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INTRODUÇÃO AO DIREITO ECLESIAL
Autor: Gianfranco Ghirlanda
Editora: Loyola
Páginas: 148
Formato: 21 x 14 cm
Preço: * *

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» APRESENTAÇÃO

A experiência jurídica é constitutiva do ser humano enquanto ser social. O estudo desta experiência conduz, pois, a um aprofundamento da antropologia teológica que, por sua vez, viabiliza a compreensão do fenômeno jurídico na Igreja, sociedade ao mesmo tempo divina e humana. O direito eclesial enraíza-se na experiência do ser humano, criado e redimido para entrar em comunhão com Deus e com os outros. Por outro lado, ele é, na Igreja, em função da edificação da comunhão eclesial, manifestação visível da comunhão com o Deus Uno e Trino.

O objetivo desta obra é levar o estudioso de direito canônico a se despojar de um modo positivista e legalista de estudar as normas canônicas, para assumir uma visão teológica da realidade jurídica da Igreja.

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» O AUTOR

Gianfranco Ghirlanda (sj) nasceu em Roma, em 1941. Formou-se em direito em 1966, na Universidade de La Sapienza de Roma. No mesmo ano entrou para a Companhia de Jesus, onde foi ordenado sacerdote em 1973. Em 1978, doutorou-se em Direito Canônico na Pontifícia Universidade Gregoriana. É professor da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Gregoriana desde 1976 e da Faculdade de Direito Canônico desde 1979, da qual é professor titular desde 1983.

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» AMOSTRA

Natureza e fim [da Lei na Igreja]

A LEI POSITIVA NO NOVO TESTAMENTO

Os Atos dos Apóstolos e os Evangelhos Sinópticos

A comunidade primitiva, embora não nos transmita um novo código de leis que tome o lugar daquele do Antigo Testamento, está bem consciente da presença do Espírito Santo e de que as leis positivas exprimem a vontade de Deus. Basta citar a decisão tomada pelos Apóstolos e pelos anciãos em Jerusalém: "Decidimos, o Espírito Santo e nós..." (At 15,28). Vê-se claramente que as regras concretas do comportamento cristão, as normas positivas, procedem do Espírito Santo, que age por meio da assembléia dos Apóstolos e dos anciãos. O jurídico dogmático, o direito divino, subjacente às normas positivas contidas no decreto de Jerusalém, consiste na necessidade apenas do batismo para começar a fazer parte da Igreja. Essa norma entra na Tradição Apostólica e é a primeira norma da Igreja e a norma fundamental do direito eclesial de todos os tempos, porque exprime a consciência que a Igreja tem de ser o novo povo de Deus, distinto do povo de Israel. É essa norma fundamental que Paulo transmite pelas cidades em que passa, embora faça Timóteo ser circuncidado em atenção aos judeus (At 16,3-4). A decisão normativa tomada em Jerusalém, centro da Igreja nascente, coloca o fundamento da unidade da Igreja e protege a comunhão entre as Igrejas.

Jesus critica asperamente o sistema legal rabínico, porque esse baldava a vontade de Deus; contudo, Jesus fornece normas segundo as quais devem ser regradas situações concretas, que podem pôr em perigo a paz e a comunhão entre os fiéis (Mt 18,15-17; Mc 10,1-31) e o modo de difundir o evangelho (Mc 6,7-13). Jesus afirma uma nova ordenação da Igreja, que deve basear-se em sua própria pessoa. A lei de Moisés, na realidade, permanece em vigor apenas pelo fato de ter sua consumação em Cristo, que exprime e cumpre plenamente a vontade de Deus; sem ele, a lei deve ser considerada incompleta (Mt 5,17-19.31.48; 19,3-9). A nova ordenação da comunidade deve basear-se na lei fundamental do amor também pelos inimigos (Mt 5,21-26.43-48; Lc 6,27-28.32-36). Todas as leis, as normas, as regras, na comunidade cristã, por um lado, devem ser determinações concretas da lei fundamental do amor e, por outro lado, como conseqüência, indicam o caminho para o cumprimento dessa mesma lei. Portanto, podemos dizer que nos Evangelhos Sinóticos se encontra a afirmação da continuidade e da permanência da lei mosaica, em virtude da consumação dessa por Jesus, mas, ao mesmo tempo, também a novidade absoluta do modo de agir dos fiéis em Cristo, até a crítica radical aos fariseus (Mt 23,1-31).

O Evangelho de João

Para o Evangelho de João, a economia do Antigo Testamento consiste no dom da lei, ao passo que a do Novo se baseia na graça da verdade de Jesus Cristo, que superabunda em relação à lei de Moisés, porque a revelação de Cristo a supera (Jo 1,16-17). Segundo João, a própria lei de Moisés não deve ser considerada apenas um conjunto de prescrições morais e jurídicas, mas uma revelação, a qual se consumou plenamente em Jesus Cristo (Jo 1,45; 7,19-24). Os judeus reduziam a fidelidade em relação à lei à observância material e externa, ao passo que Cristo procura nela a vontade de Deus e seu plano de salvação. Quem, então, crê em Cristo nele encontra um novo senso de observância da lei. A verdade de Jesus Cristo é a nova lei do fiel. Isso deve ser considerado pelo fiel o princípio fundamental de interpretação não só da lei de Moisés, mas também de qualquer lei, e prescrição para a vida cristã. Com efeito, segundo João, a verdade de Cristo tem um caráter normativo, porque a verdade deve ser feita, deve ser posta em prática (Jo 3,21; 1Jo 1,6). Fazer a verdade não significa apenas assumir um modo de agir inspirado pela fé, mas exprimir a mesma fé como opção fundamdamental por Cristo. A verdade de Cristo, então, não é uma norma externa, mas é aquela realidade que, por obra do Espírito em virtude da fé, se torna uma norma interna e critério fundamental de ação do fiel. O mandamento de amor dado por Cristo a seus discípulos é dom de salvação (Jo 13,34; 2Jo 6). Tal lei de Cristo não é um novo Código de normas positivas, mas é o conhecimento do mistério da salvação cumprido em Cristo. Trata-se de uma lei inscrita pelo Espírito no coração dos homens, que conduz à liberdade (cf. Jr 31,31-34). O mandamento novo de amor define-se em relação à pessoa do próprio Jesus (Jo 13,34; 15,12.17). A dimensão horizontal desse mandamento funda-se na dimensão vertical do próprio amor, porque "Deus é amor e o amor é de Deus (1Jo 4,7-8.16; 15,1), e Cristo é a plena manifestação desse amor. Concluindo, podemos afirmar que, segundo João, na comunidade cristã todas as leis positivas, para estar de acordo com a vontade de Deus, devem exprimir a fé e a caridade e ao mesmo tempo protegê-las. Os mandamentos de crer e de amar exprimem algo radical, a vida na verdade, como obra interna do Espírito Santo.

São Paulo

S. Paulo é o autor do Novo Testamento que mais tratou da lei. Em seus escritos, encontramos alguns textos em que é negada à lei toda função positiva na vida cristã, e outros em que, pelo contrário, afirma-se uma função positiva, e até textos nos quais vemos que o próprio Paulo dá normas às comunidades. Se devêssemos deter-nos apenas nos textos da primeira categoria, chegaríamos à negação absoluta da lei positiva na Igreja; se, porém, exaltássemos unilateralmente as afirmações positivas de S. Paulo e sua atividade normativa, poderíamos chegar a uma afirmação exagerada do peso da lei na vida da Igreja.

Ao falar da lei, Paulo refere-se imediatamente à torá, porque a argumentação acerca do valor da lei está ligada à questão da justificação pela fé em Jesus Cristo e, portanto, à circuncisão (Gl 2,21; 5,4). No entanto, o que faz com que Paulo rejeite a torá deve ser estendido a todo tipo de lei que seja uma norma de ação apenas externa, sem nenhuma relação com o mistério de Cristo.

A afirmação fundamental de Paulo é a liberdade dos crentes em Cristo em relação à lei externa. A única via para a justificação e a salvação é Cristo e a fé nele; por isso, a lei não pode ser considerada meio e via de justificação. Embora na história da salvação a lei deva ser considerada uma manifestação da vontade de Deus, e por isso Paulo a chama boa, justa, santa e espiritual (Rm 7,12-16), a situação do homem pecador em relação à lei e a Cristo (Rm 7,l4ss.) leva Paulo à afirmação de que a lei não torna o homem justo diante de Deus, mas antes o coloca sob a maldição de Deus (Gl 2,10). Só Cristo torna justo o homem, libertando-o da lei do pecado e da morte (Rm 8,1-4). O valor da lei, deve-se dizer, é negado por Paulo à luz da redenção pela morte e ressurreição de Cristo, e da justificação pela fé em Jesus Cristo e não pelas obras da lei (Gl 2,16; 1Cor 1,30).

Cristo é termo da lei para a justiça de cada crente (Rm 10,4) em dois sentidos. Por um lado, é "termo" porque a lei foi nosso pedagogo, conduzindo-nos a Cristo para que fôssemos justificados pela fé (Cl 3,24): Cristo é o termo para o qual a lei tendia; por outro lado, é "termo" porque Cristo põe fim no valor da lei, como sistema religioso insuficiente e imperfeito, de que Cristo toma o lugar, uma vez que nele foram cumpridas todas as promessas de Deus (2Cor 20). Pondo fim à lei feita de prescrições exteriores, Jesus torna-se a lei interior do cristão. Por isso, são justificados e salvos só por Cristo tanto os judeus, que têm a lei divina escrita, como os gregos, que, não dispondo dessa lei, são lei para si mesmos e trazem escrito em seus corações o que a lei exige (Rm 2,9-16; 10,11-13).

Do que foi dito podemos concluir que Paulo nega em absoluto a função positiva, para se obter a salvação, de qualquer tipo de lei externa, mas não podemos deduzir que, segundo ele, as normas e leis sejam totalmente inúteis na comunidade cristã. O próprio Paulo forneceu normas práticas para se resolverem dificuldades práticas.

Antes, porém, de falar da função positiva das normas particulares fornecidas por Paulo, cumpre dizer algo sobre essa lei fundamental para a vida cristã, que é a lei do amor, também chamada de "lei de Cristo" (Gl 6,2). Na lei do amor, consuma-se qualquer lei (Rm 13,8-10; Gl 5,14). Paulo rejeita a lei do Velho Testamento, que, no entanto, manifestava a vontade de Deus, mas ao mesmo tempo afirma a necessidade de conhecer a vontade de Deus para levar uma vida boa (Rm 12,2). Paulo não estabelece uma ordenação legal sistemática para as comunidades cristãs, porque a nova lei do amor, que revela a vontade de Deus, é uma lei interna ao homem, animada pelo Espírito Santo, que, portanto, pode ser cumprida pelo homem. Em virtude da redenção de Cristo, a ação mesma do Espírito Santo no coração do homem torna-o capaz de cumprir a vontade de Deus, contida nessa lei do amor. Com efeito, a lei do Espírito que dá vida, em Cristo libertou o homem da lei do pecado e da morte, e o que era impossível para a lei agora se tornou possível por Deus por meio de Jesus Cristo, para que a justiça da lei se cumprisse no homem, que já não vive segundo a carne, mas segundo o Espírito (Rm 8,2-5).

Da lei do amor, que é a lei de Cristo e a do Espírito, surge uma verdadeira obrigação: "Não tenhais nenhuma divida para com ninguém, senão a de um amor recíproco; porque quem ama seu semelhante cumpriu a lei" (Rm 13,8). O amor recíproco na comunidade cristã é uma verdadeira obrigação. Pelo fato de que, como vimos no capítulo anterior, do ponto de vista evangélico, justiça e caridade estão mutuamente ligadas e implicadas, podemos dizer que tal obrigação na comunidade cristã é uma verdadeira obrigação de justiça. Quem ama o próximo cumpre a lei, e o amor recíproco é a plenitude de toda a lei (Rm 13,8-10; Gl 5,14), não porque a lei do amor seja o mandamento principal dentre os outros mandamentos, mas porque, depois do advento de Cristo, a lei do amor contém em si toda a vontade divina revelada na lei. Toda a lei do Antigo Testamento é cumprida porque seus mandamentos particulares encontram seu critério hermenêutico fundamental e único na lei do amor. Além disso, o amor é cumprimento da lei pelo fato de o amor ser a força interna ao coração do homem, que dá vida à lei e a leva à plenitude. Por isso, a liberdade cristã em relação à lei externa não significa um modo dissoluto de agir (Gl 5,13): o fiel deve cumprir os mandamentos de Deus, e não de um modo mínimo, mas de um modo máximo, justamente porque é guiado pela lei do amor. O fiel pode fazer isso porque o amor de Deus foi difundido em seu coração por meio do Espírito Santo que lhe foi dado (Rm 5,5). Assim, não se trata da mera adequação de seu modo de agir a obrigações impostas de fora do coração do homem, mas da manifestação, na vida quotidiana, do amor do Espírito Santo, que habita no coração do homem (cf. Jr 31,33; Ez 36,26; Dt 30,6).

Baseando-se nessa visão das coisas, Paulo considera que o homem renascido em Cristo por si só não precise de normas e de regras, mas, uma vez que também na vida de tal homem não há coerência entre a vida interior da graça e o modo externo de viver, o mesmo Paulo dá normas e regras às comunidades, principalmente com o fim de reprimir falsas interpretações acerca da liberdade cristã (1Cor 6,12; 10,23).

As leis positivas por si sós não são dadas para os justos, para aqueles que cumprem a lei interior do amor, porque, movidos pelo instinto do Espírito, eles fazem espontaneamente o que a lei prescreve, e não por serem forçados por ela (1Tm 1,9; Gl 5,18). Os justos estão sob uma lei que os obriga, mas não os constrange. É, pelo contrário, para os injustos que as leis positivas são feitas (1Tm 1,9), para que sejam para eles, também na Igreja, um pedagogo em Cristo com vistas à justificação (Gl 3,24). As normas fornecidas pelo Apóstolo não são leis abstratas e gerais, que formarão um Código preceptivo sistemático, mas são antes regras práticas voltadas para a solução de problemas particulares surgidos nas comunidades, portanto em estreita relação com a compreensão da vida concreta dos cristãos, para que esses vivam aquela comunhão com Cristo a que foram chamados por Deus (1Cor 1,9). Com efeito, para dar fundamento às soluções práticas aos problemas propostos pelas comunidades, Paulo sempre se refere ao mistério da salvação em Cristo e ao que Cristo nos deu para vivermos nele. Assim, com as normas positivas que fornece, Paulo quer guiar os cristãos para aquela lei do amor de Cristo que eles violaram. Para Paulo, o imperativo surge do indicativo: agere sequitur esse (1Cor 5,7-8). Contudo, também para os justos as leis positivas não são inúteis, porque também os justos têm o Espírito só como primícia e podem tornar-se novamente carnais. As leis positivas, de qualquer forma, mostram, também aos justos, que se o homem as violar não mais viverá segundo o Espírito.

A função das normas e das regras fornecidas pelo Apóstolo não reside no fato de que a observância delas constitua a relação com Cristo, mas consiste na manifestação da autenticidade das relações entre os fiéis na comunidade. Tais relações devem ser fundadas em Cristo, porque a fonte das normas deve ser a própria experiência cristã, a mesma experiência de Cristo na vida dos fiéis. O modo de agir dos batizados deve ser congruente com o mistério da morte e da ressurreição de Cristo, mistério de que eles participam (1Cor 5,7-8). O fim das leis e das medidas disciplinares não é vindicativo ou punitivo, mas sim o bem dos indivíduos e da comunidade, a salvação (1Cor 5,5-6; 6,9.11.19-20; 7,15; 8,11-13; 10,31-33).

Como chefe das comunidades, Paulo tem consciência da autoridade recebida de Cristo para a edificação delas (1Cor 5,4; 9,1; 15,8-10; 2Cor 10,8) e a exerce em nome do mesmo Cristo, para dar certa organização às comunidades, como, por exemplo, no exercício dos carismas (1Cor 14,26-33), nas relações de ajuda recíproca (1Cor 16,1-4), nas assembléias litúrgicas (1Cor 11,4-5.17-34) etc.; e também para tomar providências disciplinares graves (1Cor 5,5; 1Tm 1,20; 2Tm 2,17-18). Tratando-se de uma autoridade pastoral e de serviço, Paulo a exerce como um pai ou irmão, animado pelo amor, para o bem tanto dos indivíduos como de toda a comunidade (1Ts 2,11; 1Cor 4,14-15; Rm 12,1; 16,17; 1Cor 1,10; 4,6).

SÍNTESE

Em síntese, podemos afirmar que nos escritos do Novo Testamento encontramos uma continuidade de ensinamento. A afirmação fundamental é que todas as regras, normas e leis positivas têm sentido na comunidade cristã só em relação a Cristo. O comportamento dos fiéis em suas relações mútuas e a ordem da comunidade não se fundamentam nas leis positivas em si mesmas, mas na comunhão com Cristo. A norma na vida cristã não tem seu sentido no fato de conter uma ordem que deva ser executada, mas no fato de que é o fruto da autocompreensão da comunhão dos indivíduos e da comunidade em seu conjunto com Cristo. A obrigação da observância da lei na comunidade cristã não surge tanto do fato de que a lei é dada e promulgada por um legítimo legislador dotado de poder, mas sobretudo pelo fato de que é animada pelo Espírito de Cristo. A lei positiva da comunidade cristã, em seguida, não só deve mostrar onde está o pecado, mas, antes de tudo, deve indicar qual é o comportamento que se deve ter segundo a lei interna do amor, segundo a ação do Espírito Santo, para poder alcançar e reforçar a comunhão com Deus em Jesus Cristo e com os irmãos. O legislador eclesiástico, então, quer no momento da primeira produção das normas, quer para prover à renovação delas, deverá confrontar-se com o mistério da salvação, que se torna presente na vida de cada um dos fiéis e de toda a comunidade.


Texto retirado das páginas 33 a 40.

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