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O sistema de espórtulas e pensões escolares para o sustento do clero e para a manutenção das obras educacionais, tornam-se mal vistos e até têm contribuído para a formação de uma opinião exagerada sobre o montante das somas percebidas.
Acrescentamos a isso o exagerado sigilo em que se tem mantido o movimento econômico de colégios, paróquias e dioceses, ambiente de mistério que agiganta as sombras e ajuda a criar fantasias; e casos isolados de condenável enriquecimento que foram generalizados.
Tudo isso tem levado à convicção de que a Igreja, na América Latina, é rica.
No contexto de pobreza e até de miséria em que vive a grande maioria do povo latino-americano, os bispos, sacerdotes e religiosos temos o necessário para a vida e certa segurança, enquanto os pobres carecem do indispensável e se debatem entre a angústia e a incerteza. E não faltam casos em que os pobres sentem que seus bispos, párocos e religiosos, não se identificam realmente com eles, com seus problemas e angústias, e que nem sempre apoiam os que trabalham com eles ou defendem sua sorte.
b. Motivação doutrinária
A Igreja sempre tem procurado cumprir essa vocação, não obstante «tantas debilidades e fracassos nossos, no passado” (ES 50). A Igreja da América Latina, dadas às condições de pobreza e subdesenvolvimento do continente, sente a urgência de traduzir esse espírito de pobreza em gestos, atitudes e normas, que a tornem um sinal mais lúcido e autêntico do Senhor. A pobreza de tantos irmãos clama por justiça, solidariedade, testemunho, compromisso, esforço e superação para o cumprimento pleno da missão salvífica confiada por Cristo.
A situação atual exige, pois, dos bispos, sacerdotes, religiosos e leigos o espírito de pobreza que «rompendo as amarras da posse egoísta dos bens temporais, estimula o cristianismo a dispor organicamente da economia e do poder em benefício da comunidade (Paulo VI, 23-7-68) .
«A pobreza da Igreja e de seus membros na América Latina deve ser sinal e compromisso. Sinal do valor inestimável do pobre aos olhos de Deus; compromisso de solidariedade com os que sofrem». (ibid.)
c. Orientações pastorais
Queremos, como bispos, nos aproximar cada vez com maior simplicidade e sincera fraternidade, dos pobres, tornando possível e acolhedor o seu acesso até nós.
Devemos tornar mais aguda a consciência do dever de solidariedade para com os pobres; exigência da caridade. Esta solidariedade implica em tornar nossos seus problemas e suas lutas e em saber falar por eles.
Isto há de se concretizar na denúncia da injustiça e da opressão, na luta contra a intolerável situação suportada freqüentemente pelo pobre, na disposição de dialogar com os grupos responsáveis por essa situação, para faz-los compreender suas obrigações.
Expressamos nosso desejo de estar sempre bem perto dos que trabalham no abnegado apostolado dos pobres, para que sintam nosso estímulo e saibam que não ouviremos vozes interessadas em denegrir seu trabalho.
A promoção humana há de ser a linha de nossa ação em favor do pobre, respeitando sua dignidade pessoal, ensinando-lhe a ajudar-se a si mesmo. Com esse fim, reconhecemos a necessidade da estruturação racional de nossa pastoral e da integração de nosso esforço com os esforços de outras entidades.
Pedimos aos sacerdotes e fiéis que nos dêem um tratamento que convenha à nossa missão de padres e pastores, pois desejamos renunciar a títulos honoríficos próprios de outras épocas.
Com o auxílio de todo o povo de Deus, esperamos superar o sistema de espórtulas, substituindo-o por outras formas de cooperação econômica, desligadas da administração dos sacramentos.
A administração dos bens diocesanos ou paroquiais deverá ser integrada por leigos competentes e dirigida, da melhor forma possível, para o bem de toda a comunidade (PO 17) .
Em nossa missão pastoral, confiaremos antes de tudo na força da Palavra de Deus; quando tivermos que empregar meios técnicos buscaremos os mais adequados ao ambiente em que devam ser usados e os colocaremos a serviço da comunidade (GS 69):
Estimularemos os que se sentem chamados a compartilhar da sorte dos pobres, vivendo com eles e trabalhando com suas próprias mãos, de acordo com o decreto Presbyterorum Ordinis (n. 8).
Esperamos, também, que possam cada vez mais fazer participar de seus bens os outros, especialmente os mais necessitados, repartindo com eles não só o supérfluo, mas também o necessário e dispostos a colocar a serviço da comunidade humana os prédios e instrumentos de suas obras (GS 68).
A distinção entre o que pertence à comunidade e o que pertence às obras, permitirá a realização de tudo isto com maior facilidade. Igualmente, permitirá buscar novas formas para essas obras, da qual participem também outros membros da comunidade crista, em sua administração ou propriedade.
Este sentimento de amor ao próximo é efetivo quando se estuda e se trabalha tendo em vista a preparação ou a realização de um serviço para a comunidade; quando se trata de render e produzir mais para maior benefício da comunidade; quando se dispõe organicamente a economia e o poder em benefício da comunidade.
Precisamos acentuar esse espírito em nossa América Latina.
Queremos que nossa Igreja latino-americana esteja livre de peias temporais, de conveniências indevidas e de prestígio ambíguo; que livre pelo espírito dos vínculos da riqueza (Paulo VI, 24-8-68), seja mais transparente e forte sua missão de serviço; que esteja presente na vida e nas tarefas temporais, refletindo a luz de Cristo, presente na construção do mundo.
Queremos reconhecer todo o valor e autonomia legítima das tarefas temporais; servindo-nos delas, não queremos desvirtuá-las nem desviá-las de seus próprios fins (GS 38). Desejamos respeitar sinceramente a todos os homens, escutando-os para servi-tos em todos os seus problemas e angústias (GS 1,3) . Assim, a Igreja, continuadora da obra de Cristo, «que sendo rico se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza” (2 Cor 8,9), apresentará ao mundo um sinal claro e inequívoco da pobreza do Senhor.