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FAMÍLIA, MATRIMÔNIO E "UNIÕES DE FATO"
Autor: Conselho Pontifício para a Família
Editora: Loyola/Paulus
Páginas: 60
Formato: 21 x 14 cm
Preço: *

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» APRESENTAÇÃO

Um dos fenômenos mais difundidos e que interpelam vivamente a consciência da comunidade cristã, hoje em dia, é o número crescente das uniões de fato no conjunto da sociedade, com a conseqüente desafeição pela estabilidade do matrimônio que isto comporta. A Igreja, em seu discernimento dos "sinais dos tempos", não podia deixar de dar atenção a essa realidade.

O Conselho Pontifício para a Família, consciente das graves repercussões sociais e pastorais dessa situação, organizou uma série de reuniões de estudo durante o ano de 1999 e os primeiros meses do ano 2000, com a participação de importantes personalidades e destacados especialistas de todo o mundo, com o objetivo de analisar adequadamente esse problema delicado, de tanta transcendência para a Igreja e para o mundo.

Fruto disso tudo é o presente documento, em cujas páginas se aborda uma problemática atual e difícil, que toca de perto o próprio cerne das relações humanas, a questão mais delicada da intima união entre família e vida, as zonas mais sensíveis do coração humano.

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» O AUTOR

O Conselho Pontifício para a Família é órgão direto da Cúria Romana, presidido pelo card. Alfonso López Trujillo.

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» CONTEÚDO

  1. Introdução

  2. As "uniões de fato"
    • Aspecto social das "uniões de fato"
    • Elementos constitutivo das "uniões de fato"
    • Os motivos pessoais e o fator cultural

  3. Família fundada no matrimônio e "uniões de fato"
    • Família, vida e "união de fato"
    • As "uniões de fato" e o pacto conjugal

  4. As "uniões de fato" no conjunto da sociedade
    • Dimensão social e política do problema da equiparação
    • O reconhecimento e a equiparação das "uniões de fato" discriminam o matrimônio
    • Fundamentos antropológicos da diferença entre matrimônio e "uniões de fato"
    • Maior gravidade da equiparação do matrimônio às relações homossexuais

  5. Justiça e bem social da família
    • A família, bem social a proteger na justiça
    • Valores sociais objetivos a fomentar
    • A sociedade e o Estado devem defender e promover a família fundada no matrimônio

  6. Matrimônio cristão e "união de fato"
    • Matrimônio cristão e pluralismo social
    • O processo de secularização da família no Ocidente
    • O matrimônio, instituição do amor conjugal, diante de outros tipos de uniões

  7. Linhas cristãs de orientação
    • Enunciação de base do problema "no princípio não era assim"
    • "Uniões de fato", fatores de fragilidade e graça sacramental
    • Testemunho do matrimônio cristão
    • Uma preparação adequada para o matrimônio
    • A catequese familiar
    • Os meios de comunicação
    • Compromisso social
    • Atenção e proximidade pastoral

  8. Conclusão

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» AMOSTRA

As "Uniões de Fato" no Conjunto da Sociedade

DIMENSÃO SOCIAL E POLÍTICA DO PROBLEMA DA EQUIPARAÇÃO

Certos influxos culturais radicais (como a ideologia de gênero que mencionamos antes) têm como conseqüência a deterioração da instituição familiar. "Preocupante é o ataque direto à instituição familiar que se está desenvolvendo, tanto em nível cultural como nos âmbitos político, legislativo e administrativo [...] é clara a tendência a equiparar à família outras e bem diversas formas de convivência prescindindo de considerações fundamentais de ordem ética e antropológica." É prioritário, portanto, definir a identidade própria da família. Essa identidade comporta a estabilidade da relação matrimonial entre homem e mulher; considerada como um valor e uma exigência, estabilidade que encontra expressão e confirmação na perspectiva de procriar e educar os filhos, em benefício do tecido social como um todo. A estabilidade conjugal e familiar não se funda unicamente na boa vontade das pessoas, mas reveste um caráter institucional, em razão do reconhecimento público, por parte do Estado, da escolha da vida conjugal. O reconhecimento, a defesa e a promoção de tal estabilidade responde ao interesse geral, especialmente dos mais frágeis, a saber; os filhos.

Outro risco em que se pode incorrer no exame das implicações sociais do problema que nos ocupa é o da banalização. Alguns afirmam que o reconhecimento e a equiparação das uniões de fato não deveria preocupar excessivamente, visto que seu número é relativamente restrito. Mas, nesse caso, dever-se-ia concluir exatamente o contrário, uma vez que uma consideração quantitativa do problema deveria então levar a pôr em dúvida a conveniência de abordar o problema das uniões de fato como problema de primeira magnitude, especialmente onde mal se presta uma adequada atenção ao grave problema (presente e futuro) da proteção do matrimônio e da família mediante políticas apropriadas com incidência real na vida social. A exaltação indiferenciada da liberdade da escolha dos indivíduos, sem nenhuma referência a uma ordem de valores de relevância social, obedece a uma concepção completamente individualista e privatista do matrimônio e da família, cega à sua dimensão social objetiva. Há que levar em conta que a procriação é princípio "genético" da sociedade e que a educação dos filhos é lugar primordial de transmissão e cultivo do tecido social, núcleo essencial de sua configuração estrutural.

O RECONHECIMENTO E A EQUIPARAÇÃO DAS UNIÕES DE FATO DISCRIMINAM O MATRIMÔNIO

Com o reconhecimento público das uniões de fato, se cria um quadro jurídico assimétrico: enquanto a sociedade assume obrigações para com os conviventes das uniões de fato, estes não assumem para com aquela as obrigações próprias do matrimônio. A equiparação agrava esta situação, pois privilegia as uniões de fato em detrimento dos matrimônios, por eximi-las dos deveres essenciais para com a sociedade. Aceita-se dessa forma uma dissociação paradoxal que se traduz em prejuízo para a instituição familiar. Em relação às recentes propostas legislativas de equiparar as uniões de fato, inclusive as homossexuais, à família (convém levar em conta que seu reconhecimento jurídico é o primeiro passo rumo à equiparação), é preciso recordar aos parlamentares sua grave responsabilidade de opor-se a isso, uma vez que "os legisladores, e em especial os parlamentares católicos, não deveriam favorecer com seu voto esse tipo de legislação, porque contrária ao bem comum e à verdade do homem, e, portanto, verdadeiramente iníqua". Essas iniciativas legais apresentam todas as características de desconformidade com a lei natural, o que as torna incompatíveis com a dignidade de lei. Como diz Sto. Agostinho, "Non videtur esse lex, quae iusta non fuerit". É preciso reconhecer um fundamento último ao ordenamento jurídico. Não se trata, portanto, de pretender impor determinado "modelo" de comportamento ao conjunto da sociedade, mas de que seja reconhecido, no ordenamento legal, a imprescindível contribuição da família fundada no matrimônio ao bem comum. Onde a família está em crise, a sociedade vacila.

A família tem direito a ser protegida e promovida pela sociedade, como o reconhecem numerosas constituições vigentes em todo o mundo. É um reconhecimento, em justiça, da função essencial que a família fundada no matrimônio representa para a sociedade. A esse direito originário da família corresponde, da parte da sociedade, um dever não só moral, mas também civil. O direito da família fundada no matrimônio a ser protegida e promovida pela sociedade e pelo Estado deve ser inscrito na lei. Trata-se de uma questão que afeta o bem comum. Santo Tomás de Aquino, com uma argumentação límpida, rejeita a idéia de que a lei moral e a lei civil podem se opor: são distintas porém não opostas; distinguem-se, porém não se dissociam; entre elas não há univocidade nem tampouco contradição. Como afirma João Paulo II, "é necessário, pois, que aqueles que foram chamados a conduzir o destino das nações reconheçam e fortaleçam a instituição matrimonial: com efeito, o matrimônio tem um estatuto jurídico específico, reconhecendo os direitos e deveres da parte dos cônjuges, de um para com outro e em relação aos filhos; o papel das famílias na sociedade, cuja perenidade é por elas assegurada, é primordial. A família favorece a socialização dos jovens e contribuí para deter os fenômenos de violência mediante a transmissão dos valores, assim como pela experiência da fraternidade e da solidariedade que ela permite viver cada dia. Na busca de soluções legítimas para a sociedade moderna, ela não pode ser posta no mesmo plano de simples associações ou uniões, e estas não se podem beneficiar de direitos particulares ligados exclusivamente à proteção do compromisso conjugal e da família, fundada no matrimônio, como comunidade de vida e de amor estável, fruto do dom total e fiel dos cônjuges, aberta à vida".

Os responsáveis políticos devem tomar consciência da gravidade do problema. A ação política atual tende no Ocidente, com certa freqüência, a geralmente privilegiar os aspectos pragmáticos e a chamada "política de equilíbrios" em pontos concretos, evitando entrar na discussão dos princípios que poderiam prejudicar difíceis e precários compromissos entre partidos, alianças ou coalizões. Mas tais equilíbrios não deveriam, pelo contrário, estar fundados sobretudo na clareza dos princípios, no respeito aos valores essenciais, na transparência dos postulados fundamentais? "Se não existe nenhuma verdade última que guie e oriente a ação política, então as idéias e as convicções podem ser facilmente instrumentalizadas para fins de poder. Uma democracia sem valores converte-se facilmente num totalitarismo aberto ou dissimulado, como a história o demonstra".

A função legislativa corresponde à responsabilidade política; nesse sentido é próprio do político velar (não só pelos princípios mas também pelas aplicações) para evitar uma deterioração, de graves conseqüências presentes e futuras, da relação lei moral-lei civil e defender o valor educativo-cultural do ordenamento jurídico. O modo mais eficaz de defender o interesse público não consiste em concessões demagógicas a grupos de pressão que buscam promover as uniões de fato, mas na promoção enérgica e sistemática de políticas familiares orgânicas, que entendam a familia fundada no matrimônio como o centro e o motor da política social e que cubram o amplo leque dos direitos da família. A esse aspecto a Santa Sé dedicou espaço na Carta dos Direitos da Família, superando uma concepção meramente assistencialista do Estado.

FUNDAMENTOS ANTROPOLÓGICOS DA DIFERENÇA ENTRE MATRIMÔNIO E "UNIÕES DE FATO"

0 matrimônio se funda, pois, sobre alguns pressupostos antropológicos bem definidos, que o distinguem de outros tipos de união e que - para além do campo de ação concreta, do "factual" - o ancoram no ser pessoal da mulher e do homem.

Entre esses pressupostos encontram-se: a igualdade entre mulher e homem pois "ambos são, igualmente, pessoas" (se bem que de modo diverso); o caráter complementar de ambos os sexos do qual nasce a natural inclinação entre eles e os leva a gerar os filhos; a possibilidade do amor pelo outro precisamente enquanto sexualmente diverso e complementar; de modo que "este amor se exprime e se realiza de maneira singular pelo exercício dos atos próprios do matrimônio"; a possibilidade - dada pela liberdade - de estabelecer uma relação estável e definitiva, isto é, devida em justiça; e, finalmente, a dimensão social da condição conjugal e familiar; que constitui o primeiro âmbito de educação e abertura à sociedade mediante as relações de parentesco (que contribuem para a configuração da identidade da pessoa humana).

Se se aceita a possibilidade de um amor especifico entre homem e mulher; é óbvio que tal amor incline (por sua própria natureza) a certa intimidade e exclusividade, a gerar a prole e a formular um projeto comum de vida. Quando se quer isso, e se quer de modo tal que se dá ao outro a faculdade de exigi-lo, pode-se falar de verdadeira doação e aceitação recíproca entre a mulher e o homem, que cria a comunhão conjugal. Há uma doação e aceitação recíproca da pessoa humana na comunhão conjugal. "O amor coniugalis, portanto, não é só nem sobretudo sentimento; é, ao contrário, essencialmente um compromisso para com a outra pessoa, compromisso que se assume com um ato de vontade preciso. Exatamente isso qualifica esse amor, tornando-o coniugalis. Uma vez dado e aceito, o compromisso por meio do consentimento, o amor toma-se conjugal e não perde mais esse caráter". Na tradição histórica cristã do Ocidente, isso se chama matrimônio.

Trata-se, portanto, de um projeto comum estável, que nasce da entrega livre e total do amor conjugal fecundo como algo devido em justiça. A dimensão da justiça, tratando-se de uma instituição originária (e originadora da sociedade), é inerente à própria conjugalidade: "São livres para celebrar o matrimônio depois de haverem escolhido um ao outro de modo igualmente livre; porém, no momento em que realizam este ato, instauram um estado pessoal no qual o amor se transforma em algo devido, também com valor juridico". Podem existir outras maneiras de viver a sexualidade - até mesmo contra as tendências naturais -, outras formas de convivência em comum, outras relações de amizade - baseadas ou não na diferenciação sexual -, outros meios para trazer filhos ao mundo. Porém, a família fundada no matrimônio tem como aspecto distin- tivo o ser a única instituição que compreende todos os elementos citados, de modo originário e simultâneo.

Por conseguinte, mostra-se necessário enfatizar a gravidade e o caráter insubstituível de alguns princípios antropológicos sobre a relação homem-mulher; fundamentais para a convivência humana e muito mais para a salvaguarda da dignidade de toda pessoa. O núcleo central e o elemento essencial desses princípios é o amor conjugal entre duas pessoas de igual dignidade, porém distintas e complementares em sua sexualidade. É a natureza do matrimônio como realidade natural e humana que está em jogo, e é o bem de toda a sociedade o que está em questão. "Como todos sabem, hoje não só se põem em discussão a propriedade e a finalidade do matrimônio, mas também o valor e a própria utilidade desta instituição. Mesmo excluindo generalizações indevidas, não se pode ignorar a esse respeito o fenômeno crescente das simples uniões de fato (cf Familians consortio, n. 81), e as insistentes pesquisas de opinião voltadas a obter dignidade conjugal para uniões inclusive entre pessoas do mesmo sexo."

Trata-se de um princípio basilar: para ser amor conjugal verdadeiro e livre, o amor deve ser transformado em um amor devido em justiça, mediante o ato livremente escolhido do consentimento matrimonial. "A luz desses princípios, pode-se estabelecer e compreender a diferença essencial que existe entre uma mera união de fato - ainda que se afirme que nasceu por amor - e o matrimônio, no qual o amor se traduz em um compromisso não só moral, mas também rigorosamente jurídico. O vínculo que se assume reciprocamente desenvolve desde o principio uma eficácia que fortifica o amor do qual nasce favorecendo a sua duração em beneficio do cônjuge, da prole e da própria sociedade."

Com efeito o matrimônio - fundamento da família - não é uma "forma de viver a sexualidade a dois". Se fosse simplesmente isso, tratar-se-ia de uma modalidade a mais entre as várias possíveis. Tampouco é simplesmente a expressão de um amor sentimental entre duas pessoas: esta característica se atribui ao amor em geral no quadro de uma amizade. O matrimônio é mais do que isto: é união entre uma mulher e um homem, apenas como tais, na totalidade de seu ser masculino e feminino. Se essa união só pode ser estabelecida por um ato de vontade livre dos contraentes, seu conteúdo específico é determinado pela estrutura do ser humano, mulher e homem: recíproca entrega e transmissão da vida. Esse dom de si, em toda a dimensão complementar da mulher e do homem, com a vontade de dever-se em justiça um ao outro, é chamado de conjugalidade, e os contraentes são então constituídos cônjuges: "Esta comunhão conjugal radíca na complementaridade natural que existe entre o homem e a mulher e alimenta-se mediante a vontade pessoal dos esposos de compartilhar; num plano de vida integral, o que têm e o que são. Por isso, tal comunhão é fruto e sinal de uma exigência profundamente humana."

MAIOR GRAVIDADE DA EQUIPARAÇÃO DO MATRIMÔNIO ÀS RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS

A verdade sobre o amor conjugal permite compreender melhor as graves conseqüências sociais da institucionalização da relação homossexual: "Torna-se patente quão incongruente é a pretensão de atribuir uma realidade conjugal à união entre pessoas do mesmo sexo. Opõe-se a isso, antes de mais nada, a impossibilidade objetiva de fazer frutificar o conúbio mediante a transmissão da vida, segundo o projeto inscrito por Deus na própria estrutura do ser humano. Igualmente, se opõe a isso a ausência dos pressupostos para a complementaridade interpessoal querida pelo Criador; tanto no plano físico-biológico como no eminentemente psicológico entre o homem e a mulher". O matrimônio não pode ser reduzido a uma condição semelhante à de uma relação homossexual; isso é contrário ao sentido comum. No caso das relações homossexuais que reivindicam ser consideradas união de fato, as consequências morais e jurídicas apresentariam particular relevância. "As uniões de fato entre homossexuais além disso constituem uma deplorável distorção do que deveria ser uma comunhão de amor e vida entre um homem e uma mulher, que se empenham no dom recíproco de si e se abrem à geração da vida." Todavia é muito mais grave a pretensão de equiparar tais uniões ao "matrimônio legal", como reclamam algumas iniciativas recentes. E como se isso ainda não bastasse, pretende-se tornar legalmente possível a adoção de crianças no contexto das relações homossexuais, aliando-se a tudo um elemento de grande periculosidade. "Não pode constituir uma verdadeira família o vínculo entre dois homens ou entre duas mulheres, e muito menos se pode atribuir a essa união o direito de adotar crianças sem família." Recordar a transcendência social da verdade sobre o amor conjugal e enfatizar, por conseguinte, o grave erro que seria o reconhecimento ou inclusive a equiparação do matrimônio às relações homossexuais não supõe de modo algum discriminar essas pessoas. É o próprio bem comum da sociedade que está exigindo que as leis reconheçam, favoreçam e protejam a união matrimonial com base na família, que se veria, do contrário, prejudicada.


Texto retirado das páginas 25 a 34. Notas referenciais omitidas.

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