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Autor: Waldomiro O. Piazza Editora: Loyola Páginas: 444 Formato: 22 x 15 cm Preço: * * * * Apresentação | Conteúdo | Amostra | Maiores Informações | Pedidos via Internet |
» APRESENTAÇÃO
A obra destina-se a quantos sentem a necessidade de uma informação geral, mas substanciosa, sobre
o problema religioso contemplado dentro da cultura da humanidade. Dessa forma, atêm-se aos dados
mais característicos de cada religião estudada, situando cada qual no tempo e no espaço, e
seguindo um método comparativo fenomenológico, para que se possa apreender os dados externos de
cada religião - dentro do panorama da cultura geral da humanidade - e se compreenda o seu
significado particular - dentro da fenomenologia religiosa conhecida.
» CONTEÚDO
» AMOSTRA
1. GEOGRAFIA, ARQUEOLOGIA, HISTÓRIA
Não é fácil definir o sistema religioso dos indígenas do Brasil,
primeiro porque se trata de vários povos, com culturas diversas,
segundo porque, devido à grande movimentação destes povos pelo
vasto território brasileiro, os seus costumes e, portanto, também
a sua religião sofreram contínuas e profundas modificações
através do tempo.
Os antropólogos admitem em geral que se trata de povos de
origem mongólica (mongóis siberianos), que teriam atravessado do
estreito de Behring, povoando o continente americano desde o Canadá
até a Terra do Fogo. É possível que algumas levas de semitas,
talvez de fenícios, tenham navegado até o México, e mesmo que
povos da Melanésia tenham abordado a costa do Pacífico, penetrando
no interior da América do Sul. Mas trata-se de hipóteses sem
fundamento consistente, e, em todo o caso, não foram tão
importantes que alterassem de modo sensível a etnia mongólica de nossos
indígenas.
As aparentes diferenças de cor da pele e de estatura corporal
podem muito bem ser explicadas pelo ambiente em que os nossos
indígenas viveram e ao regime alimentar que adotaram. Assim, os
indígenas protegidos pela densa floresta conservaram-se mais
claros do que os dos cerrados, mais expostos ao sol, e os que se
alimentaram de caça se desenvolveram fisicamente mais do que os que
só tinham peixe por dieta.
Os etnólogos admitem também quatro grandes áreas culturais:
a Andina, que se desenvolveu a partir do Paraná, com intensa
agricultura, produzindo a urbanização, a arquitetura, a indústria
de tecidos e cerâmica, cujo expoente máximo é o Império dos Incas; a do
Círculo das Caraíbas (Antilhas, Colômbia, Venezuela), de agricultura
menos intensa e de organização social menos refinada, mas com
uma cerâmica expressiva; a da Grande Floresta, com agricultura de
subsistência, caça e pesca; a dos Cerrados, a mais pobre
culturalmente, caracterizada pela coleta de frutos, raízes, pequenos
animais.
A arqueologia, por sua vez, admite que os primitivos habitantes
da América do Sul se tenham concentrado, primeiramente, em certas
áreas verdes das cabeceiras dos grandes rios, e só aos poucos
povoaram o resto do continente sul-americano, à medida em que a
floresta progredia pelas savanas e pelas margens fluviais. Este
fato esclarece até certo ponto que os indígenas da América do Sul,
em particular do Brasil, tenham formado desde tempos remotos
grandes grupos lingüísticos distintos, pois os primitivos habitantes
destas regiões tiveram de viver milênios segregados em suas ilhas
verdes, criando costumes próprios. Esclarece igualmente o fato de
nos últimos milênios se terem dado a uma grande movimentação
pelo território brasileiro, a ponto de o grupo Tupi-Guarani,
originário do território da atual Rondônia brasileira, se ter espalhado
por todo o território brasileiro atual, desde o Estado do Rio Grande do
Sul até o atual Amapá.
Acresce que o estudo da religião de nossos indígenas foi bastante
descurado pelos sábios e mesmo frontalmente mal interpretado.
Os antigos missionários católicos, no afã de reduzir os indígenas
à fé cristã, interpretavam apressadamente as suas figuras
míticas nos padrões da teologia católica, identificando, por exemplo,
Tupã com Javé e Anhangá com o demônio. De sua parte, os antropólogos
modernos, interpretam freqüentemente as crenças dos nossos
indígenas dentro de padrões socioeconômicos atuais, que tira todo
o sentido original da religião de nossos aborígines.
2. SISTEMAS RELIGIOSOS
Desta forma, é muito difícil definir, como foi dito, o sistema
religioso de nossos indígenas, e só muito por alto podemos
enquadrá-lo nas formas estereotipadas de animismo, totemismo, xamanismo.
Preferimos, por isso, descrever os elementos religiosos que
mais chamam a atenção dos estudiosos, sem lhes dar uma interpretação
definitiva. No entanto, não podemos deixar de ressaltar os
elementos xamãnicos, como a crença em um Ser Superior, de caráter
celeste, em espíritos também celestes, que intervêm na vida
dos homens e nas atividades do pajé, lembrando de perto as
atividades do xamã siberiano (transes extáticos, invocação e domínio
dos espíritos).
Os ritos são de tipo socioeconômico (ritos de caça, de pesca,
de guerra), notando-se a ausência de um culto especifico a alguma
figura divina, a não ser entre os Aruaque e Caraíba, talvez por
influência de povos vizinhos, como os Chibcha, de cultura
superior.
Resumindo, podemos dizer que os grupos indígenas, que povoaram
o Brasil antes do advento dos portugueses, não chegaram a
um conceito claro da divindade, menos ainda a cultuar
publicamente um deus único, mas certamente tenderam a um monoteísmo implícito
na figura de um Ser Superior.
A menor ou maior manifestação deste monoteísmo primitivo
está condicionada ao sistema de vida que os diversos grupos tiveram
de adotar conforme o ambiente em que viveram: a de simples
colhedores, em plena floresta tropical; a de caçadores, nos
cerrados; e a de incipiente agricultura nas regiões mais férteis.
A vida errante, a que foram compelidos pelas condições adversas
do clima e pelas continuas lutas entre os grupos, impediram a
elaboração mais refinada de suas crenças e o desenvolvimento de
um culto específico.
3. GRUPO TUPI-GUARANI
Segundo uma lenda muito antiga, Tupi e Guarani eram dois
irmãos que, viajando sobre o mar, chegaram ao Brasil e com seus
filhos povoaram o nosso território; mas um papagaio falador fez
nascer a discórdia entre as mulheres dos dois irmãos, donde
surgiram a desavença e a separação, ficando Tupi na terra, enquanto
Guarani e sua família emigraram para a região do Prata.
No entanto, a pesquisa científica afirma que o grupo Tupi-Guarani
é originário da região hoje chamada de Rondônia, donde o ramo
Guarani emigrou para o sul, penetrando no Paraguai, enquanto o
ramo Tupi penetrava no Brasil, estendendo-se por todo o seu
litoral, desde o Rio Grande do Sul até o atual território do Amapá.
Esta notável movimentação dos Tupi-Guarani prende-se à busca
de uma espécie de Paraíso, onde os homens poderiam refugiar-se
quando chegasse o fim do mundo, e que estaria colocado na direção
leste, além do grande mar (Atlântico). Por isso, cada vez que a
situação se tornava calamitosa, os Tupi, sob o comando de um
pajé ou de um profeta, empreendiam a longa caminhada em busca da
"terra-sem-mal". O Mito, recolhido entre os Apapocuva, guaranis
originários do Mato Grosso mas estabelecidos no Estado de São
Paulo, diz o seguinte: Nyanderuvusu, "nosso pai grande", ser
principal da mitologia apapocuva, criou o mundo e a primeira mulher,
Nyandesy, "nossa mãe", que concebeu dois gêmeos, mas foi devorada
por uma onça, que respeitou as duas crianças, Nanderykey e
Tyvyry, identificados com o sol e a lua. Nyandesy sobrevive na
"terra-sem-mal", onde os homens vivem eternamente felizes. Pode-se
pensar em uma influência da escatologia cristã, mas o mito
motivou já antes da vinda dos portugueses as grandes emigrações do grupo
Tupi-Guarani.
Como se vê neste mito, a concepção de um Ser Supremo não
é muito clara, mas muitos outros mitos falam de um formador do
mundo (da terra, do sol, da lua, dos homens, dos animais...) e
fundador dos costumes humanos, de modo que não se pode duvidar
da crença geral em um monoteísmo implícito. Muitas vezes o Ser
Supremo dá existência, diretamente ou por meio de uma "Grande
Mãe", a dois gêmeos, que assumem as funções de "heróis civili-
zadores", identificados, como vimos acima, com o sol, a lua.
Aliás, o solarização (fenômeno da identificação do Ser Supremo com o
sol) é uma constante em toda a mitologia dos indígenas
brasileiros.
Entre os Mundurucu, tupis do Tapajós, Caro Sacaibu é um deus
criador onisciente e herói civilizador, pois ensinou aos homens
a caça e a agricultura. Maltratado pelos mundurucu retirou-se ao
mais alto do céu, onde se confunde com a cerração. No fim do mundo,
queimará os homens no fogo. Mas é benévolo e atende as preces
dos que a ele recorrem (antes da caça, da pesca, nas doenças).
Castiga os maus e acolhe benignamente os bons.
Entre os Tupinambás (Estado da Bahia), Monan é um Ser Superior
que criou o céu, a terra, os pássaros, os animais. Mas os
homens mostraram-se maus e, por isso, Monan enviou Tatá
(Tatá-manha = Mãe-Fogo) que consumiu tudo. Só se salvou Irin-Magé, que
Monan tinha levado ao céu, e que se tornou o "herói civilizador"
da nova geração de homens, com o nome de Maire-Monan, do qual
descende Sumé, o grande pajé, que gerou os dois gêmeos Tamendonaré
(Tamandaré) e Aricute, que se odiavam de morte, donde a
constante rivalidade entre as duas tribos que deles descendem,
Tupinambá e Tomimi.
Segundo Couto de Magaiháes (O Selvagem, 1874), os Tupi faziam
descender de um Ser Superior antigo as três grandes divindades:
Guaraci, o sol; Jaci, a lua; e Ruda, o amor. Guaraci criou os
homens e dominava sobre as seguintes entidades sobrenaturais:
Guairapuru,protetor dos pássaros; Anhangá protetor da caça dos campos;
Caapora, protetor da caça da floresta. Jaci criou os vegetais e
dominava sobre as seguintes entidades sobrenaturais: Saci Cererê,
espírito zombeteiro; Mboitatá, a serpente de fogo; Urutau, pássaro
de mau agouro; Curupira, guardião da floresta. De Ruda, guerreiro
que reside nas nuvens, dependem Cairê, a lua cheia, e Catiti, a
lua nova.
Infelizmente, os sábios deram em geral mais atenção aos costumes
dramáticos dos indígenas do que aos seus ritos secretos, do
que resulta conhecermos muito bem os costumes canibalescos dos
Tupi, mas muito pouco as suas verdadeiras crenças religiosas.
No entanto, uma coisa é certa: Os Tupi-Guarani possuíam na
figura do pajé um elemento religioso de primeira plana, como o
xamã dos mongóis siberianos. Estruturalmente, o fenômeno é o
mesmo: assim como o xamã siberiano, o pajé é ao mesmo tempo
médico, sacerdote, psiquiatra, pois ele cura, dirige as preces,
aconselha, empregando não só ervas medicinais como também o transe
extático, no qual entra em contato com os espíritos em benefício
de seus clientes. Notemos que o pajé não se deixa possuir dos
espíritos, como no Candomblé africano, mas, como no xamanismo
siberiano, apossa-se dos espíritos e às vezes sai em busca da
alma do enfermo, que o abandonara, causando-lhe o estado doentio,
para fazê-la retornar ao corpo e restituir-lhe a saúde.
Certamente, podemos encontrar entre os pajés a esperteza dos
charlatães e a maldade dos feiticeiros, mas estes elementos são
antes deturpações do verdadeiro significado da pajelança, pois
esta tem por intento precípuo ajudar o indígena em suas aflições.
Outro elemento típico do xamanismo é a crença na "alma" humana,
como entidade espiritual, a qual não se extingue com a morte
corporal, mas, transformando-se em "anguera", empreende uma longa
viagem em busca da "terra-sem-mal".
Afora os ritos de dança, que serviam para comemorar todos
os acontecimentos sociais, como o casamento, a guerra, a morte,
o que mais impressionou os antigos autores foi o "canibalismo
ritual" dos Tupi-Guarani. Referimo-lo aqui para esclarecer que
não se trata de um fenômeno religioso, como acontece entre os
Astecas, mas de um rito puramente social, muitas vezes ligado ao rito da
iniciação dos jovens guerreiros, os quais, sacrificando um
prisioneiro, mostravam a sua maturidade tribal.
Aliás, alguém já sustentou que o canibalismo é um fenômeno
socioeconômico, pois aparece sempre onde falta a caça abundante
para suprir o grupo de proteínas. De fato, nas Américas o
fenômeno está mais ou menos restrito aos Astecas, que não dispunham de
grande caça, e aos Tupis, que se estendiam pelo litoral brasileiro.
4. O GRUPO GÉ (TAPUIAS)
Outro grande grupo de indígenas do Brasil é o chamado grupo
Gê, constituído pelos indígenas que habitavam o planalto
brasileiro, desde o Estado de São Paulo até o Pará.
Culturalmente, era o mais atrasado, pois vivia da coleta de
frutos, da pesca, da caça e só esporadicamente, por influência
dos Tupi, praticavam uma agricultura de subsistência. Em
conseqüência, os seus utensílios caseiros eram os mais primitivos e pobres.
O nome Gê quer dizer: chefe - pai - ascendente, enquanto
o nome Oran, que também é dado a este grupo, significa: filho -
descendente. Os Tupi chamavam-no de Tapuia, que quer dizer:
inimigo.
Ouanto à religião, podemos encontrar a idéia generalizada de
um Ser Supremo, muitas vezes com características de herói
civilizador, e não raro identificado com o sol.
Assim, os antigos Aimorés, estabelecidos no Estado do Espírito
Santo, acreditavam no "pai de cabeça branca" (Yekankreen
Yrung), que habitava no céu. Nunca fora visto, a não ser por
alguns homens da era primitiva. Era benévolo e invocado pelo pajé em
casos de doença e caristia com cantos e preces, intervindo nas
coisas humanas por meio dos "maret" (espíritos), de que se achava
cercado. Punia os maus, mandava a chuva, matava os inimigos com
flechas, produzia as fases da lua etc.
Os Apinagé, do rio Tocantins, cultuavam o sol, que era objeto
de preces e de danças nas ocasiões do plantio e da colheita.
Era o autor da organização dual da tribo. Era representado pela
forma circular com que a aldeia era construída, pela cor vermelha com
que os guerreiros se pintavam. Ao lado do sol, estava a lua, e
ambos criaram os antepassados dos Apinagé, mas em grupos separados,
e por isso ao norte da vida ficavam os homens do sol e no
sul os homens da lua.
Também entre os Xavantes se encontra o culto do sol, que é
chamado "nosso criador". O mesmo entre os Canela e os Xerente.
São numerosos os mitos sobre o sol, a lua e o dilúvio, bem
como a atividade dos irmãos gêmeos.
É geral, igualmente, a crença nas almas dos homens, dos animais,
das plantas etc. As almas dos homens não sobem ao céu,
depois da morte, mas vivem na terra, nos lugares em que os
corpos foram enterrados, transformando-se em outros seres ou em
fantasmas.
Os ritos são mais simples do que entre os Tupi, mas não faltam
os ritos de passagem e os funerários.
Os pajés têm funções semelhantes como entre os Tupi, curando
doenças com ervas, mas também com transes extáticos, nos quais
vão em busca da alma que abandonou o enfermo.
5. O GRUPO ARUAQUE
Ao norte do Brasil, encontramos o grupo Aruaque (arwak), oriundo
da Venezuela e das Guianas. Essencialmente agrícolas, atribui
à lua, astro por excelência das culturas agrícolas, característica de
força cósmica, impessoal, existindo antes de todas as coisas e
manifestando-se por uma série de emanações. Na origem, porém,
está o ar, que assopra nas nuvens provocando a chuva e fecundando
a terra. Reina sobre os homens, punindo-os com os elementos
desencadeados. Não é invocando pessoalmente, mas por meio dos
seres intermediários: vento, fogo, terremoto, trovão... Assume
vários nomes e mesmo funções diversas, segundo os vários povos
do grupo aruaque. Nas margens do rio Negro, tem o nome de Poré;
entre os Maipuri, chama-se Puramínari; entre os Waica, do curso
superior do Orinoco, chama-se Omana etc. Entre os Pareci do Mato
Grosso, tem o nome de Enoré e entre os Nambiquara, é o Trovão.
São numerosos os mitos que se referem aos elementos agrícolas,
como o aparecimento da mandioca.
Mas o mito característico deste grupo é o do Jurupari (aruaque
do rio Negro). Jurupari (nascido junto ao rio) foi concebido
por uma mulher assexuada depois que ela tomou caxiri (licor de mandioca),
e nasceu quando a mulher foi mordida por um peixe enquanto
se banhava. Cresceu rapidamente e, adulto, convida todos a
beber caxiri, mas como as mulheres não o quisessem preparar, amaldiçoou-as.
E como os seus filhos tivessem comido do fruto da árvore
uacu, que lhe era consagrada, devorou-os todos. Irritados, os homens
aprisionaram-no e atearam-lhe fogo, mas das cinzas nasceu a palmeira
paxiuba, de cujos ramos (seus ossos) os homens fizeram flautas,
que não podem ser vistas pelas mulheres, sob pena de morte.
Este mito tem importância capital nos ritos de iniciação e
representa o domínio dos homens sobre as mulheres.
6. O GRUPO CARAÍBA
Os Caraíba estão estabelecidos no Estado do Pará à margem
esquerda do Amazonas, com alguns grupos disseminados ao longo
do rio Madeira (Arara) e outros nas cabeceiras dos rios Tapajós
e Xingu (Nahuque e Bacairi).
Inserido no território dos Gê, existia ainda o grupo Pimenteira.
O núcleo originário, porém, está nas Guianas e na Venezuela.
Adversários implacáveis dos Aruaque, os Caraíba adotaram, porém,
muitos de seus costumes, inclusive a religião.
A idéia de um Ser Supremo é muito difusa entre os diversos
povos deste grupo, com tendência ao henoteísmo, ou seja, ao culto
de uma divindade determinada com sentido de único deus, sem descartar-se
das outras divindades.
Entre os Arikens, do Pará, o Ser Supremo é Purá, identificado
com o sol, enquanto o seu companheiro, Murá, se identifica com a
lua. Ambos moram na montanha do céu, donde observam todas as
coisas: não morrem, não envelhecem, não têm pais nem parentes.
Purá criou os homens, esculpindo-os em madeira. Fê-los
imortais, mas como não quiseram seguir suas ordens, foram consumidos por
um incêndio, do qual só poucos escaparam. Sobre estes, Purá mandará
no fim do mundo um incêndio total.
Para os Caraíba do Suriname (Guiana Holandesa), a divindade
central é Amana, deusa-mãe, virgem, com cauda de serpente. É o
símbolo do tempo e a raiz de todas as coisas: não nasceu, nem
morre, porque se renova constantemente. Gerou dois gêmeos: um
na aurora, Tamusi, e outro no crepúsculo, Yolokan-tamulu. Tamusi
criou todas as coisas boas, é o antepassado dos Calma, mora na
luz fria da lua, é o senhor do Paraíso, ao qual vão os bons,
que, porém, não o poderão contemplar por causa de seu esplendor.
Tamusi combate todas as forças negativas. Yolokan-tamulu (yolokan = natureza;
tamulo = avô) é o senhor dos espíritos da natureza, criou
a escuridão e o mal, mora no deserto do céu, em uma ilha chamada
"país-sem-manhã": não é propriamente o opositor do bem, mas a
face destruidora da natureza.
Os Caraíba do rio Barama, ao norte das Guianas, crêem em
um "deus ocioso", cujo nome é ignorado. É o criador do
universo, teve trato com os homens, mas depois afastou-se deles. Seu
auxiliar, Komakoto, intervém no universo e nas coisas humanas.
Os Caraíba das nascentes do Xingu crêem no "senhor dos animais",
Kagatopuri, que é a mais sutil das almas humanas, a qual,
separando-se do corpo pela morte, tornou-se um espírito
(kadopa) e, depois de longa peregrinação, chegou à vila do herói civilizador
Nakoeri, transformando-se então em "iamura" (verdadeiro senhor dos
animais).
Os ritos agrícolas são numerosos: danças com sentido orgiástico,
oferta de bebidas inebriantes (caxiri) etc. Há também ritos
de caça, com danças de máscaras, que representam os espíritos
dos animais.
Mas a figura central é o pajé, cuja função exige treinamento
ascético, técnicas de êxtase, contato com o mundo celeste, conhecimento
das ervas medicinais etc. Até o vôo extático, que é próprio
do xamanismo siberiano, encontra-se na pajelança dos Caraíba.
Os mitos são também numerosos, principalmente com referência
aos irmãos gêmeos, Keri e Kame, nomes de origem aruaque, significando
sol e lua. São heróis civilizadores.
Mas o mito mais notável é o de Macunaíma, deus criador dos
Macuxi, Arecuna, Acavais, da Venezuela. Macunaíma quer dizer, literalmente,
"aquele que trabalha bem à noite". Para vingar a mãe,
morta por uma onça, mete-se em muitas aventuras, transformando-se
em herói astuto e desinibido.
Afora estes quatro grandes grupos lingüísticos, há outros grupos
menores, como os Borôro do Mato Grosso e os Caigangues do Rio
Grande do Sul e Santa Catarina, os quais, porém, afinam mais ou
menos pelas mesmas idéias religiosas e pelos mesmos ritos.
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A Religião dos Indígenas Brasileiros
Texto retirado das páginas 35 a 43.
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