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MILENARISMOS E MESSIANISMOS ONTEM E HOJE
Organizadores: Ênio José da Costa Brito / Waldecy Tenório
Editora: Loyola
Páginas: 128
Formato: 21 x 14 cm
Preço: * *

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Atravessamos o milênio e não se vê no céu nenhum sinal e nenhum Armagedon. Na terra, ao contrário, os sinais se multiplicam, nos assediam e, como um quadro de Picasso, nos propõem uma porção de enigmas. Enredo disparatado, ou indecifrável, seja o que for, eles nos trazem um pouco de vertigem, exaltação ou medo, esse terror de cinema e, afinal, o que são? São os presságios do milênio, se pudermos usar a expressão de Harold Bloom.

Pois bem: para entender melhor esses presságios e o que se passa no imaginário típico desse final de milênio, nada como ler os cinco ensaios reunidos neste livro.

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Profetas e Rebeldes

O recurso a tradições do passado de Israel, como o êxodo liderado por Moisés, tendo em vista projetar e realizar um futuro novo, bem como a reedição de movimentos de rebelião instigados ppor memórias, promessas e convicções muito enraizadas estavam se dando com uma constância expressiva nos dias de Jesus. Os Atos dos Apóstolos mencionam uma significativa aproximação, na boca do fariseu Gamaliel, entre o movimento do qual os apóstolos fazem parte e outros dois, lideridos respectivamente por Teudas e Judas, o galileu (At 5,35-37). Ambos os movimentos, que reuniram muita gente, foram reprimidos pelo poderio romano, e com a morte dos líderes se desfizeram. Felizmente Josefo os descreve com uma certa amplidão, o que nos permite caracterizá-los minimamente.

Teudas liderou um movimento de largas proporções na época de Fado, procurador romano em Israel entre 44 e 46 d.C. Segundo Josefo, ele

O vínculo com as tradições do êxodo e da conquista é claro. Afinal de contas, dizem os textos da Bíblia hebraica que o Jordão se abriu para que Israel pudesse possuir a terra prometida. E antes o mar se abrira para que os filhos de Israel escapassem da tirania do Egito! Teudas promete a realização, mais uma vez, destas maravilhas longínquas. Não estará agindo, qual Josué, liderando uma nova conquista da terra, ou ainda, qual Moisés antes ainda, comandando um novo êxodo, libertando o povo da escravidão? Ou, por que não, uma combinação de ambos, êxodo e conquista, estaria sendo apontada, à luz de profecias do passado (Is 51,9-11) e de ações de profetas como Elias e Eliseu (2Rs 2,6-8)? Concluem Horsley e Hanson: "Não é possível reconstruir a intenção exata de Teudas e dos seus seguidores, mas está claro que, de alguma forma, Teudas antecipou uma nova ação, talvez escatológica, de libertação divina, análoga às antigas ações de redenção, o êxodo e a conquista". A repressão violenta pelo poderio romano é eloqüente quanto às pretensões do movimento.

Notemos ainda aproximações entre o movimento de Teudas e o de João Batista. Também este age junto ao rio, mas anunciando ali o iminente julgamento de Deus contra o que ele chamava "raça de víboras", muito provavelmente se referindo à elite aristocrática e sacerdotal (ver Mc 11,27-33). Josefo deixa de mencionar o que John D. Crossan considera "o aspecto político mais radical do ritual de João": o fato de as pessoas irem para o deserto e, depois de batizadas no Jordão, voltarem para a terra prometida. Mas é claro ao falar dos temores de Herodes Antipas de que a pregação de João levasse o povo à sublevação, e por isso mandou decapita-lo (Antigüidades..., 18.116-119).

Apesar de relativamente ausentes entre grupos mais intelectualizados como os fariseus ou os membros da comunidade de Qumran, no meio do povo camponês movimentos como o de Teudas se desenvolveram com grande liberdade e amplitude. E se transformaram em ações efetivas. Nas palavras venenosas de Josefo,

    Impostores e demagogos, sob o pretexto de inspiração divina, provocavam ações revolucionárias e impeliam as massas a agir como loucos. Levavam-nas ao deserto, onde Deus lhes mostraria sinais de iminente libertação (As guerras... 2.259).

Podemos, assim, apontar alguns traços característicos destes que Horsley e Hanson chamam de movimentos proféticos populares. Seus líderes ora anunciavam um julgamento iminente de Deus ora sua redenção. Mas não se limitavam a isso. Inspiravam um movimento vigoroso, de centenas ou milhares de pessoas, instigando-as a uma participação efetiva numa ação libertadora que antecipava a de Deus. Além disso, estes movimentos proféticos ativistas tinham uma tônica comum: em vez de se remeterem às tradições de um Elias, por exemplo, vinculavam-se à memória dos grandes movimentos de libertação liderados por Moisés, Josué e os juizes, do passado tribal de Israel. Nesse sentido seguem uma longa tradição profética, segundo a qual os futuros atos de libertação podiam ser antevistos segundo o modelo dos acontecimentos fantásticos fundantes de Israel (o melhor exemplo desta tradição se encontra no Dêutero-lsaías, convocando os exilados a fugirem da dominação babilônica). Daí que eles ou se vinculem explicitamente a uma destas figuras fundantes do povo, ou atraiam multidões ao deserto, ou ainda centralizem sua ação, inclusive ritual, nas águas do Jordão, lugar do início da conquista da terra.

Já o movimento de Judas, o galileu, com o qual o de Jesus é comparado no texto dos Atos dos Apóstolos, tem características completamente diferentes, mas concorda com o que acabamos de comentar quanto às concepções apocalípticas que o orientavam. Em primeiro lugar, Horsley e Hanson julgam fundamental distingui-lo do movimento dos zelotes, que vai eclodir apenas em meio à guerra de 66-70. Apresentando-o como uma das quatro filosofias existentes entre os judeus (as demais são os saduceus, os essênios e os fariseus), Josefo sugere uma proximidade do movimento de Judas com estes últimos, inclusive pelo fato de que um fariseu, de nome Sadoc, também liderava o grupo. Mas Josefo deixa escapar o que reconhece ser a diferença principal:

    Os seus adeptos concordam com as idéias dos fariseus em tudo, exceto na sua indomável paixão pela liberdade, pois consideram Deus o seu único líder e senhor. Não temem submeter-se a formas incomuns de morte e permanecem firmes diante da tortura de seus parentes e amigos, tudo por se recusarem a chamar qualquer homem de senhor (Antiguidades... 18.23-24).

A situação em que esta "escola" aparece agindo é a da deposição do rei Arquelau, filho de Herodes, e da conseqüente implantação do governo romano direto sobre a Judéia e a Samaria, oportunidade em que encarregaram o governador Quirino, da Síria, de realizar um recenseamento, para averiguar o quanto poderia ser arrecadado em impostos no território. Tudo isso no ano 6 d.C. Diante disso,

    um galileu, chamado Judas, pressionava seus conterrâneos a resistir, reprovando-os caso se sujeitassem a pagar impostos aos romanos e tolerassem senhores humanos, depois de servir só a Deus (As guerras..., 2.118).

Ou, de maneira mais extensa,

    (Judas e Sadoc) diziam que tal avaliação tributária implicava escravidão pura e simples e pressionavam a nação a exigir a sua liberdade. Se tivessem êxito, assim argumentavam, os judeus teriam preparado o caminho para uma situação feliz; se fossem derrotados na sua causa, pelo menos teriam honra e glória pelos seus elevados ideais. Além disso, Deus zelosamente ajudaria a promover o sucesso dos seus planos, especialmente se não recuassem diante do massacre, que certamente viria sobre eles. O povo ouviu com satisfação, e o seu audacioso esquema conseguiu real progresso (Antigüidades... 18.4-8).

Deve-se levar em conta que os destinatários da obra de Josefo são pessoas do âmbito da cultura helenística. Dessa maneira, é nas entrelinhas de sua linguagem helenística que devem ser buscados os elementos que caracterizam a mentalidade e as convicções do movimento de Judas. Horsley e Hanson destacam algumas razões, associadas entre si, que fundamentavam a defesa da resistência, não-violenta ao que parece, ao domínio romano. Ao lado da memória de 2Sm 24, onde Davi é condenado justamente por querer recensear o povo, memória esta certamente importante num grupo liderado por fariseus e escribas, parece que a "indomável paixão pela liberdade" tinha inspiração apocalíptica. Judas, Sadoc e seu grupo desenvolvem sensível expectativa por uma ação escatológica de Deus, de que sua rebelião era uma preparação, bem como a afirmação da glória do martírio pela causa dele. Estes dados situam o movimento de Judas numa tradição de resistência de mestres judeus contra o domínio estrangeiro, que encontrou sua expressão escrita mais consistente no livro apocalíptico de Daniel. Este livro foi escrito cento e setenta anos antes, durante a rebelião dos macabeus contra o domínio selêucida, e certamente motivou muitos grupos no desenvolvimento de um ideário apocalíptico e em suas contínuas releituras, de acordo com as necessidades colocadas pelas circunstâncias. No tempo de Jesus e do Novo Testamento, este processo se dava de maneira intensa.


Texto retirado das páginas 115 a 119. Notas omitidas.

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