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1. Observações sobre a situação atual
a. Motivação
As grandes mudanças do mundo de hoje na América Latina afetam obrigatoriamente os presbíteros no seu ministério e em sua vida. Por isso nós, os bispos, tentamos refletir com o propósito de contribuir para o orientamento da renovação sacerdotal nesta hora complexa do continente.
b. Diversidade da situações concretas
As conseqüências das mudanças não são as mesmas em todos os países, nem em todos os setores de cada país. Afetam de modo particular as pessoas jovens e os sacerdotes que estão comprometidos nos pontos-chaves da presente situação de mudança. Estas conseqüências se caracterizam de modo particular pela maior valorização de alguns aspectos do ministério e da vida sacerdotal e pelo menosprezo de outros. Em ambos os casos existem elementos positivos e negativos. A soma desses elementos dá um total, em definitivo, construtivo e gerador de esperança. O quantitativo e o qualitativo em relação aos sacerdotes como causa global da insuficiência pastoral na América Latina leva-se muito em conta a escassez numérica dos sacerdotes, além do crescimento demográfico. E isto é verdade: apesar da generosa integração de presbíteros enviados pelas Igrejas-irmâs e apesar de não poucas famílias religiosas procurarem estabelecer núcleos em zonas ainda não providas de clero diocesano. Reconhecemos, contudo, que existem erros de ordem distributiva que influem na qualidade do trabalho pastoral como por exemplo:
O sacerdócio hierárquico é enriquecido certamente pela ação renovadora do Espírito Santo que provê sempre de carismas a sua Igreja. É, sem dúvida, possível comprovar que neste campo os superiores nem sempre prestam suficiente atenção à diversidade carismática, o que afeta negativamente o ministério sacerdotal. Por outro lado, não faltam sacerdotes que confundem os dons do Espírito Santo com simples inclinações naturais ou interesses individuais sem levar em conta as perspectivas da comunidade, para cujo exercício são outorgados os carismas.
d. Aspectos da crise pessoal
Percebe-se, além disso, neste momento de transição, uma crescente desconfiança nas estruturas históricas da Igreja, que chega, em alguns, ao menosprezo de tudo o que foi instituído, comprometendo os próprios aspectos da instituição divina. Parece-nos que este perigo para a fé é, definitivamente, o elemento mais pernicioso para o presbítero de hoje.
Alguns apoiam seus argumentos em razões do tipo pastoral ou psicológico ou aduzem reflexões teológicas que delimitam a distinção entre carisma e ministério, enquanto outros pretenderiam diminuir a força do próprio compromisso assumido na consagração.
Nesta ordem de coisas é preciso assinalar, sobretudo, um perigoso ofuscamento, em alguns, do valor do magistério papal e episcopal, que pode levar não só a uma falta de obediência mas também de fé.
a. Sacerdócio de Cristo
O ministério hierárquico da Igreja, sacramento na terra desta única mediação, faz com que os sacerdotes atuem entre os homens "in persona Christi". A eles também se aplica parcialmente o que Paulo VI dissera de Cristo sumo e eterno Sacerdote « . . . não és diafragma, mas passagem; não és obstáculo, mas sim caminho; não és um profeta qualquer, mas o intérprete único e necessário do mistério religioso . . . és a ponte entre o reino da terra e o reino do céu. . . és necessário, és suficiente para nossa salvação . . . » (Dist. de 22-8-68, em Bogotá).
Os bispos, com os presbíteros, receberam "o ministério da comunidade" (of. LG 20), pelo qual devem dedicar-se a edificar e a guiar a comunidade eclesial como sinais e instrumentos de sua unidade (cf. PO 6).
Os presbíteros atuam na comunidade como membros específicos que compartilham com todo o povo de Deus o mesmo ministério e a mesma e única missão salvadora. Os leigos, por seu sacerdócio comum, gozam na comunidade do direito e têm o dever de contribuírem com uma indispensável colaboração para a ação pastoral (of. AA 3) . Por isso, é dever dos sacerdotes dialogar com eles não de maneira ocasional, mas de maneira constante e institucional. O mesmo diga-se a respeito das religosas e dos religiosos não-presbíteros.
d. Serviço ao mundo
A consagração sacramental da Ordem situa o sacerdote no mundo a serviço dos homens. É de particular importância sublinhar que a «consagração sacerdotal é conferida por Cristo para a «missão» de salvação do homem. Isto exige de todo sacerdote uma especial solidariedade de serviço humano, que seja expressa em uma viva dimensão missionária, que o faça colocar suas preocupações ministeriais a serviço do mundo com seu grandioso futuro e seus humilhantes pecados, e um contato inteligente e constante com a realidade, de tal maneira que sua consagração resulte num modo especial de presença no mundo, e não em uma segregação dele.
Nesta tarefa cabe ao sacerdote um papel específico e indispensável. Ele é meramente um promotor do progresso humano. Descobrindo o sentido dos valores temporais, deverá procurar conseguir «unindo o esforço humano, familiar, profissional, científico e técnico, uma síntese vital com os valores religiosos, sob cuja altíssima hierarquia tudo coopera para a glória de Deus» (GS 43) . Mas para isso deve esforçar-se, pela palavra e pela ação apostólica não só sua mas também da comunidade eclesial, para que todo o trabalho temporal adquira seu pleno sentido de liturgia espiritual, incorporando-o de maneira vital na celebração da Eucaristia.
a. Espiritualidade
Dentre as exigências desta espiritualidade nenhuma é superior nem mais necessária que a de uma profunda e permanente vida de fé. Por ela o sacerdote deve tornar clara a perfeita unidade de Cristo com o Pai «quem me vê, vê ao Pai» (Jo 14,9) ; e poder testemunhar com São Paulo «sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo» (1 Cor 11,1).
O que importa, pois, antes de mais nada, é que o sacerdote seja homem de oração por antonomásia. Um sacerdote, cuja vida não for testemunha deste espírito de fé, jamais poderá ser reconhecido como digno ministro de Cristo Senhor.
No exercício desta caridade que une o sacerdote intimamente com a comunidade, encontrar-se-á o equilíbrio da personalidade humana, feita para o amor, e se redescobrirão as grandes riquezas contidas no carisma do celibato, em toda sua visão cristológica, eclesiológica, escatológica e pastoral (of. Encíclica: Sacerdotahs coelibatus).
Uma clara conseqüência da orientação conciliar é a superação da uniformidade da figura do presbítero; os sacerdotes «...quer exerçam o ministério paroquial ou supraparoquial, quer se dediquem às investigações ou ao ensino, quer trabalhem manualmente, compartilhando da sorte dos próprios operários... quer, enfim, levem a cabo outras obras apostólicas ou relacionadas com o apostolado» (PO 8), exercerão seu ministério em consonância com a exigência pastoral das diferenças carismáticas.
É mister, entretanto, lembrar com respeito aos carismas, que compete aos que presidem a Igreja julgar da autenticidade e ordenado exercício de tais dons (of. LG 12 e AA 3) . Neste campo é preciso que haja uma planificação pastoral para melhor distribuição dos sacerdotes tanto quantitativa quanto qualitativamente.
c. Diálogo e cooperação
d. Valores culturais
É hoje urgente tornar possível a atualização cultural dos presbíteros, proporcionando-lhes tempo e meios adequados.
Em primeiro lugar, será necessário ajudá-los a assimilarem com a devida profundeza as grandes metas de orientação teológica do Concílio e os principais progressos das ciências da revelação. Além disso, é preciso maior adaptação a todo o progresso humano; a missão do presbítero, na verdade, exige uma cultura autêntica e dinâmica, contentemente atualizada e aprofundada, que não se reduza a mero cultivo intelectual, mas que abranja todo o sentido da "humanitas" enriquecida pelos valores vividos sacerdotalmente (cf PO 3).
e. Modo de vida
Uma das características indispensáveis da espiritualidade sacerdotal, especialmente requerida por nossa situação continental, é a pobreza evangélica.
Os presbíteros devem ser testemunhas do Reino, sendo pobres pelo espírito e imitando Jesus Cristo, mas valorizando e usando de maneira pastoral os bens econômicos em favor de Cristo pobre, presente todos os dias na pessoa dos necessitados. A pobreza evangélica, que é vivida na Igreja de acordo com as diferentes vocações, terá que concretizar-se, para os presbíteros diocesanos, num modo de vida que lhes dê as possibilidades econômicas, condizentes com um ministério de especial situação comunitária.
Deverá ser preocupação dos bispos com seu presbitério cuidar da realização concreta de um sistema de sustentação dos presbíteros que, por um lado, evite toda a aparência de lucro com relação ao sagrado e, por outro lado, distribua eqüitativamente as rendas diocesanas reunidas de maneira solidária por todas as paróquias (of. PO 21). Em particular as Conferências Episcopais consigam quanto antes o funcionamento de uma previdência social adequada para o clero.
4. Saudação fraternal
a. A nossos presbíteros
Nós, bispos, sentimo-nos unidos a todos os queridos irmãos que, na serenidade e na paz, vêm enfrentando problemas e inquietude que põem em relevo a riqueza de seu amor pela Igreja e pelos homens. Unidos procuramos dar nossa resposta aos problemas do homem atual. Pensaremos juntos, apoiando-nos no dom de Deus para discernir os sinais dos tempos. Encontraremos no Evangelho a imagem mais nítida de Cristo Senhor. Contamos com sua ajuda para levar a cabo este serviço em uma Igreja que empreende com prazer e confiança a tarefa de conduzir com Cristo, Pastor eterno, todos os homens à casa do Pai.
É de justiça, em particular, manifestar nosso reconhecimento a todos os sacerdotes que, em passado remoto ou próximo viveram, trabalharam e se entregaram aos povos da América Latina.
Não podemos tampouco deixar de testemunhar nosso íntimo reconhecimento aos numerosos sacerdotes e religiosos das Igrejas irmãs que, deixando pátria, tradições e amigos, vieram juntar-se à tarefa apostólica que sozinhos não poderíamos consumar.
b. Aos que estão em crise
Dirigimo-nos, além disso, aos nossos queridos cooperados que estão padecendo as angústias de muitas e variadas crises depois de anos vividos na fidelidade e abnegação. Reconhecemos que sua situação é fruto, às vezes e em parte, de sinceridade e autenticidade. Que exista entre nós uma recíproca confiança e apesar de nossas deficiências e até possíveis, embora não intencionais, falhas, acreditem com espírito elevado que nós, por disposição divina, somos também com respeito a tudo isso, responsáveis perante Deus.
Permitam que os ajudemos e, na convivência com os irmãos presbíteros, que vivem e sofrem na senda do Senhor, procurem amparo e solidariedade. Acima de tudo, não se afastem do contato íntimo e confiante com Cristo, que não os considera servos, mas sim amigos. Saibam também que por eles oramos ao Pai das luzes.
c. Aos que se afastaram
Aos presbíteros que, com ou sem consentimento da autoridade competente, como resultado de uma crise, que em última instância só a Deus cabe julgar, afastaram-se do presbitério, dizemos que os reconhecemos marcados com o caráter do sacerdócio e que os respeitamos como irmãos, amando-os como filhos.
Encontrarão sempre nosso coração aberto para prestar-lhes ajuda, na medida de nossas possibilidades para que, conservando ou recuperando o vínculo visível da união essencial da Igreja de Cristo, dêem testemunho do Reino para o qual foram consagrados.