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INTRODUÇÃO À TEOLOGIA MEDIEVAL
Autores: Paul Gilbert
Editora: Loyola
Páginas: 156
Formato: 21 x 14 cm
Preço: * * *

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» APRESENTAÇÃO

A tarefa de introduzir a teologia medieval é quase impossível. As edições dos textos antigos multiplicaram-se. Começamos a descobrir a imensa variedade de um pensamento que resistes às simplificações impostas pela ignorância, ingênua ou proposital, de alguns modernos. As fontes medievais da teologia vão se tornando mais bem conhecidas e seus significados estudados de modo cada vez mais perspicaz, graças sobretudo à ousadia de algumas revistas e coleções.

Para não se perder em tal acúmulo de documentos ou de informações, o autor decidiu assumir um ponto de vista amplo o bastante para abranger, de maneira significativa e unificada, mais de dez séculos, demonstrando como a reflexão teológica pouco a pouco tomou consciência de sua identidade formal em função dos "modelos científicos" oferecidos pelas culturas em que se desenvolveu.

Após um primeiro capítulo em que o autor justifica seu ponto de vista - o da determinação da forma racional da teologia - percorre os vários séculos da Idade Média, detendo-se em autores que assinalaram a progressão de tal período de maneira decisiva.

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Bíblia e Tradição na Idade Média

A Revelação, afirma o Concílio Vaticano II na encíclica Dei Verbum (7-10), é transmitida pela Escritura e pela Tradição. À primei­ra vista, essas duas fontes seguem-se uma à outra. De fato, o texto da Biblia precede a tradição apostólica que o Magistério da Igreja desco­bre progressivamente. Desse modo, a origem primeiríssima do traba­lho teológico parece ser a Escritura. Alguns teólogos modernos dedu­ziram disso que, para ser mais imediatamente próximos à Palavra de Deus, devem apoiar-se em primeiro lugar na Biblia, e depois eventu­almente na Tradição. Ora, a Idade Média, que conhece essas duas fontes e não as confunde, não separa nunca a Escritura de sua inter­pretação atual. Em conseqüência, pensam esses teólogos, a teologia da Idade Média não estaria fundada sobre bases sólidas. Esses pon­tos de vista são, todavia, demasiado simplistas, pois a Bíblia resulta também de uma tradição gradual, como mostrou a exegese científica há mais de um século. As duas formas da Revelação representam, portanto, uma Tradição, mas cada uma de maneira diferente. Aliás, a hermenêutica contemporânea concedeu não poucos matizes à pre­tensão de chegar à letra da Escritura na pureza de sua "objetividade".

Acenemos, agora, brevemente à Tradição Apostólica durante a Idade Média; falaremos em seguida da Escritura. As decisões do Magistério, sobretudo as conciliares e sinodais, antes da reforma gregoriana do século XI, não eram raras. Mas não se tornavam objeto de meditação por parte dos teólogos, como acontecia com a Bíblia; elas sancionavam mais freqüentemente as disputas teológicas quan­do a paz da Igreja e a unidade da fé eram postas em perigo. Não insistiremos, portanto, neste livro, em tal tradição.

Eis um elenco dos principais concílios medievais (em maiúscu­las os concílios ditos ecumênicos e entre parênteses o seu objetivo mais importante):

A Idade Média viu nascer inumeráveis comentários da Escritu­ra, em primeiro lugar fruto da oração e do estudo nos monastérios, em seguida, a partir do século XII, resultado do ensinamento universitário. A Bíblia é a obra mais lida durante toda a Idade Média. A exegese desse periodo não parece preocupar-se muito com as ques­tões históricas. Os escritores da época não consideravam necessário verificar a exatidão histórica dos enunciados escriturísticos. A res da Escritura, segundo a definição clássica da verdade como adaequatio rei et inteilectus, não representa para eles um acontecimento históri­co como outro fato qualquer. Os autores da Idade Média, atentos mais à res da fé do que aos fatos do passado, não se interrogaram sobre a referência factual das narrativas bíblicas, ainda que, como veremos, Tomás de Aquino insista no respeito devido à verdade his­tórica indicada pela letra. A res da Escritura é um mistério de Reve­lação e de Redenção e não um fato a ser inserido entre as "datas" de nossa história.

Numerosas razões práticas também impediam que os autores se pusessem questões de história objetiva, entre elas principalmente o desmoronamento da cultura sob os golpes dos bárbaros. O conhe­cimento do grego, que desapareceu com o saque de Roma, não retornará antes do século XII, salvo raras exceções. O hebraico era ainda menos acessível. Os textos não podiam, portanto, ser interpre­tados em sua língua original. Além disso, a Escritura é habitualmente lida como lectio divina: serve para edificar a alma e não tanto para informar o intelecto sobre as estruturas racionais dos mistérios reve­lados, ao menos até o século XII. É possível que o desmoronamento cultural, conseqüência das contínuas invasões das hordas bárbaras, tenha provocado o empobrecimento da investigação especulativa. Com efeito, essas perspectivas críticas não foram ignoradas nos pri­meiros tempos, por exemplo por Origenes e Agostinho. Contudo, durante a alta Idade Média era mais urgente reconstruir a interio­ridade espiritual. Seja como for, durante alguns séculos a Escritura é percebida sobretudo como um texto de edificação.

A transmissão do texto, por outro lado, tornava problemática a sua exatidão e faltavam os meios para remediar essa lacuna. As pri­meiras traduções latinas da Bíblia vieram à luz bastante rapidamen­te, a partir do momento em que os ambientes romanos cultos con­verteram-se ao cristianismo. São Cipriano foi a primeira testemunha de uma Bíblia latina inteiramente traduzida do grego, que foi chama­da "Versão Africana" e cujos autores, sem dúvida variados, seguiram critérios de trabalho bastante coerentes uns com os outros. Essa ver­são foi difundida na Europa, mas adaptada às línguas das diversas comunidades, sobretudo ali onde era empregada na liturgia; daí as numerosas versões nacionais da Biblia, que seriam depois reunidas na Vetus Latina, a qual não era, todavia, aceita em toda parte, não obstante seu caráter comum. Santo Agostinho, por exemplo, elabo­rou uma versão pessoal da Escritura utilizando fontes mais ecléticas.

São Jerônimo revisou, a princípio, os Evangelhos e os Salmos litúrgicos da Vetus Latina, mas sem que essa sua obra obtivesse gran­de resultado. Iniciou em seguida uma nova tradução do conjunto da Escritura, a princípio partindo de um texto comumente aceito e atri­buído a Orígenes, os famosos Hexaples, e posteriormente utilizando o texto massorético recebido das sinagogas. Sua imensa cultura e sua prodigiosa memória permitiam-lhe completar suas fontes com ou­tros textos, alguns deles siríacos. O conjunto dessa obra deu lugar à chamada Vulgata. A tradução que se deve propriamente a Jerônimo permanece, todavia, parcial. Na Vetus Latina, o texto das cartas de São Paulo foi corrigido por um autor quase contemporâneo do céle­bre tradutor e foi introduzido na Vulgata somente após ulteriores correções. Numerosos textos originais gregos, como o Sirácida ou o Livro da Sabedoria, foram também traduzidos e introduzidos em seguida na obra de Jerônimo, que se vê, portanto, considerado res­ponsável até pelo que não é seu. A Vulgata foi, assim, progressivamente crescendo, século após século. O Livro de Baruc, por exemplo foi integrado somente por volta de 800 por Teodolfo de Orléans, que o recompusera a partir de dois textos paralelos mantidos lado a lado nas Bíblias espanholas. A Vulgata de Jerônimo não foi, entretanto, universalmente acolhida com entusiasmo. Gregório de Tours, por exem­plo, no século VI, adotou dela somente o Pentateuco e os Profetas.

Além disso, o texto de Jerônimo foi alterado bastante rapi­damente pelos costumes litúrgicos que tentavam preservar os direi­tos da Vetus Latina e de suas versões nacionais. Daí o esforço inces­sante para melhorar o texto, como ocorreu, por exemplo por obra de Alcuino. Abade de São Martinho de Tours (uma abadia célebre por seu scriptorium) por volta dos anos 800, Alcuíno efetuou a revisão da Biblia baseando-se mais na Vulgata do que na Vetus Latina. Empe­nhou-se sobretudo em corrigir os erros de ortografia e de gramática e em retificar o estilo às vezes contaminado por toscos barbarismos.

Ao fazê-lo, Alcuino aplicava as instruções da Epistola de litteris colendis, com a qual Carlos Magno encorajava o clero a se dedicar ao estudo das letras a fim de melhor compreender a Escritura. Na mes­ma época, Teodolfo de Orléans reúne os melhores manuscritos que pode encontrar para extrair deles o próprio texto. Paralelamente a essas tentativas, começaram a aparecer algumas traduções nas lín­guas locais. Beda, o Venerável, traduziu em anglo-saxão os capítulos de 1a 6,9 de Jeremias. Em língua alemã encontram-se uma tradução do Diatessaron de Taciano, feita no século X, e alguns fragmentos do Evangelho segundo Mateus datados do século XI.

A história da Vulgata, entre os séculos X e XI, ainda está por ser escrita. A atual numeração dos capítulos remonta àquela época. Os bibliófilos sabem que as Bíblias do século XII são particularmente pequenas, por assim dizer de bolso, o que era indispensável para poder viajar rapidamente! Foi somente por volta de 1455 que a Uni­versidade de Paris - a qual, em 1226, já encomendara a alguns copistas uma Biblia orgânica, mas que era, de fato, bastante falsificada - adotou uma versão oficial da Vulgata, que foi o primeiro texto impresso por Gutenberg. Esse texto, na realidade, não era muito bom. Erasmo o criticou. A Sorbonne, ofendida, endureceu-se e obrigou-o a aceitá-lo, apesar de Roma ver com bons olhos possíveis aperfeiçoa­mentos. A história da Vulgata entrou, então, numa tormenta tal que supera os limites de nossa Introdução. Assinalemos somente suas últimas peripécias. Pio X, em 1907, nomeou uma comissão que tinha a tarefa de revisá-la. Essa comissão, que em 1926 publicou o Gênesis, leva a termo seus trabalhos. Além disso, Paulo VI favoreceu a publi­cação (primeira edição em 1979 e segunda em 1986) de um texto chamado Neo-Vulgata e que, em uma perspectiva litúrgica, reexaminou o latim das versões precedentes.

O estado incerto dos textos bíblicos não impediu que os teólogos medievais neles meditassem para elaborar suas sínteses. O fato é que a precisão literal não parece ter sido um critério primeiro para eles. A Escritura deve ser acolhida no Espírito, entendida na fé, a única capaz de fazer com que seu sentido exato seja reencontrado. A polêmica do século XVI acusou a Igreja de ter ocultado a Bíblia do povo. Mas não é verdade. Já mencionamos algumas tentativas de tradução da Bíblia nas línguas locais. Além do mais, toda a arte medieval falava da Bíblia, narrava as histórias bíblicas que enalteciam os mistérios da bondade de Deus e da doçura do Salvador. A cultura medieval, tanto a da baixa Idade Média como a dos primeiros séculos do segundo milênio, não existiria se a Bíblia não tivesse sido comentada extensamente. Quem não conhece a Escritura não pode compreender nada dos capitéis romanos, dos tímpanos das catedrais góticas, das fachadas dos domos italianos. O que seria a história do Graal sem o sopro do Evangelho que envolveu todos os desejos do homem? A Bíblia esteve maciçamente presente em toda a extensão da Idade Média.

Os autores, contudo, não eram sensíveis à unidade própria de cada livro. Procuravam acima de tudo reencontrar em cada texto sin­gular a unidade de sua fé. A diversidade dos Evangelhos não era entendida como uma multiplicidade de teologias, mas como o sinal da superabundância de Deus que se revela em significados polissê­micos. A particularidade de cada texto esvaía-se ante a totalidade da res da fé. Por esse motivo, os comentários da alta Idade Média apresentam-se freqüentemente como "encadeamentos" de citações. Pela mesma razão, as concordâncias temáticas e, a partir do século XII, as verbais multiplicaram-se. Os teólogos que procuravam referências idôneas para sustentar suas argumentações tinham, desse modo, magníficos instrumentos de trabalho. Em decorrência disso, porém, os medievais consideravam a Escritura em uma perspectiva bastante distante da atual. Isso explica a crítica habitual à exegese da Idade Média: o seu objetivo era edificar a alma; não procurava conhecer o sentido literal do texto e com isso teria instrumentalizado e subjetivado a Biblia. De fato, as interpretações alegóricas da Escritura podem por vezes nos surpreender.

Mas a exegese da Idade Média não era apenas isso. Não é feita somente de interpretações que parecem oportunistas para os que não compartilham o seu espírito. Ela geralmente seguia regras bas­tante firmes, ainda que não formuladas claramente. O padre Henry de Lubac, em sua obra magistral intitulada L'exégêse médiéva1e, mostrou como a reflexão da Idade Média assumiu a Escritura segun­do quatro "sentidos" que Agostinho da Dácia sintetizou em seu fa­moso dístico de 1827: "a letra ensina os fatos nos quais crês alegori­camente, que realizas moralmente e na direção dos quais tendes anagogicamente". Distinguem-se, assim, um sentido literal e três sen­tidos espirituais: alegórico ou dogmático, moral ou ético e anagógico. Apresentemos rapidamente esses quatro sentidos, que formam a estrutura essencial da exegese medieval.

O vínculo entre o sentido literal e os sentidos espirituais é bem estabelecido. Não há sentido literal sem os três sentidos espirituais, nem sentidos espirituais sem o sentido literal. Tudo ocorre como se o primeiro e os outros três sentidos fossem necessariamente ligados por uma reciprocidade fundamental. Por sentido literal não é neces­sário entender os fatos que a exegese tenta reconstituir, mas o que precede cada sentido espiritual, vale dizer, o que precede cada apro­priação subjetiva ou o que pertence somente a Deus. O empirismo ou o positivismo são incapazes de compreender esses fatos, que na realidade são de ordem divina e não física. A obra de Deus só pode ser captada na obediência da inteligência e do coração. Para a exegese religiosa, a letra faz parte da história da aliança prestes a se realizar. É somente no interior desse horizonte que se percebe o seu sentido jus­to e que se o respeita pelo que é: Deus que se apresenta ao homem.

O primeiro sentido espiritual é a alegoria. A palavra "alegoria" significa "passagem de um gênero a outro". O sentido intelectualmente verificado de um fato é de um outro gênero em relação ao fato mesmo; a interpretação inteligível ou dogmática é uma alegoria no sentido etimológico da palavra (aliogenos), do mesmo modo que a explicação da parábola do semeador feita por Jesus (Mc 4,1-20 e par.). Toda explicação é, nesse sentido, uma alegoria. A verdade entendida alegoricamente convida o seu ouvinte a segui-la. O sentido moral é o da livre resposta a esse convite, do empenho moral concreto medi­ante o qual aquele que crê se põe a seguir o Verbo e empenha-se em realizar na própria existência aquele que lhe deu a luz. Assim, o sen­tido moral orienta a ação para o futuro. Contudo, esse futuro está presente anagogicamente no ato de liberdade. Mediante a anagogia, o teólogo esclarece os traços escatológicos do advento do Senhor, já aqui e não ainda, no hoje do pensamento e da ação. A oração de louvor, forma essencial de toda anagogia, exprime efetivamente, na atualidade cotidiana, o reconhecimento por Aquele para o qual ten­de a liberdade, o quanto lhe seja possível, malgrado seu pecado.

A ordem dos três sentidos espirituais não é constante, ainda que o sentido literal venha sempre em primeiro lugar. Com efeito, o sen­tido dogmático às vezes é desenvolvido após o sentido moral, de modo a poder ser identificado com o sentido anagógico. Nesse caso, a ética, que se origina em uma antropologia natural, deveria conduzir à ver­dade escatológica e eterna. Essa perspectiva segue a ascensão platô­nica para as idéias, cuja contemplação torna a alma plena de felici­dade. Contudo, tal seqüência traz o risco de fazer pensar que o co­nhecimento da fé é a realização do destino cristão, que a salvação pode ser identificada com o mero conhecimento dogmático. Isso seria uma gnose, a salvação mediante o saber. Se, ao contrário, o dogma precede a moral, a ação faz aparecer na história a verdade que a precede. Esta última sucessão segue uma ordem teológica, que está ligada sobretudo ao ritmo da Revelação, enquanto o agir cristão res­ponde ao apelo do Verbo. Ainda assim corre-se o risco de explicar o dogma recorrendo unicamente à inteligibilidade abstrata, Se nem sequer o sentido alegórico nasce da res significada pelo sentido literal e já acolhida mediante a oração e a anagogia. As diversas estruturas dos quatro sentidos da Escritura revelam várias orientações possíveis da investigação intelectual ou do sentido da razão. Os tempos mo­demos fizeram uma escolha que, eliminando algumas possibilida­des, talvez tenham enfraquecido o poder total da razão, tornando-a formal e fazendo esperar a salvação apenas do saber filosófico.

A Idade Média foi "média" no sentido de intermediária? Para sustentar isso, seria necessário que os tempos modernos, pondo o período medieval entre parênteses, pudessem justificar seu vínculo direto com a Antigüidade, o que seria o resultado de uma grave ce­gueira ou de um profundo sono amnésico. Esse período tem, de qualquer modo, uma especificidade que o distingue do que o precede e do que vem depois dele. A cultura erudita é, nesse período, em larga medida eclesiástica. Foi desenvolvida primeiramente em uma perspectiva de edificação espiritual. No entanto, seus meios, lógicos por exemplo, tornaram-se pouco a pouco sempre mais autônomos [...]. A Idade Média não é um período de irracionalidade, mas um tempo durante o qual, com dificuldades e hesitações, a razão européia procurou seu caminho. O fato de a racionalidade moderna ser de origem teológica não poderá ser nega­do nem esquecido por seus descendentes, exceto por razões de or­dem ideológica que ignorem a realidade dos fatos.


Texto retirado das páginas 34 a 41. Notas omitidas.

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