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1. De Paulo à Era Constantiniana Autor: Claudio Moreschini / Enrico Norelli Editora: Loyola Páginas: 572 Formato: 21 x 14 cm Preço: * * * * Apresentação | Os Autores | Conteúdo | Amostra | Maiores Informações | Pedidos via Internet |
» APRESENTAÇÃO
Esta obra pretende dar relevo aos aspectos literários característicos dos escritos dos primeiros
séculos cristãos. Tais aspectos são freqüentemente transcurados em obras análogas.
A produção literária cristã é quase sempre considerada ou como instrumento para a história da
Igreja antiga ou como aspecto menor da história do pensamento patrístico. Este livro propõe
reconsiderar a constribuição do cristianismo nascente para a formação da cultura ocidental. É
claro que o termo "cultura" deve ser entendido em sentido lato, e não como identificação
exclusiva à produção artística. "Cultura" compreende o pensamento, as problemásticas, as
soluções que o cristianismo antigo produziu e pelos quais viveu. Desse modo, recupera-se,
observando-a de um ângulo específico, a peculiaridade da mensagem evangélica, núcleo
insubstituível de toda forma literária cristã. Os conteúdos e gêneros dessa literatura eram
ao mesmo tempo antigos e novos, e sua elaboração configurou a passagem da civilização antiga
para a medieval.
» OS AUTORES
Claudio Moreschini é professor de literatura latina na Universidade de Pisa. Publicou
edições críticas de Tertuliano e Gregório Nazianzeno para "Sources Chrétiennes", de Jerônimo
para o "Corpus Christianorum" e de Apuleio para a "Teubner"; traduções de Tertuliano, Gregório
de Nissa e Gregório Nazianzeno, além de numerosos ensaios sobre Apuleio, Boécio, o neoplatonismo
latino, os Padres Capadócios. É membro do comitê científico do Centro di Ricerche di Metafisica
na Universidade Católica de Milão.
Enrico Norelli é professor de literatura cristã apócrifa na Faculdade de Teologia da
Universidade de Genebra. Entre suas publicações figuram edições do "A Dioneto", do "Anticristo"
de Hipólito e, para o "Corpus Christianorum", um comentário histórico literário 'a "Ascenção de
Isaías". Publicou ainda numerosos estudos sobre a literatura cristã dos dois primeiros séculos
e organizou a coletânea "La Biblia Nell'Antichità Cristiana". É co-editor da coleção "Poches
Apocryphes", da Brepols.
» CONTEÚDO
» AMOSTRA
Tradições pessoais concernentes a apóstolos e missionários isolados
(Pedro, Paulo, Filipe...) circularam nas comunidades cristãs já durante
a vida deles e foram em seguida usadas por Lucas para a redação dos
Atos dos Apóstolos. A forma literária desses era determinada pelo fato
de constituir a segunda parte de uma obra que ia do nascimento de
Jesus à chegada do evangelho a Roma, e por uma estrutura bipartida
em que uma parte ancorada no grupo dos Doze em Jerusalém (caps.
1-12) era seguida por outra cujo protagonista era Paulo (13-28). Apesar
da ampla parte ocupada por Paulo, os Atos não queriam descrever
o conjunto de suas atividades (falta em partictilar o seu martírio, conhecido
por Lucas), mas a difusão da palavra de Deus até o centro do
Império. Justamente no período em que os Atos de Lucas estão em vias
de canonização, inicia-se a produção dos Atos dos Apóstolos apócrifos;
enquanto os de Lucas são interpretados como atos de todos os apóstolos
(assim o cânon muratoriano), os apócrifos assumem como objeto a
vida de apóstolos isolados. Ela não se inicia com o nascimento, mas,
antes, com o envio em missão a um território determinado; os Atos de
Tomé situam no início uma tradição, citada depois também por Orígenes
(in Eusébio, História da Igreja III, 1,1-3), sobre a repartição da terra em
campos de missão entre os apóstolos por sorteio, enquanto outros Atos
deviam iniciar-se (o início dos Atos mais antigos, salvo o de Tomé, é
perdido) como outras formas de atribuição da área missionária, ficando
firme a resistência a atribuir a dois apóstolos o mesmo campo de
missão. O martírio do apóstolo constituía, por outro lado, a conclusão
normal (constituem exceção os Atos de João). Entre o início e o fim,
situavam-se episódios diversos, unidos em geral pelo motivo da
viagem, mais ou menos acentuado, o que faz com que alguns Atos se aproximem
mais do gênero literário das praxeis (exatamente "atos"), com base
na sucessão das ações do herói (assim os Atos de Pedro, em que uma
viagem entre Jerusalém e Roma servia só para relacionar a atividade do
apóstolo nas duas cidades), outros do gênero dos periodoi, onde os
deslocamentos do herói desempenham uma função determinante (assim
os de Paulo e de André). Uma vez que o apóstolo é qualificado
justamente pela missão de que é encarregado, compreende-se por
que o motivo da viagem assumiu tamanha importância; mas também ali
onde é mais acentuado, serve largamente para relacionar as praxeis.
Estas tinham, na retórica antiga desde Aristóteles, um lugar bem demarcado
no interior do enkomion, o discurso celebrativo de um personagem
ilustre. Na era helenística, alinhavam-se as ações prodigiosas
com as quais determinadas divindades tornavam visíveis entre os humanos
sua presença e seu poder benéfico; os modernos definiram este
gênero como aretologia. Recentemente, tem-se lançado mão dele também
para o estudo dos evangelhos; de fato, a epifania da divindade
ocorria freqüentemente por meio dos feitos e dos ditos de um personagem
extraordinário. Assim são os relatos acerca de filósofos e
"homens santos" na antiguidade tardia (a Vida de Apolônio de Tiana, de
Filóstrato, as Vidas dos filósofos, de Diógenes Laércio, as Vidas dos filósofos
e dos sofistas, de Eunápio, a Vida de Proclo, de Marino, a Vida de Plotino,
de Porfirio...). Os Atos apócrifos compartilham inúmeras características
das aretologias, mas, significativamente, não se iniciavam com eventos
prodigiosos que na ocasião do nascimento do personagem já lhe pressagiavam
o destino extraordinário (esta foi, antes, a tendência da tradição sobre
Jesus): a aretologia deles não podia iniciar-se senão quando
adentravam na atividade do Mestre, e, neste sentido, os Atos apócrifos
se distinguem das Vidas na medida em que têm como conteúdo o
plano divino que continua a realizar-se entre os homens por meio da
atividade do próprio apóstolo. Em tal contexto, o martírio final
representa a praxis suprema, em que se manifesta com a máxima evidência a força
divina operante no herói, até o último perfeitamente senhor de
si.
Paradoxalmente, a figura do apóstolo nos Atos apócrifos corresponde
ao modelo que, no Novo Testamento, permaneceu estigmatizado -
sobretudo pela polêmica de Paulo com missionários cristãos concorrentes,
em Corinto e alhures - como "falso apóstolo": uma propaganda
cristã fundada na eficácia da figura do theios aner como testemunha da
potência de seu Deus, e não, como queria Paulo, no testemunho do
apóstolo fraco e sofredor pelo qual, como na cruz de Cristo, Deus
manifesta, apesar de tudo, a sua força. Mas num clima como o dos
primeiros séculos cristãos, caracterizado pela livre concorrência entre
apóstolos de várias religiões e divindades, era natural que se assimilasse
o apóstolo de Cristo ao modelo geralmente usado para propagandear
esta ou aquela divindade; como foi observado (E Bovon), entre as
formas literárias presentes nos evangelhos, recebe particular desenvolvimento
nos Atos apócrifos aquela que M. Dibelius definiu como novela,
o episódio que revela o poder taumatúrgico do personagem (nos
evangelhos, Jesus; nos Atos apócrifos, o apóstolo). Diferentemente dos
evangelhos sinóticos, porém, os Atos apócrifos não são constituídos na
maior parte de material tradicional que sofreu uma longa elaboração;
usam, certamente, em medida variável, elementos preexistentes, mas a
invenção literária parece prevalecer, o que, como diríamos, não exclui
totalmente a intenção teológica. Entre o material narrativo, dominam
os relatos de milagre, em que o prodígio como fim em si mesmo tende
a tomar a dianteira, como nos casos do cão que fala, da estátua quebrada
que retorna intacta, do arenque defumado que ressuscita, todos nos
Atos de Pedro (9. 11. 13). Alguns episódios pertencem francamente ao
repertório da comédia, como o de João que, num albergue miserável,
achando-se o leito infestado de percevejos, falando com eles faz com
que se afastem, por uma noite, de sua cama (Atos de João 60-61); mas
o motivo aqui poderia ter assumido um subtexto ascético, por causa de
um possível jogo de palavras entre "percevejos" (koúdes) e
"moçoilas" (korai). Bastante notável é a presença de animais que participam da
redenção trazida pelo apóstolo: um jumento transmite ao apóstolo uma
mensagem divina nos Atos de Tomé 39-41 (a referência à jumenta de
Balaão, Nm 21, é explícita no texto); ali também, 69-74, asnos selvagens
colaboram prodigiosamente com o apóstolo; nos mais tardios Atos
de Filipe, um leopardo e um cabrito se convertem, seguem o apóstolo,
participam da eucaristia e são sepultados na igreja (é uma interpretação
de Is 65,25: o presente é identificado com a época escatológica).
Entre o material discursivo se assinalam orações, hinos, discursos
missionários, prédicas, diálogos. Narrações e discursos estão interligados
nos relatos de conversão, característicos dessa literatura e relacionados
de bom grado com tramas romanescas totalmente análogas às do
romance helenístico, como na história de Drusiana, Andrônico e
Calímaco nos Atos de João (63-86). O parentesco entre Atos apócrifos
e romance profano helenístico tem sido estudado bá muito tempo:
tanbém, e precisamente, a temática do romance de amor é largamente
aproveitada. Os Atos apócrifos representam, sem dúvida, um dos
episódios da adoção de gêneros literários existentes por parte do
cristianismo antigo, ainda que, como se assinalou, isso não tenha ocorrido sem
uma reorientação do gênero ditada pela mensagem religiosa que se
queria comunicar. A retomada de tal tradição literária permitia aos
autores de Atos fornecer um produto de sucesso garantido, que teria
contribuído amplamente para difundir a propaganda cristã.
Qual gênero de cristianismo? Difundiu-se no passado a convicção
de que os Atos apócrifos eram produtos gnósticos (R. A. Lipsitis); ela
retomava de fato o ponto de vista da antiga tradição "ortodoxa". Na
realidade, as várias obras são julgadas separadamente, e é preciso, em
todo caso, ter em mente não só que esses escritos não se preocupam
em ater-se a um sistema doutrinal coerente, mas também que sua produção
e circulação se situam num ambiente em que freqüentemente
não se percebia nítida divisão entre ortodoxia e gnose.
Ademais, certos elementos dos Atos apócrifos podiam atrair os grupos
gnósticos, provocando a adoção por parte deles de tais escritos e,
eventualmente, elaborações ou adendos doutrinalmente caracterizados; exemplar é
o caso dos Atos de João, que contém num discurso de Jesus um trecho de
proveniência evidentemente gnóstica sobre o sofrimento e a cruz de
luz (94-102); as expressões de caráter doceta (93) e sobre a
polimorfia do Senhor (87-90) contidas na mesma obra não são, por outro
lado, necessariamente gnósticas. Nos Atos de Pedro (37), o apóstolo,
crucificado de cabeça para baixo, faz um discurso sobre o significado
simbólico da cruz relacionado com o remédio posto por Cristo no pecado de
Adão, decerto inspirado numa tradição esotérica, que retoma e interpreta,
entre outras coisas, uma frase atribuida a Jesus no Evangelho dos
Egípcios (e que influenciará os Atos de Filipe 140), mas que a
nosso ver não é necessariamente gnóstico. Difícil, nessa perspectiva, é a
avaliação dos Atos de André, que nos chegaram num estado bastante
fragmentário. Mais acentuado, em contrapartida, parece o elemento gnóstico
nos Atos de Tomé, em conformidade com as características do cristianismo
siríaco; Tomé como gêmeo de Jesus é um motivo caro aos gnósticos; e
nestes Atos foi inserido o "Canto da Pérola" (108-113), esplêndido e
breve poema, sem dúvida preexistente, que esconde numa fábula de
grande fascínio o mito do elemento divino caído no mundo e aqui
reanimado pelo Salvador (representado pela carta celeste) e reconduzido à
sua dignidade original. No conjunto - e provavelmente não por acaso -
os mais "ortodoxos" parecem ser os Atos de Pedro e os de Paulo,
os dois apóstolos que, nos anos de composição destes primeiros Atos
apócrifos, a "grande Igreja" reivindicava preferentemente.
Muitos elementos aparentemente gnósticos parecem devidos a uma
desvalorização da dimensão terrena em prol da tensão rumo à vida
celeste. Coerente com essa tendência é a valorização da ascese, e de
modo todo especial do encratismo sexual, comum a tais escritos. No
início dos Atos de Tomé, o apóstolo chega à Índia justo a tempo de
impedir, com o auxílio do Senhor, a consumação das núpcias da filha
do rei; um texto posterior, a Epístola do Pseudo-Tito, afirma
que relatos análogos se encontram nas partes perdidas dos Atos de João e de
André. Ademais, nos Atos de Tomé, de Pedro, de André e talvez de João a
acolhida da pregação do apóstolo pelas mulheres produzia o abandono do
leito nupcial por parte delas, o que naturalmente desencadeava contra
o homem de Deus a ira dos maridos e freqüentemente era causa,
direta ou não, do martírio do protagonista (Pedro, André). Nos Atos
de Paulo, Tecla, convertida, abandona o noivo, que manda prender Paulo;
este será depois libertado, e Tecla se livrará da execução da
condenação à morte, para seguir depois o apóstolo e colaborar com ele. Foi
possível sustentar que os Atos apócrifos derivam de círculos femininos,
para os quais a afirmação da continência sexual constituía um meio de
emancipação e de igualdade entre os sexos, nas décadas em que se
afirmava na "grande Igreja" o modelo patriarcal codificado pelas epístolas
Pastorais.
Os cinco Atos mais antigos, de diferente proveniência e compostos
entre os séculos II e III, são os seguintes: Atos de João, compostos provavelmente
no Egito (segundo outros, na Ásia Menor) na segunda
metade do século II; restam deles cerca de dois terços. Atos de
Pedro, compostos em grego, talvez na Síria (segundo outros, em Roma)
por volta do final do século II; restam em grego um fragmento em
papiro e o Martírio, mas a maior parte, exceto o início, se conservou
numa versão latina provavelmente dos séculos III/IV, transmitida por
um único manuscrito da Biblioteca capitular de Vercelli; um episódio em
tradução copta (sem correspondente no latim) foi conservado pelo
Papiro Berolinensis 8.502 em Nag Hammadi. Atos de André, compostos no
seculo II, talvez na Acaia, dos quais se conservam grandes
partes em grego, um fragmento copta, uma versão armênia do Martírio e
alguns remanejamentos em grego e latim. Atos de Paulo, mencionados por
Tertuliano no "Sobre o Batismo", compostos antes de 200, com
certeza na Ásia Menor; resta em grego a parte chamada Atos de Paulo e
Tecla, a correspondência de Paulo com os coríntios, o Martírio; um
papiro grego de Hamburgo (c. 300) e um papiro copta de Heidelberg (século
VI), contendo partes das três seções mencionadas, provam que
elas pertenciam na origem à mesma obra; outro episódio em versão
copta, em papiro, ainda está inédito (foi divulgada só a tradução);
restam ademais versões em latim e em várias línguas orientais. Atos de Tomé
compostos em siríaco na Síria oriental no início do século III, conservados
numa tradução grega e num remanejamento siríaco.
No século IV esses cinco Atos foram reunidos numa compilação, já
conhecida de Agostinho, de origem provavelmente maniquéia, ou,
quando menos, bastante apreciada pelos maniqueus. Segundo Fócio
(século IX), o autor dos cinco Atos era um tal Lúcio Carmo; o nome
deriva evidentemente do de dois personagens que ressuscitam dos
mortos segundo o Evangelho de Nicodemos latino. A última parte
dos Atos, contendo o martírio do apóstolo, se conservou em geral na
língua original em numerosos manuscritos, porque era separada para
servir de leitura litúrgica por ocasião da festa respectiva. Mas os
Atos enquanto tais, por causa do conteúdo doutrinal gnóstico ou, de
qualquer modo, inadequado a partir de agora e tornado suspeito para a
ortodoxia consolidada depois de sua composição, e mais ainda porque tinham
sido adotados, exatamente por movimentos heréticos, pelos
maniqueus no Oriente, pelos priscilianistas no Ocidente, foram repetidamente
condenados nos sínodos. Continuaram, porém, a achar leitores,
sobretudo nos mosteiros; mas, seja por causa dos trechos embaraçosos do
ponto de vista doutrinal, seja por causa de sua extensão, foram
expurgados e resumidos. No Ocidente, teve grande sucesso uma compilação em
latim, o assim chamado Pseudo-Abdias; no Oriente, resumos e
excertos se conservaram nos Menológios, as compilações de leituras para as
festas dos santos. Dos textos originais, só os Atos de Tomé sobrevivem
na íntegra, enquanto dos outros nos chegaram partes mais ou menos
extensas, que freqúentemente são difíceis de combinar entre si; mas, como
demonstra entre outras coisas a descoberta recente, num mosteiro
de Athos, por obra de E. Bovon e B. Bouvier, de uma parte
considerável do original grego dos Atos de Filipe, não se deve perder a
esperança de ainda ser possível recuperar alguma coisa deles.
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Atos Apócrifos dos Apóstolos
Texto retirado das páginas 222 a 227.
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