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Bispos da América Latina
CONCLUSÕES DE MEDELLIN

XIII. FORMAÇÃO DO CLERO

1. Realidade da Igreja na América Latina

«A América Latina apresenta uma sociedade em mo­vimento, sujeita a transformações rápidas e profundaso (exortação de Paulo VI ao CELAM, 24 de novembro de 1965, IV 8) . Isto repercute na Igreja e exige dela uma to­mada de posição. A Igreja latino-americana deve exprimir seu testemunho e seu serviço neste continente, que enfren­ta problemas angustiosos como os de integração, desenvol­vimento, profundas modificações e miséria.

Por outro lado, diante dos múltiplos problemas de ti­po estritamente religioso, a Igreja está com um número cada vez mais escasso de sacerdotes, com estruturas mi­nisteriais insuficientes e às vezes inadequadas para um real trabalho apostólico.

Neste contexto colocamos a formação do clero, que deve ser instrumento fundamental de renovação de nossa Igreja e resposta às exigências religiosas e humanas de nosso continente.

  1. Estado atual da formação ao clero

    A restauração do diaconato permanente e os problemas particulares suscitados pela existência do sacerdó­cio nos leva ao estudo da situação atual da formação do clero.

  2. Diaconato permanente

    Em alguns países da América Latina já se desenvol­vem experiências de formação de diáconos. É cedo para emitir um juízo, porque sendo iniciativas incipientes, ain­da não alcançaram o suficiente grau de maturidade.

    Contudo, nota-se que a promoção do diaconato surgiu devido a determinadas exigências pastorais. Isso vem dan­do lugar a uma relativa pluralidade de formas na conce­pção, preparo e realização da ação dos candidatos ao dia­conato, de acordo com os ambientes regionais.

  3. Formação sacerdotal

    Seminaristas

    • Aspectos positivos: a juventude de nossos seminá­rios participa das inquietudes e dos valores dos jovens de hoje. Nota-se neles um desejo de autenticidade e sensibi­lidade aos problemas sociais, desejo de justiça e de participação nas responsabilidades nas transformações de hoje, maior desejo de vida comunitária, diálogo e sentido de Igreja como catolicidade; anelo de pobreza e busca de va­lores evangélicos; respeito à pessoa humana; espírito de iniciativa pastoral; sentido de liberdade e autonomia; de­sejo de trabalhar para inserir-se no ambiente e auxiliar em sua formação; apreço aos valores essenciais.

    • Aspectos negativos: da mesma forma, a crise vivi­da hoje pela juventude e pela sociedade se refletem na vida do seminário : tensões entre a autoridade e a obediência; ânsia de total independência; falta de equilíbrio para dis­cernir entre o positivo e o negativo das novidades que sur­gem dentro da vida da Igreja; rejeição de certos valores religiosos tradicionais; exagerado ativismo que leva a des­cuidar sua vida de relação pessoal com Deus; desconfian­ça dos adultos.

    Seminários

    • Aspectos negativos: nota-se uma crise nos semi­nários, que se manifesta principalmente numa baixa no­tável na perseverança e no ingresso cada vez menor de se­minaristas. Há, aqui, algumas causas reveladoras desta si­tuação: educadores insuficientemente preparados; falta de unidade de critérios na equipe de formadores e de seguran­ça entre os mesmos, para defender certos valores funda­mentais dentro da formação; deficiência de uma orientação segura e pessoal no que se relaciona com o crescimen­to na fé e na vocação específica sacerdotal nos candidatos; abertura às vezes muito brusca dos seminários, sem gra­duá-1a e sem preparar e assistir os seminaristas; falhas de formação para uma maturidade humana plena; carência em alguns seminários de um espírito autêntico de famí­lia; relaxamento na direção espiritual do seminário. Cer­tos fatores externos como a crise da atual figura do sa­cerdote, a valorização do leigo e do matrimônio como pos­sibilidades de participação na missão da Igreja e maiores oportunidades para a promoção social etc.

    • Aspectos positivos: nota-se uma ardente busca de soluções. As principais tentativas atualmente desenvolvi­das, entre outras, são :

    Em geral se verifica que há maior integração na equi­pe de educadores, atualização deste nível pessoal, através de cursos e encontros de reflexão, esforços de uma forma­ção mais pessoal dos seminaristas num ambiente de famí­lia; integração do seminário na comunidade eclesial e na comunidade humana, em maior contato com o bispo e os párocos com os seminários; maior sensibilidade para as realidades do mundo atual e da família; renovação dos mé­todos pedagógicos; aplicação de uma sã psicologia no dis­cernimento e orientação dos candidatos. Quanto ao semi­nário menor, maior incorporação do pessoal leigo, inclusi­ve feminino; abertura para uma formação fundamental­mente humana e cristã e uma orientação vocacional plu­ralista; criação de formas novas de seminários menores, tais como semi-internatos, externatos, assistência a clas­ses de colégios estatais, particulares, etc.

    No que respeita ao seminário maior: uma formação pessoal à base de equipes e pequenas comunidades, sobre o que a Santa Sé deu orientações precisas. No campo da formação intelectual: tendência a unir o pessoal de várias dioceses e comunidades em centros de estudos comuns e a freqüentar universidades católicas ou estatais, sobretudo para o estudo da filosofia (Carta do Cardeal Garrone, maio de 1968).

2. Pressuposto teológico

A razão de ser do seminário devemos colocá-1a dentro da perspectiva bíblica do chamado e resposta. Como centro de formação sacerdotal deverá partir, o seminário, da visão bíblica «Ex Hominibus Assumptuso «Pra Hominibus cons­titutos», para lograr aquela maturidade humana nos can­didatos que os capacite a tornarem-se guias de homens. Mais ainda que aos simples batizados, pede-se aos semi­naristas aquela maturidade cristã indispensável para serem idôneos do carisma sacerdotal, pelo qual são chamados a configurar-se com Cristo, Cabeça do Corpo Místico. Esta configuração com o sacerdócio ministerial de Cristo os si­tua num nível especificamente distinto do sacerdócio co­mum dos fiéis.

3. Orientações pastorais

De acordo com o que ficou dito e tendo em conta a situação latino-americana, e sem pretender esgotar todos os aspectos de formação contidos nos documentos do Con­cílio Vaticano II e da Santa Sé, permitimo-nos destacar os seguintes pontos:

  1. Formação espiritual

    Considerando o papel específico do sacerdote na Amé­rica Latina e as tarefas da pastoral que esta Conferência destacou, julga que a formação específica dos seminários deve insistir particularmente sobre algumas atitudes e vir­tudes sem pretender que elas sejam nem as únicas nem as principais.

    Capacidade para ouvir fielmente a Palavra de Deus

    Exige-se do sacerdote de hoje saber interpretar, ha­bitualmente, à luz da fé, situações e exigências da comu­nidade. Esta tarefa profética, por um lado, exige a capa­cidade de compreender, com a ajuda do laicato, a realida­de humana; exige, por outro, como carisma específico do sacerdote em união com o bispo, saber julgar as realidades que estão em conexão com o plano de salvação. Para che­gar a esta capacidade necessita-se de:

    • Uma profunda e continuada purificação inte­rior que dê capacidade ao homem para captar as autênti­cas exigências da Palavra de Deus (sentido da direção es­piritual).

    • Um «sensos fidei» que é aprofundado particu­larmente pela Sagrada Escritura, assimilada vitalmente pela oração pessoal, por uma ativa, consciente, frutuosa participação na liturgia e pelo estudo sério da mensagem; por um constante confronto com o ensino do magistério da Igreja. Com o mesmo fim parece necessário desenvol­ver uma forte paixão pela verdade e uma disposição habi­tual para defender-se da unilateralidade com uma busca e verificação comunitárias.

    Uma espiritualidade marcada pelos conselhos evangélicos

    • No período em que a pastoral latino-americana se acha comprometida com a promoção humana, a fim de que cada homem se realize a si mesmo e goze dos bens da natureza, é necessário que o sacerdote dê a seus irmãos, de maneira convincente, o testemunho de saber viver com equilíbrio e liberdade a renúncia daqueles bens da nature­za, sem lhes dar um valor absoluto, evitando assim que se repitam os erros de outros países.

    • O Concílio Vaticano II e o Sumo Pontífice rea­firmaram recentemente a vigência do celibato para os sa­cerdotes. Sendo o motivo central do celibato a entrega a Cristo, e por ele à Igreja, e constituindo ao mesmo tem­po uma forma de caridade pastoral que se confunde com a consagração total e é um testemunho escatológico para os homens, é necessário que se dêem aos seminaristas ba­ses muito sólidas para garantir seu cumprimento. Assim pois, dadas as circunstâncias concretas em que freqüente­mente o sacerdote latino-americano vive, é de particular importância uma cuidadosa formação dos seminaristas nesse sentido. Principalmente isso exige uma formação gradual, de acordo com o desenvolvimento físico e psico­lógico; capacidade para que realize uma escolha madura, consciente e livre; capacidade de amor e de entrega sem reserva, que exige uma fé forte, que o capacite a respon­der ao chamado de Deus; disciplina ascética e vida de ora­ção que o leve a uma maturidade no relacionamento com 0 outro sexo; uma realização do sentido da amizade e a capacidade para trabalhar em equipe com seus irmãos sa­cerdotes.

    Espírito de serviço

    O sacerdote está posto ao serviço do povo como Cristo. Isto exige que ele aceite sem limitações as exigên­cias e as conseqüências do serviço aos irmãos e, em pri­meiro lugar, saber assumir as realidades e “o sentido do povo” em suas situações e em sua mentalidade. Ele, com espírito de humildade e espírito de pobreza, antes de ensinar deve aprender, fazendo-se tudo para to­dos a fim de leva-los a Cristo. Experiência pessoal e amor a Cristo

    Assim como a Pedro, Cristo pede ao seminarista de hoje um serviço de entrega total, como resultado de amor pessoal a ele e ao Pai, pelo Espírito, já que Cristo não quer servos, mas amigos.

  2. Disciplina

    A disciplina é indispensável, não somente para a boa ordem, mas sobretudo para a formação da personalidade. É necessário que a disciplina seja objeto de uma adesão interior para o seminarista, o que só é possível se os jo­vens perceberem seu valor e se tiverem por objeto metas essenciais (tudo isto dentro das orientações do Concílio e de Paulo VI. Cf. 11; Paulo VI no Seminário Lombardo 1966).

  3. Formação intelectual

    Hoje mais do que nunca é urgente atualizar os estudos de acordo com as orientações do Concílio, insistindo naqueles aspectos que mais particularmente se relacionam com a situação atual do continente.

    • Nesse sentido cuide-se da pureza doutrinal, ante uma tendência de novidades não suficientemente fundamentadas (of. Discurso de Paulo VI na abertura da II Assembléia do CELAM) . Insista-se, além disso, em aprofundar-se de tal modo que se alcance um alto nível intelectual com vistas sobretudo à sua condição de pastor.

    • Dê-se uma importância particular ao estudo e investigação de nossas realidades latino-americanas em seus aspectos religioso, social, antropológico e sociológico.

    • Quanto ao professorado, constatada a capacitação dos futuros professores, há que procurar atualizá-los, por meio de encontros, cursos e institutos de alcance nacional e latino-americano, buscando ainda a colaboração de professores especializados que possam prestar serviços nos diferentes centros.

  4. Formação pastoral

    Há que cuidar que os professores de seminários tenham experiência pastoral e, ademais, que o clero este­ja convenientemente atualizado para que assim possa co­laborar eficazmente para a formação dos futuros sacerdo­tes.

    Numa forma mais concreta e em conformidade com sua futura atividade pastoral, providencie-se melhor preparação dos seminaristas em alguns aspectos de par­ticular importância de nosso ambiente latino-americano: formação básica sobre pastoral de conjunto, preparação para a iniciação e assistência às comunidades de base, con­veniente formação e treinamento da dinâmica de grupos e relações humanas e adequada informação para utilizar os meios de comunicação social.

    Por outro lado, deve-se procurar que partici­pem de atividades pastorais de forma gradual, progressi­va e prudente, especialmente na época de férias.

  5. Pastoral vocacional

    Sendo a pastoral vocacional a ação da comuni­dade eclesial sob a orientação da hierarquia para levar to­dos os homens a fazerem sua parte na Igreja, toda a co­munidade cristã, unificada e guiada pelo bispo, é responsá­vel solidamente pelo desenvolvimento vocacional, tanto no seu aspecto fundamental cristão, «a vocação», quanto em seus aspectos específicos: vocações sacerdotais, religiosas e leigas.

    Note-se que o sacerdote, por sua própria mis­são, deve ser o mediador mais direto nos chamados de Deus, pelo ideal que deve encarnar para a juventude, e porque, sendo fiel à sua vocação, será mais sensível aos chamados de Deus nos outros.

    Dado o fenômeno de um número cada vez mais crescente de jovens e mesmo de adultos, tenha-se cuidado especial na promoção e cultivo dessas vocações. Para isso é necessário uma pastoral juvenil que, para ser plenamen­te autêntica, deve levar os jovens a um amadurecimento pessoal e comunitário, e assim assumirem um compromis­so concreto ante a comunidade eclesial em alguns dos men­cionados estilos de vida.

  6. Pontos diversos

    Procure-se promover no seminário, uma reflexão contínua sobre a realidade em que vivemos, a fim de que se saiba interpretar os sinais dos tempos e se criem atitudes e mentalidade pastoral adequadas.

    Todos os que participam da vida do seminário, sejam quais forem os seus graus, devem-se considerar co­mo educadores.

    Verifica-se, na América Latina, uma busca de novas formas de preparação de sacerdotes. Tenha-se em con­ta que, para que tais experiências sejam fecundas, devem ser preparadas refletidamente, aprovadas pelas autorida­des competentes, bem compreendidas pelos interessados, acompanhadas, controladas e avaliados os seus resultados, tendo sempre em conta sua reversibilidade. Ademais, se­ria desejável que, uma vez demonstrada sua validade, fos­se comunicada às Conferências Episcopais dos distintos países, para utilização comum.

    Por razões óbvias, é conveniente que a formação dos seminaristas, em geral, seja realizada no seu próprio ambiente.

    Julga-se conveniente que os sacerdotes de outros países designados para trabalhar na formação do clero, sigam cursos de adaptação em centros nacionais ou internacionais e que completem um período prudencial de trabalho pastoral.

    Para uma maior economia de forças e melhora­mento do ensino, recomendam-se iniciativas como: semi­nários regionais e internacionais, cuidando que haja simul­taneamente uma integração dos bispos responsáveis e que, na medida do possível, abranjam zonas humana e pasto­ralmente homogêneas. Igualmente recomendam-se institu­tos e faculdades de filosofia e teologia comuns para os can­didatos ao clero diocesano e religioso. Isto ajudará a pro­mover maior integração no futuro trabalho pastoral e me­lhor inserção na realidade do mundo atual.

    Considera-se de muita utilidade que se intensi­fique a colaboração mútua e as relações entre o CELAM e OSLAM (Organização de Seminários Latino-America­nos) com as Comissões Episcopais de Seminários e com as Conferências Nacionais de Religiosos, havendo uma in­formação mútua sobre os problemas de cada um.

  7. Diaconato

    Em seguida assinalamos algumas orientações gerais no que se refere à formação dos diáconos permanentes.

    • Fator indispensável na formação do futuro diá­cono será a colaboração recíproca entre este e a comuni­dade. Quer dizer que o candidato amadurece sua formação atuando na comunidade e esta também contribui para formá-lo. Além disso, os métodos de formação terão de le­var em conta a psicologia do adulto, excluindo todo tipo de formação massificadora e utilizando os métodos ativos.

    • A primeira preocupação dos responsáveis da formação do futuro diácono será a de prepará-1o para que seja capaz de criar novas comunidades cristãs e ativar as existentes, para que o ministério da Igreja possa realizar-se nelas com maior plenitude.

    • Em vista do que acima ficou dito, é necessário despertar nos candidatos uma espiritualidade diaconal pró­pria, que nos casados se una a uma autêntica espirituali­dade conjugal.

    • Considerando-se as diversas tarefas que o mi­nistério diaconal terá de realizar na América Latina, será necessário que a formação intelectual seja ao mesmo tem­po adequada às funções que terão de cumprir e ao nível cultural do ambiente.

    • Ademais, de acordo com as condições da Igreja na América Latina, na formação do diácono, cuidar-se-á também de capacitá-1o para uma ação efetiva no terreno da evangelização e do desenvolvimento integral.

    • Recomenda-se que haja nas dioceses, região ou país, equipes responsáveis pela formação dos candidatos que poderão ser integradas por presbíteros, diáconos, re­ligiosos e leigos.