão teológica sobre a realidade.

        • Levantamento e ordenação dos elementos huma­nos disponíveis e dos materiais de trabalho; o pessoal es­pecializado deve-se preparar nos diversos institutos na­cionais ou latino-americanos.

        • Determinação das prioridades de ação.

        • Elaboração do plano pastoral. Para tal, devem ser seguidos os princípios técnicos e sérios de uma autên­tica planificação, dentro de uma integração em planos de nível superior.

        • Avaliação periódica das realizações.