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Bispos da América Latina
CONCLUSÕES DE MEDELLIN

X. MOVIMENTOS LEIGOS

1. Constatações

  1. Em outros documentos, e de diferentes ângulos, assinalou-se a presença dos leigos no processo de transformação de nosso continente.

    Neste documento nos propomos rever a dimensão apostólica dessa presença no momento histórico em que todos estamos vivendo na América Latina.

  2. Recordemos mais uma vez que o momento histórico atual de nossos povos, se caracteriza na ordem social e do ponto de vista objetivo, por uma situação de subdesenvolvimento, revelada por fenômenos maciços de marginalidade, alienação e pobreza, e condicionada, em última instância, por estruturas de dependência econômica, política e cultural em relação às metrópoles industrializadas, que detêm o monopólio da tecnologia e da ciência (neocolonialismo, of. PP n. 3) .

    Do ponto de vista subjetivo, nosso continente se caracteriza pela tomada de consciência dessa situação, que provoca em amplos setores dos povos latino-americanos atitudes de protesto e aspirações à libertação, ao desenvolvimento e à justiça social.

    Esta complexa realidade, historicamente, coloca os leigos latino-americanos ante o desafio de um compromisso libertador e humanizador.

  3. Por um lado, a modernização refletida nos setores mais dinâmicos da sociedade latino-americana, acompanhada pela crescente tecnização e aglomeração urbana, manifestou-se em fenômenos de mobilidade, socialização e divisão do trabalho, cujo efeito foi carrear importância crescente aos grupos e ambientes funcionais - fundados sobre o trabalho, a profissão ou a função - em relação às comunidades tradicionais de caráter de vizinhança ou territorial.

    Os ditos meios funcionais constituem em nossos dias os centros de decisão mais importantes no processo de transformação social, e os focos onde se condensa, ao máximo, a consciência da comunidade.

    Estas novas condições de vida obrigam os movimentos leigos da América Latina a aceitarem o desafio de um compromisso de presença, de adaptação permanente e de criatividade.

  4. A insuficiente resposta a estes desafios e, muito especialmente, a inadequação às novas formas de vida que caracterizam os setores dinâmicos de nossa sociedade, explicam em grande parte as diferentes formas de crises que afetam os movimentos leigos.

    Muitos deles, com efeito, empreenderam um trabalho decisivo em seu tempo, mas, por circunstâncias posteriores, ou se fecharam em si mesmos, ou se aferraram indevidamente a estruturas demasiado rígidas, ou não souberam situar devidamente seu apostolado no contexto de um compromisso histórico libertador.

    Por outro lado, muitos destes movimentos não refletem um meio sociológico compacto, ou talvez não tenham adotado a organização e a pedagogia mais apropriadas a um apostolado de presença e compromisso nos ambientes funcionais, onde, em grande parte, fermenta o processo de transformação social.

  5. Finalmente, entre os fatores que favorecem a crise de muitos movimentos, assinalam-se também a pequena integração do leigo latino-americano na Igreja, o freqüente desconhecimento, na prática, de sua legítima autonomia e a falta de assessores devidamente preparados para as novas exigências do apostolado dos leigos.

  6. Finalmente, não é possível desconhecer os valiosos serviços que prestaram e continuam prestando com renovado vigor os movimentos leigos à promoção cristã do homem latino-americano. Sua presença em muitos ambientes, apesar dos obstáculos e das dolorosas crises de crescimento, é cada vez mais efetiva e notória. Por outro lado, na elaboração de muitas renovações acolhidas e confirmadas pelo Vaticano II, não se pode deixar de ver o trabalho e a reflexão de muitas gerações de militantes cristãos.

2. Critérios teológico-pastorais

  1. No seio do Povo de Deus, que é a Igreja, há unidade de missão e diversidade de carismas, serviços e funções «obra do único e mesmo Espírito» (1 Cor 12,11), de sorte que todos, a seu modo, cooperem unanimemente na obra comum (of. LG 32 e 33).

  2. Os leigos, como membros da Igreja, participam da tríplice função profética, sacerdotal e real do Cristo, em vista da realização da sua missão eclesial. Todavia, realizam especificamente esta missão no âmbito do temporal, em vista da construção da história, «exercendo funções temporais e ordenando-as segundo Deus» (LG 31).

  3. O que tipifica o papel do leigo é seu compromisso com o mundo, entendido como quadro de solidariedade humana, como trama dos acontecimentos e fatos significativos, em uma palavra, como história.

    Pois bem, comprometer-se é ratificar com ações a solidariedade em que todo homem se encontra imerso, assumindo tarefas de promoção humana na linha de um determinado projeto social.

    O compromisso assim entendido, na América Latina, deve estar impregnado pelas circunstâncias peculiares de seu momento histórico presente, pelos signos da libertação, da humanização e do desenvolvimento.

    Nunca é demais dizer que o leigo goza de autonomia e responsabilidade próprias para optar por seu compromisso temporal. A Gandium et Spes assim o reconhece, quando diz que os leigos «conscientes das exigências da fé e vigorizados por suas próprias energias, empreendam, sem vacilar e quando seja necessário, novas iniciativas e levem-nas a bom termo (...) Não pensem que seus pastores estejam sempre em condições de poder dar-lhes de imediato soluções concretas em todas as questões, por mais graves que surjam. Não é esta sua missão. Cumpram os leigos melhor suas missões específicas, à luz da sabedoria crista e com a observância atenta da doutrina do magistério» (GS 43).

    E, como diz a Populorum Progressio em seu final: «Aos leigos, por sua livre iniciativa e sem esperar passivamente ordens e diretrizes, pertence impregnar de espírito cristão a mentalidade, os costumes, as leis e as estruturas da comunidade em que vivem» (n. 81).

  4. Por mediação da consciência, a fé - que opera pela caridade - está presente no compromisso temporal do leigo como motivação, iluminação e perspectiva escatológica, e dá sentido integral aos valores baseados na dignidade humana, na união fraternal e na liberdade, que «voltaremos a encontrar limpos de toda a mancha, iluminados e transfigurados, no Dia do Senhor» (GS 39). "Ensina também a Igreja que a esperança escatológica não diminui a importância das tarefas temporais, mas, pelo contrário, proporciona novas motivações, para seu exercício" (GS 21).

  5. Pois bem, como a fé exige ser compartilhada e por isso mesmo implica uma exigência de comunicação ou de proclamação, compreende-se a vocação apostólica dos leigos dentro, e não fora, de seu próprio compromisso temporal.

    Mais ainda: ao ser assumido este compromisso no dinamismo da fé e da caridade, ele adquire em si mesmo um valor de testemunho e se confunde com o testemunho cristão. A evangelização do leigo, nesta perspectiva, nada mais é que a explicação ou a proclamação do sentido transcendente deste testemunho.

    Vivendo "nas ocupações e nas condições ordinárias de vida familiar e social, pelas quais sua existência está como que tecida", os leigos são chamados por Deus ali mesmo "para que, desempenhando sua própria profissão e guiados pelo espírito evangélico, contribuam para santificação do mundo, penetrando-o como fermento... A eles, pois, corresponde iluminar e ordenar as realidades temporais, às quais estão estreitamente vinculados" (LG 31).

  6. O apostolado leigo terá maior transparência de sinal e maior densidade eclesial, quando apoia seu testemunho em equipes ou comunidades de fé, nas quais o Cristo prometeu especialmente estar presente (Ml 18,20) . Deste modo, os leigos cumprirão mais cabalmente sua missão de fazer com que a Igreja «aconteça» no mundo, na tarefa humana e na história.

3. Recomendações pastorais

Tendo em conta as numerosas recomendações pastorais já desenvolvidas em outros documentos desta Conferência sobre o papel dos leigos na América Latina, atemo-nos apenas às seguintes:

  1. Atendendo às prioridades evidentes, derivadas da situação latino-americana que descrevemos acima com especial ênfase e urgência, deve ser promovida a criação de equipes apostólicas ou de movimentos seculares nos lugares ou estruturas funcionais, sobretudo naquelas onde se elabora e se decide o processo de libertação e humanização da sociedade a que pertencem, dotando-os de uma estrutura adequada e de uma pedagogia baseada no discernimento dos sinais dos tempos, no cerne dos acontecimentos.

  2. Reconhecendo a crescente interdependência entre as nações e o peso das estruturas internacionais de dominação, que condicionam de forma decisiva o subdesenvolvimento dos povos periféricos, os leigos devem assumir seu compromisso cristão ao nível dos movimentos e organismos internacionais para promover «o progresso dos povos mais pobres e favorecer a justiça entre as nações (PP 5) .

  3. As equipes ou movimentos que já existirem para tais tarefas devem ser apoiadas decididamente, e que não se abandone seus militantes quando, pelas implicações sociais do Evangelho, são levados a compromissos que ocasionam dolorosas conseqüências.

  4. Os movimentos de apostolado dos leigos, situados no plano de uma mais estreita colaboração com a hierarquia e que tanto contribuíram para a ação da Igreja, continuam tendo vigência como apostolado organizado. Hão de ser, portanto, promovidos, ainda que se deva evitar "ir para além do limite de vida útil de associações e métodos antiquados" (AA 19 d) .

  5. Deve ser fomentada uma espiritualidade própria dos leigos, baseada em sua própria experiência de compromisso com o mundo, ajudando-os a se entregarem a Deus, entregando-se aos homens. Ensinando-os a redescobrir o sentido da oração e da liturgia como expressão e alimento dessa dupla e recíproca doação. «Seguindo o exemplo do Cristo, que exerceu o artesanato, alegrem-se os cristãos de poder exercer todas as suas atividades temporais, fazendo uma síntese vital do esforço humano, familiar, profissional, científico ou técnico, com os valores religiosos, tudo cooperando para a glória de Deus» (GS 43).

  6. Finalmente, que se preste o devido reconhecimento e apoio a todos os movimentos internacionais de apostolado dos leigos, que através de seus organismos de coordenação promovem e edificam com tanto sacrifício o apostolado neste continente, atentos às exigências peculiares de sua problemática social.