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INTRODUÇÃO À CRISTOLOGIA
Autor: Jacques Dupuis
Editora: Loyola
Páginas: 240
Formato: 21 x 14 cm
Preço: * * *

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» APRESENTAÇÃO

"Quem dizeis que eu sou?" - é a pergunta fundamental de Jesus a seus discípulos.

A mesma pergunta é dirigida hoje a todo aquele que deseja ser cristão.

"Introdução à Cristologia" é uma obra que, em meio a tendências mais ou menos equivocadas ou reducionistas de ontem e de hoje, procura, à luz das recentes contribuições no campo cristológico, aprofundar tanto o mistério da pessoa como o próprio sentido do acontecimento Jesus Cristo na história da humanidade e do mundo.

A obra pretende assinalar uma volta à história humana de Jesus, muitas vezes esquecida pelo peso excessivo da especulação cristológica. Espera-se, assim, redescobrir alguns aspectos do mistério de Jesus Cristo nem sempre suficientemente salientados. O mistério de Jesus Cristo será posto em foco no amplo contexto das tradições religiosas, mostrando que a relação entre as várias tradições e o mistério de Jesus Cristo abre caminho para uma cristologia das religiões.

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» O AUTOR

Jacques Dupuis (sj) nasceu na Bélgica em 1923. Estudou letras e filosofia nas Facultés Universitaires de Namur e licenciou-se em filosofia na Universidade de Louvain. Viveu na Índia, de 1948 a 1984, onde se licenciou em teologia (Kurseong). Fez doutorado em teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG) de Roma. Lecionou teologia sistemática na Índia durante 25 anos. Em 1984, tornou-se titular dessa matéria na faculdade de teologia da PUG (Roma).

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» CONTEÚDO

  1. Introdução

  2. Cristologia e cristologias: resenha de abordagens recentes

  3. Jesus na origem da Cristologia: do Jesus pré-Pascal ao Cristo Pascal

  4. O desenvolvimento da Cristologia do Novo Testamento: do Cristo Ressuscitado ao Filho encarnado

  5. Desenvolvimento histórico e atualidade do dogma cristológico

  6. Problemas da psicologia humana de Jesus
    1. A autoconsciência e o conhecimento humano de Jesus
    2. A vontade e a liberdade humana de Jesus

  7. Jesus Cristo, Salvador Universal

  8. Conclusão

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» AMOSTRA

O Conhecimento Humano de Jesus

1. O problema do conhecimento e do desconhecimento

Que tipo de conhecimento humano teve Jesus? Conhecimento perfeito ou conhecimento limitado?

Ao estudar o conhecimento humano de Jesus, tenha-se em mente dois poutos: trata-se do conhecimento do Filho de Deus, mas, por outro lado, o Verbo encarnado, pela quenose, não gozou, durante os dias terrenos, da "perfeição" (teleiòsis) (cf. Hb 5,9), que assumiu ressuscitando. Mercê de sua identidade pessoal de Filho de Deus, algumas perfeições Jesus teve, sem dúvida. Não se esqueça, porém, de que ele manteve, pela quenose, a natureza humana como tal, carregando em sua existência humana imperfeições voluntariamente assumidas.

Hipostaticamente unidas, as duas naturezas não se fundem. A natureza humana conserva-se integralmente. Com isso, as perfeições da natureza divina, no caso o conhecimento divino, não são comunicadas, diretamente, à natureza humana. Mas como as duas naturezas também não estão separadas uma da outra, o conhecimento de Jesus é o conhecimento do Filho de Deus. Em suma, as perfeições do conhecimento de Jesus não devem ser exageradas nem diminuídas, sem mais. Além disso, o estado quenótico da existência humana de Jesus deixa perceber que a glória divina (doxa) permanece recolhida em sua vida terrena, até a hora de sua glorificação. Deixa perceber também que o Verbo, tendo assumido plenamente a condição concreta do gênero humano, com exceção do pecado (cf. Hb 4,15), participa de nossa situação, marcada por sofrimentos e até pela morte. Livremente, ele assumiu as seqüelas compatíveis do pecado, transformando-as em instrumento de salvação.

Evidencia-se, pois, que não tem base o "princípio absoluto de perfeições", tantas vezes aplicado à humanidade de Jesus, especialmente a seu conhecimento humano.

As perfeições humanas de Jesus são proporcionais a seu estado querótico e se prendem à sua missão. E é bom lembrar que a diferença entre o estado querótico de Jesus e seu estado glorioso reside numa transformação real. Só na ressurreição estará ele inteiramente de posse de seu poder messiânico e salvador. E quanto à sua missão, Jesus, em sua vida terrena, tinha as perfeições e os conhecimentos humanos necessários para cumpri-la.

Para ver como a tradição apostólica entendeu a humanidade de Jesus, é essencial retomar os evangelhos. Na realidade eles não testemunham só as perfeições surpreendentes do homem Jesus, mas também suas limitações: certos desconhecimentos, a tentação, a agonia no horto, o grito na cruz... constituem lances tanto mais confiáveis quanto mais dificuldades poderiam suscitar à fé em Jesus Cristo, fé que a tradição evangélica visava transmitir.

No fundo, a psicologia humana do Verbo encarnado na quenose constitui enorme mistério. Como juntar e conciliar nela elementos que parecem se contrapor e se anular um ao outro? Como afirmar, ao mesmo tempo, a ausência de pecado e a tentação real, a visão de Deus e o sentir-se por ele abandonado na cruz, a obediência à vontade do Pai em sua morte e a liberdade de sua autoentrega? Nisso tudo, são vãs e despropositadas as deduções apriorísticas. O necessário é não perder de vista a história de Jesus e de sua missão. De um lado, ele deve revelar o Pai (Jo 1,18); do outro, deve sofrer para a salvação da humanidade (Lc 24,26).

Quanto aos conhecimentos de Jesus, a tradição evangélica relata sua extraordinária perfeição. Ele fala do Pai como alguém que o está vendo (Jo 1,18). Sua sabedoria espanta já aos doze anos, no Templo (Lc 2,40). O povo fica estupefato com sua doutrina (Mt 7,28...), ele ensina com autoridade pessoal e única (Mc 1,22). Revela maravilhosa intimidade com as Escrituras, sem tê-las estudado formalmente (Jo 7,15). Conhece os segredos dos corações (Lc 6,8). Prediz o futuro, embora se deva tratar com cautela da predição de sua morte e ressurreição.

Na síntese de João, Jesus conhecia tudo (Jo 16,30); e Lucas afirma que o menino Jesus era "cheio de sabedoria" (2,40). Por outro lado, coutudo, a tradição evangélica atesta que Jesus ganhou experiência e "crescia em sabedoria" (Lc 2,52). Também saboreava surpresas, fazia perguntas e chegou a admitir desconhecimentos (Mt 24,36; Mc 13,32).

Convencidos da falência das deduções apriorísticas, classificadas de "míticas" por K. Rahner; deveríamos buscar na tradição evangélica o rumo para uma teologia do conhecimento humano de Jesus. Por certo, algumas perfeiçães hão de ser reconhecidas nele. Certamente, sabia de sua identidade pessoal de Filho de Deus e deve ter tido especial conhecimento do Pai para revelá-lo. Mas que conhecimento foi esse?

Nem se pode negar, a priori, os limites do saber de Jesus, evidentes nos Evangelhos, como alguns desconhecimentos e dúvidas, o seu progressp e suas limitações.

Partindo do "princípio absoluto das perfeições", a teologia divisou em Jesus três espécies de conhecimento humano perfeito e universal: a visão beatifica dos bem-aventurados no céu, o conhecimento infuso (angélico) e o saber da experiência. Jesus, como homem, sabia tudo de três maneiras diferentes!

Contra tal idealização "mítica", deve-se objetar, primeiro, que é absurdo atribuir a Jesus a visão dos bem-aventurados se, durante a vida terrena, ele ainda não atingira o "fim" de sua caminhada, mas a estava percorrendo. Em segundo lugar, o Verbo de Deus fez-se homem, não anjo (Hb 2,16). E, por último, é uma contradição terminológica um conhecimento total gerado pela experiência.

De resto, se Jesus tivesse gozado da visão beatifica durante a vida inteira, como poderíamos falar do mistério de seu sofrimento e agonia? Distinguir em seu íntimo de homem "níveis" diferentes e afirmar "o ápice" no gozo da visão beatifica, enquanto "o plano mais baixo" ficava sujeito à dor, significa dotar Jesus de uma "psicologia artificial de diversos planos" que, no final das contas, não explica nada, já que a visão beatifica invade, essencialmeute, toda a psicologia humana da pessoa.

Qual a diretriz, no dogma cristológico, para solucionar o problema da psicologia humana de Jesus? Se o 3º Concílio de Constantinopla apontou, expressamente, "duas vontades naturais e duas operações naturais" em Cristo, nenhum concílio cristológico sentenciou algo parecido em termos de conhecimento duplo: o divino e o humano. Mas a presença em Jesus de um conhecimento humano faz parte da doutrina de fé, porque decorrente da integridade da natureza humana. Aplica-se aqui também o princípio fixado, primeiramente, pela "Tomus" de São Leão e depois retomado pelo 3º Concílio de Constantinopla: "Cada natureza realiza em comunhão com a outra o que lhe é próprio, ou seja, o Verbo opera o que é do Verbo e a carne o que é da carne".

Neste século, no contexto do modernismo, um decreto do Santo Ofício, em 1918, declarou que não se pode afirmar com segurança (tuto) que não há nenhuma prova evidente (non constat) de que a alma de Jesus, em sua vida terrestre, tenha tido a visão beatífica dos eleitos (comprehensores). Esse decreto disciplinar visava à catequese pública. Não pretendia pôr fim ao debate entre os estudiosos da Cristologia. Antes, tencionava atribuir a Jesus uma visão "imediata" do Pai, distinta da visão beatifica dos bem-aventurados. O que importava era o modo pelo qual Jesus conhecia o Pai e não os efeitos que acompanham a visão dos bem-aventurados que atingiram o fim da jornada terrena e, com isso, a fruição definitiva de Deus.

A mesma interpretação vale também para a encíclica Mystici Corporis, de 1943, em que se confere a Jesus a "visão beatífica" (visio beata) também em sua existência terrena.

2. Por uma solução do problema

a) A visão imediata do Pai

Não se pode provar que Jesus tenha tido a visão beatífica na terra. Seu conhecimento íntimo do Pai, por mais direto e imediato que tenha sido, não a pressupõe necessariamente.

A verdade é que Jesus tinha experiência pessoal e humana do Pai. Proclamando que "eu e o Pai somos um" (Jo 10,30), ele alude à experiência imediata de relação profunda e pessoal com o Pai, derivada de sua própria vida divina. Um conhecimento "infuso" ou "profético" dificilmente explicaria o caráter imediato e íntimo desse relacionamento pessoal. De outra parte, se esse relacionamento implica uma visão imediata do Pai, não supõe, obrigatoriamente, o nível "beatífico", encontrável nos bem-aventurados, dada a fruição plena que têm de Deus, após alcançarem a meta final de sua caminhada na terra.

Observe-se, finalmente, que, na tradição cristã, um único texto de Santo Agostinho (De diversis quaestionibus I,65) poderia parecer favorável à visão beatífica em Jesus Cristo, na terra.

Por conseguinte, é preciso garantir que Jesus, nesta vida, teve "visão imediata" do Pai. Isso, na verdade, fazia parte do conhecimento humano subjetivo que Jesus possuía de sua filiação divina, sobre o qual antes se falou. Subjetivamente, Jesus estava consciente de sua identidade pessoal de Filho ou, por outras palavras, o Verbo era autoconsciente de maneira humana. O "ego eini" de Jesus, categórico e absoluto, várias vezes presente no Evangelho de João (8,24; 8,28; 8,58; 13,19), exprime essa consciência subjetiva direta. A visão intuitiva e imediata do Pai está implicada no autoconhecimento de Jesus como Filho, mas enquanto esta é consciência subjetiva, aquela é objetiva.

Assim, torna-se claro que o Filho encarnado vivenciou em sua consciência humana o mistério de sua relação pessoal e essencial com o Pai, dentro da vida divina. A consciência subjetiva do Filho na humanidade implicava o conhecimento objetivo e intuitivo daquele de quem, no seio da divindade, o Verbo procede como Filho. Jesus vê o Pai porque, em sua consciência humana, viveu conscientemente sua relação pessoal de Filho com ele. A consciência pessoal de Filho envolvia a visão imediata do Pai.

Por várias razões se deve distinguir essa visão imediata da visão beatífica dos bem-aventurados. Primeiramente, porque se trata do relacionamento interpessoal e imediato do Filho-como-homem com seu Pai e não da visão do Deus trino por uma pessoa humana. Na relação "Eu-Tu" do Pai com o Filho, é o Pai que se torna o "Tu" do Filho-na-humanidade e não a Trindade o objeto de uma visão do homem. Contemplando a Trindade no céu, os bem-aventurados dizem: "Tu és"; na terra, Jesus no "Eu sou" de sua autoconsciência de Filho vê o Pai e não a si próprio.

Em segundo lugar, a visão imediata do Pai por Jesus não inclui a fruição beatífica, outorgada aos eleitos pela união definitiva com Deus, no fim da peregrinação terrestre. Ao contrário, o Jesus terreno, pré-pascal, está a caminho, rumo ao Pai. Sua alma humana, em situação quenótica, ainda não logrou a glória divina. A visão imediata do Pai por Jesus tornar-se-á "beatífica" somente no estado glorioso da Ressurreição. Entrementes, no estágio quenótico, há espaço para o sofrimento humano de Jesus, para o mistério de sua agonia e para se sentir abandonado pelo Pai na cruz, sem que se verifique nele uma "psicologia de vários níveis".

Além disso, a autoconsciência de Jesus e a visão imediata do Pai podem crescer e desenvolver-se, algo que inexiste na "visão beatífica". A humanidade de Jesus está sujeita às leis da psicologia humana e da atividade espiritual. Assim como a autoconsciência aumenta pela prática da atividade espiritual de uma pessoa, também a autoconsciência humana de Jesus como Filho e a visão concomitante do Pai foram crescendo desde os primeiros anos até a fase madura de sua missão pública. Jesus intensificou a consciência de sua missão messiânica e do modo como deveria bem realizá-la a partir do batismo no Jordão, quando foi identificado como o Servo sofredor de Deus, até Jerusalém, onde defrontou com a iminência da morte na cruz.

Não obstante a encíclica Mystici Corporis, nada indica ou exige que Jesus, desde o momento da encarnação, estivesse consciente de sua divindade ou que partilhasse da visão do Pai. Na verdade, Hb 10,5 refere-se ao estado quenótico da vida terrestre do Filho em geral e não, precisamente, ao momento da encarnação.

Por fim, não é preciso admitir que a visão imediata de Deus desfrutada por Jesus, ao longo da existência terrena, tenha sido de abrangência universal. Inclui, sem dúvida, as relações interpessoais com o Pai e o Espírito, mas nada nos leva a deduzir que tenha se estendido ao plano salvífico de Deus, como aconteceria com a "visão beatifica" dos eleitos no céu. Certamente, Jesus sabia tudo o que precisava saber para o exercício de sua missão de salvador, inclusive o sentido salvífico de sua morte na cruz. Mas esse conhecimento não vinha da visão do Pai. Para tanto, impunha-se outro tipo de conhecimento humano.

b) O conhecimento pela experiência

Não é necessário dizer algo sobre o conhecimento adquirido por Jesus pela experiência, exceto que tal ocorreu num processo inteiramente normal e comum. Tratando-se de um saber naturalmente limitado, a experiência de Jesus também foi suscetível de crescimento. Não era, absolutamente, total e exaustiva. Ele aprendia com o povo, com os acontecimentos, com a natureza, com a experiência, enfim. Partilhava, nesse nível de saber, a condição ordinária de todo ser humano e, assim, atingiu a maturidade humana, aprendendo, passo a passo, a consumir sua vida humana numa total "pro-existência" para os outros.

c) E o conhecimento infuso?

Certos teólogos, como E. Gutwenger, não aceitaram o conhecimento infuso em Jesus, entendendo-o como supérfluo em quem gozava da visão imediata de Deus. Para eles, a visão de Deus abrangia tudo o que Jesus deveria saber em vista de sua missão ou era, eventualmente, uma visão universal.

Não há dúvida de que Jesus sabia tudo o que devia conhecer, porque imprescindível ao exercício de sua missão. Mas, precisamente por isso, cumpre afirmar que possuía um conhecimento "infuso". E tal conhecimento não deve ser defendido a priori mas em função do papel que desenvolve no exercício da missão de Jesus. Nem se há de entendê-lo como conhecimento "angélico". Melhor compará-lo ao conhecimento "infuso" dos profetas. Estes, mercê de sua experiência de Deus, recebiam dele uma mensagem que, depois, deveriam transmitir a Israel. Assim, de certa forma, Jesus veio a conhecer de Deus tudo o que lhe era necessário para levar a termo a própria missão e tudo quanto deveria nos revelar.

Ressalta-se que a visão que Jesus tinha do Pai, porque imediata não era, de per si, comunicável. Precisava ser traduzida num saber conceitual e compreensível, para que ele pudesse revelar o Pai. É esse o objetivo do conhecimento infuso. Além do que, a visão imediata do Pai em Jesus não incluía todas as realidades. Estendia-se, primeiramente, às relações intratrinitárias, vividas por Jesus em sua consciência humana.

Por "infusão", outros conhecimentos chegavam até ele, como a profunda percepção do significado das Escrituras (cf. Jo 7,15), sua intuição a respeito do plano de salvação da humanidade por Deus, o sentido salvífico de sua morte na cruz... Em todos esses casos, o conhecimento "infuso" destinava-se, por inteiro, ao cumprimento da missão de Jesus. Ele conheceu tudo o que era necessário a tal fim e não precisava conhecer mais nada fora disso.

d) O que Jesus não sabia

O domínio de tudo o que estava relacionado à missão de Jesus não descarta alguma "ignorância" real. E sobretudo a propósito do "dia do juízo" que se põe essa questão. A tradição evangélica mostra-nos Jesus afirmando, com certa ênfase, que não conhece "o dia" (Mc 12,32; Mt 24,36). Discutem os exegetas se os textos se referem à destruição de Jerusalém ou ao "Juízo Final". Há ambigüidade nos textos escatológicos. Diante da recusa freqüente entre os teólogos de toda e qualquer ignorância em Jesus e, por outro lado, relembrando também um decreto do Santo Ofício que define como temeridade sustentar qualquer "ignorância" em Jesus, K. Adam pergunta com perspicácia: "Afinal, quem tem razão? Jesus ou os teólogos? Jesus ou o Santo Ofício?"

Alguns Padres da Igreja, como Atanásio e Cirilo de Alexandria, admitiram que Jesus desconhecia "o dia". Outros, como Jerônimo e João Crisóstomo, ensinaram que ele sabia, mas confessava não o saber; porque não era sua missão revelá-lo. Para Agostinho, sendo o "não-saber" conseqüência do pecado e caminho para ele, Jesus não poderia ignorar coisa alguma. Outros Padres, enfim, entenderam que Jesus sabia e, ao mesmo tempo, não sabia. Na "visão beatífica" que abarca tudo, ele sabia; mas não sabia, no sentido de que, não lhe cabendo revelar seu conhecimento, não o traduzia em linguagem comunicável. Dessa forma, Jesus teria confessado sua ignorância com sinceridade.

Deixando de lado essas sutilezas, não vemos nenhuma razão teológica para não aceitar, francamente, alguns desconhecimentos de Jesus. Vimos que, em sua existência terrena, a visão que desfrutava de Deus não era universal. Por um conhecimento infuso e profético, conhecia tudo o que precisava saber, em sua missão reveladora e salvífica. Se o dia do juízo não constava da missão reveladora de Jesus, não era preciso que o conhecesse e então, simplesmente, não o conhecia. O não-saber fazia parte de seu estado quenótico.

Outras questões seriam: se Jesus desconhecia, especificamente, o dia do Juízo, como os Evangelhos bem atestam (Mc 13,32), podem os teólogos pensar que Jesus se equivocou sobre isso? Em meio às idéias confusas e divergentes que circulavam a esse respeito no tempo de Jesus, seria possível ele não ter opinião própria e esclarecida sobre tal matéria? Ou poderia partilhar a idéia muito difundida, mas errada, de que a parusia se concretizaria logo mais?

Sobre essa perplexidade, R. E. Brown escreve:

Passa-se, assim, do desconhecimento à dúvida e desta a uma opinião incorreta. Mas a teologia pode aceitar que Jesus compartilhou falsas opiniões contemporâneas, em assuntos não relacionados a sua missão reveladora? Vale repetir, mais uma vez: Jesus sabia, sem erro algum, tudo quanto interessava à sua missão. Ao lado disso, porém, pode ter condividido idéias muito comuns em sua época. Supondo-se que a iminência da "hora" figurava entre tais opiniões, é difícil admiti-lo, pois pareceria contradizer sua vontade de continuar sua missão na Igreja. Entretanto, se alguma ignorância fazia parte da situaçâo quenótica da vida terrestre de Jesus, a possibilidade de comungar opiniões contemporâneas não ligadas à sua missão deve ser entendida como parte integrante de sua participação em nossa condição humana.

3. A oração e a fé do Senhor Jesus

a) A oração de Jesus

Jesus Cristo, o Mediador, é uma pessoa divino-humana que, em si mesma, une divindade e humanidade. Ele é Deus que se dirige aos homens pelo seu Verbo, autocomunicando-se e autodoando-se, e, ao mesmo tempo, é a humanidade - por ele "recapitulada" e "representada" - voltada para Deus, com ânimo agradecido. Jesus é um "mistério de adoração salvífica" (E. Schilleheeckx), constituído de duplo movimento: de Deus para a humanidade, na salvação, e da humanidade para Deus, na adoração. Daí vêm as duas direções dos atos humanos de Jesus: no movimento descendente, eles podem tornar-se a expressão humana do poder salvífico de Deus, como nos milagres de Jesus, (...) nos quais sua vontada humana se torna expressão do poder divino; no movimento ascendente, os atos humanos de jesus constituem a perfeita adoração divina.

Nessa segunda categoria enquadra-se a "religião" de Jesus, sua oração, o modo como reverenciava e adorava o Pai. Além das circuntâncias concretas e exteriores da vida de oração de Jesus, cumpre sondar o significado de sua oração e a profundidade de sua adoração a Deus.

Levando ao extremo a interpretação antioquena, Galtier apresenta Jesus, o homem, como aquele que se dirigia em oração a Deus trino, incluindo o Filho. Assim, Jesus, como homem, orava também a Cristo, como Deus. Esse enfoque da oração de Jesus baseia-se numa leitura equivocada dos dados evangélicos. Nessa visão, sustenta-se que quando Jesus ora ao "Pai" (Mc 14,36) deve-se, na realidade, entender Deus (theos). Mas acontece o contrário. Jesus ora ao Pai até mesmo quando Deus (theos) é mencionado no texto evangélico (cf Mc 15,34). K. Rahner mostrou, de forma convincente, que a palavra theos se refere, no Novo Testamento, à pessoa do Pai (Javé do Antigo Testamento), exceto onde - em Paulo(?) ou João - o conceito é aplicado também a Jesus. De qualquer modo, nunca se refere a Deus nem à Trindade de maneira indeterminada.

Galtier, para embasar sua tese teologicamente, ressalta que a oração de Jesus é o reconhecimeuto de sua relação com a Trindade na criação. Além disso, a natureza humana de Jesus é o princípio de seus atos humanos e, embora hipostaticamente unida ao Verbo, não foi assumida nas relações intratrinitárias.

A essa argumentação deve-se alegar que, embora criada pela Trindade, a natureza humana de Jesus é assumida numa união pessoal com o Verbo e, portanto, assumida também, indiretamente, nas relações intratrinitárias. Toda a vida religiosa de Jesus, sua obediência e sua auto-entrega à morte, sua oração e sua adoração, parte não do homem Jesus para a Trindade, mas do Filho encarnado, em sua humanidade, ao Pai. Todas essas ações entretecem a expressão humana, na humanidade assumida pelo Filho, de sua relação interpessoal com o Pai, com quem está "substancialmente" unido na divindade.

Assim, Jesus orou ao Pai e não genericamente a Deus ou à Trindade, nem ao Filho ou ao Espírito. Viveu em nível humano suas relações pessoais intratrinitárias com o Pai e com o Espírito. Vivida e experimentada de maneira consciente em sua psicologia humana, sua origem eterna intratrinitária do Pai, por meio da geração, é expressa pela oração e por um sentido de dependência total em relação a ele. Por isso é que Jesus orava ao Pai e somente a ele, segundo os evangelistas. Quanto ao Espírito Santo, conta o Evangelho que Jesus promete enviá-lo da parte do Pai, após sua ressurreição e glória (Jo 15,26). Essa promessa demonstra, em dimensão humana, a relação pela qual, no seio da vida divina, o Espírito tira sua origem do Pai por meio do Filho. Em ambos os casos e dos dois lados, aconteceu na psicologia humana de Jesus uma transposição, em nível humano, das relações intratrinitárias no íntimo da divindade.

Portanto, a origem eterna do Filho, gerado pelo Pai, transporta ao plano humano da psicologia humana de Jesus, tomou um sentido de dependência total. Essa idéia de dependência total para com o Pai é que se revela na oração de Jesus. Sua oração ao Pai constitui expressão de uma consciência essencialmente filial.

b) A fé do Senhor Jesus

Para muitos teólogos não há como atribuir fé a Jesus. Uns a excluem dele, por causa da "visão beatifica". A visão de Deus e sua fruição plena eliminam a fé, conforme o próprio Paulo nos lembra (lCor l3,8-l3). Outros a negam por causa de sua autoconsciência de Filho e de sua visão imediata do Pai, que não deixariam espaço algum para a fé.

Recentemente, porém, alguns teólogos afirmaram que Jesus viveu uma verdadeira vida de fé, constituindo-se, na verdade, no modelo perfeito e paradigmático da fé.

A fé não deve ser concebida, primariamente, como adesão a verdades reveladas, mas, no sentido bíblico, como entrega confiante e pessoal a Deus. Ora, a auto-entrega de Jesus visa ao Pai. Ela integra a "vida religiosa" de Jesus, sua vida de oração. Ao longo de sua existência terrena, doou-se a si mesmo ao Pai, procurou cumprir sua vontade e somente a ela se prendeu. Não de forma passiva, mas sempre ajustando-se, livremeute, a ela e envidando todas as suas energias humanas para executá-la. Essa conformação à vontade do Pai transforma-se, porém, em "fé cega", quando, no cenário da agonia no horto, a vontade do Pai se torna obscura e Jesus tem de procurá-la entre tormentos e lágrimas. Criou-se, então, misteriosa distância entre a vontade do Pai e a vontade humana de Jesus, distância que Jesus vivenciou profundamente e superou pela oração. Cabem à cena da agonia as palavras da Carta aos Hebreus:

Temos acima a descrição perfeita do que representou a vida de fé para Jesus em seus aspectos mais trágicos e profundos: a luta na busca da vontade do Pai e na submissão a ela, uma confiança indestrutível nela e o abandono total a ele na obediência máxima e, graças a tudo isso, o crescimento do homem Jesus em sua filiação divina e em seu poder salvífico em prol da bumanidade. E de notar também que a Carta aos Hebreus descreve Jesus como o "iniciador da fé e (quem) a conduz à realização" (12,12). Origem ou modelo, ou ambas as coisas? Seja qual for a interpretação desse texto, ele transluz, junto com o Evangelho de João, a expressão mais profunda da fé que Jesus depositava em Deus, seu Pai. A compatibilidade dessa fé com a autoconsciência de Jesus como Filho e com sua "visão imediata" do Pai será exposta [posteriormente], quando se falar, explicitamente, da vontade humana e do sofrimeuto de Jesus. Já que o sentido de dependência do Pai vivido por Jesus era a expressão humana de sua relação filial intratrinitária, isso pressupunha, mais do que contrariá-la, sua identidade de Filho. A fé que havia em Jesus não anula nossa fé em Jesus, mas fundamenta-a. Faz parte da cristologia implícita do Jesus terreno, no qual se baseia a cristologia explícita da Igreja apostólica.


Texto retirado das páginas 162 a 175. Notas omitidas.

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