A g n u s D e i

INSTRUÇÃO ACERCA DE ALGUMAS QUESTÕES
SOBRE A COLABORAÇÃO DOS FIÉIS LEIGOS
NO SAGRADO MINISTÉRIO DOS SACERDOTES
Cúria Romana
13.08.1997

PRINCÍPIOS TEOLÓGICOS

1. O sacerdócio comum e o sacerdócio ministerial

Cristo Jesus, Sumo e Eterno Sacerdote, quis que a Sua Igreja fosse partícipe do seu único e indivisível sacerdócio. Ela é o povo da Nova Aliança, no qual "pela regeneração e unção do Espírito Santo, os batizados são consagrados para formar um templo espiritual e um sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais, mediante todas as suas atividades, e dar a conhecer os prodígios dAquele que das trevas os chamou à Sua luz admirável (cfr. 1 Pd 2, 4-10)".19 "Um é, pois, o Povo eleito de Deus: "um só Senhor, uma só fé, um só batismo" (Ef 4, 5). Comum a dignidade dos membros pela regeneração em Cristo. Comum a graça de filhos. Comum a vocação à perfeição".20 Existindo entre todos "verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos os fiéis na edificação do Corpo de Cristo", alguns são constituídos, por vontade de Cristo, "mestres, dispensadores dos mistérios e pastores em benefício dos demais".21 Tanto o sacerdócio comum dos fiéis como o sacerdócio ministerial ou hierárquico "ordenam-se um ao outro, embora se diferenciem na essência e não apenas em grau, pois ambos participam, cada qual a seu modo, do único sacerdócio de Cristo".22 Entre eles dá-se uma eficaz unidade, porque o Espírito Santo unifica a Igreja na comunhão e no serviço e a provê de diversos dons hierárquicos e carismáticos.23

A diferença essencial entre o sacerdócio comum e o sacerdócio ministerial não está, portanto, no sacerdócio de Cristo — que sempre permanece uno e indivisível — nem tampouco na santidade à qual todos os fiéis são chamados: "O sacerdócio ministerial, com efeito, não significa, de per si, um maior grau de santidade em relação ao sacerdócio comum dos fiéis; mas através dele é outorgado aos presbíteros, por Cristo no Espírito, um dom particular para que possam ajudar o Povo de Deus a exercer com fidelidade e plenitude o sacerdócio comum que lhe é conferido".24 Na edificação da Igreja, Corpo de Cristo, vige a diversidade de membros e de funções, mas um só é o Espírito, que para a utilidade da Igreja distribui os seus vários dons com magnificência proporcional à sua riqueza e à necessidade dos serviços (1 Cor 12, 1-11).25

A diferença está no modo de participação no sacerdócio de Cristo e é essencial no sentido de que "enquanto o sacerdócio comum dos fiéis se realiza no desenvolvimento da graça batismal — vida de fé, de esperança e de caridade, vida segundo o Espírito — o sacerdócio ministerial está a serviço do sacerdócio comum, refere-se ao desenvolvimento da graça batismal de todos os cristãos".26 Por conseguinte, o sacerdócio ministerial "difere essencialmente do sacerdócio comum dos fiéis porque confere um poder sagrado para o serviço dos fiéis".27 Para este fim, o sacerdote é exortado a "crescer na consciência da profunda comunhão que o liga ao Povo de Deus", para "suscitar e desenvolver a co-responsabilidade na comum e única missão de salvação, com a pronta e cordial valorização de todos os carismas e tarefas que o Espírito oferece aos crentes para a edificação da Igreja".28

As características que diferenciam o sacerdócio ministerial dos Bispos e dos presbíteros do sacerdócio comum dos fiéis e que conseqüentemente delineiam os limites da colaboração destes no sagrado ministério, podem ser assim sintetizados:

    a) o sacerdócio ministerial tem a sua raiz na sucessão apostólica e é dotado de um poder sagrado29 que consiste na faculdade e na responsabilidade de agir na pessoa de Cristo Cabeça e Pastor;30

    b) esse sacerdócio torna os ministros sagrados servidores de Cristo e da Igreja, mediante a proclamação autorizada da palavra de Deus, a celebração dos sacramentos e o governo pastoral dos fiéis.31

Colocar os fundamentos do ministério ordenado na sucessão apostólica, já que esse ministério continua a missão que os Apóstolos receberam de Cristo, é ponto essencial da doutrina eclesiológica católica.32

Portanto o ministério ordenado é constituído sobre o fundamento dos Apóstolos para a edificação da Igreja:33 "ele existe totalmente em função do serviço da mesma Igreja".34 "Intrinsecamente ligado à natureza sacramental do ministério eclesial está o seu caráter de serviço. Com efeito, inteiramente dependentes de Cristo que confere missão e autoridade, os ministros são verdadeiramente "servos de Cristo" (Rm 1, 1), à imagem de Cristo que assumiu livremente por nós "a condição de servo" (Fil 2, 7). E porque a palavra e a graça de que são ministros não são deles, mas de Cristo que lhas confiou em favor dos outros, eles se farão livremente servos de todos".35

2. Unidade e diversificação das tarefas ministeriais

As funções do ministério ordenado, consideradas no seu conjunto, constituem uma unidade indivisível, por causa do seu único fundamento.36 Una e única, com efeito, como em Cristo,37 é a raiz da ação salvífica, significada e realizada pelo ministro na atuação das funções de ensinar, de santificar e de governar os demais fiéis. Esta unidade qualifica de maneira essencial o exercício das funções do ministério sagrado, que, sob perspectivas diversas, são sempre exercício da função de Cristo, Cabeça da Igreja.

Se, portanto, o exercício do munus docendi, sanctificandi et regendi por parte do ministro ordenado constitui a substância do ministério pastoral, as diversas funções dos ministros sagrados formam uma unidade indivisível e, portanto, não podem ser compreendidas separadamente umas das outras; pelo contrário, devem ser consideradas na sua mútua correspondência e complementaridade. Somente em algumas delas, e em certa medida, é que outros fiéis não-ordenados podem colaborar com os pastores, se forem chamados a prestar tal colaboração pela legítima Autoridade e o fizerem no devido modo. "[Jesus Cristo] distribui continuamente os dons dos serviços pelo seu corpo, que é a Igreja, através dos quais, pela força derivada dEle, nos prestamos mutuamente os serviços para a salvação".38 "O exercício de semelhante tarefa não transforma o fiel leigo em pastor: na realidade, o que constitui o ministério não é a tarefa, mas a ordenação sacramental. Só o Sacramento da Ordem confere ao ministério ordenado dos Bispos e dos presbíteros uma peculiar participação no ofício de Cristo, Cabeça e Pastor, e no Seu sacerdócio eterno. A tarefa que se exerce como suplente, ao invés, recebe a sua legitimidade, formal e imediatamente, da delegação oficial que lhe dão os pastores e, no seu exercício concreto, submete-se à direção da autoridade eclesiástica".39

É imperioso reafirmar esta doutrina porque algumas práticas que visam suprir a carência numérica de ministros ordenados na comunidade, em certos casos, pretenderam apoiar-se em uma concepção de sacerdócio comum dos fiéis que confunde a sua índole e o seu significado específico, favorecendo, entre outras coisas, a diminuição dos candidatos ao sacerdócio e obscurecendo a especificidade do seminário como lugar típico para a formação do ministro ordenado. São fenômenos intimamente relacionados, sobre cuja interdependência se deverá refletir oportunamente, para que se encontrem sábias conclusões operativas.

3. O ministério ordenado é insubstituível

Uma comunidade de fiéis, para ser chamada Igreja e para o ser realmente, não se pode governar seguindo critérios organizacionais de natureza associativa ou política. Cada Igreja particular deve a Cristo o seu governo, porque foi Ele, fundamentalmente, quem concedeu à Igreja o ministério apostólico. Por essa razão, nenhuma comunidade tem o poder de dá-lo a si própria40 ou de estabelecê-lo por meio de uma delegação. O exercício do múnus de magistério e de governo requer, com efeito, a determinação canônica ou jurídica por parte da autoridade hierárquica.41

O sacerdócio ministerial é, portanto, necessário à própria existência da comunidade como Igreja: "Não se deve, pois, pensar no sacerdócio ordenado [...] como posterior à comunidade eclesial, de modo que esta pudesse ser concebida como já constituída independentemente de tal sacerdócio".42 Com efeito, se na comunidade vem a faltar o sacerdote, ela fica privada do exercício e da função sacramental de Cristo Cabeça e Pastor, essencial para a própria vida da comunidade eclesial.

O sacerdócio ministerial é, portanto, absolutamente insubstituível. Donde se deduz imediatamente a necessidade de uma pastoral vocacional que seja zelosa, bem ordenada e contínua, para dar à Igreja os ministros necessários, bem como de proporcionar uma cuidadosa formação a todos os que, nos seminários, se preparam para receber o presbiterado. Qualquer outra solução que pretenda enfrentar os problemas provenientes da carência de ministros sagrados será necessariamente precária.

"O fomento das vocações sacerdotais é dever de toda a comunidade cristã, que deve promovê-las, sobretudo, por uma vida plenamente cristã".43Todos os fiéis são co-responsáveis por contribuir para o encorajamento das respostas positivas à vocação sacerdotal, com um seguimento cada vez mais fiel de Jesus Cristo, superando a indiferença do ambiente, sobretudo nas sociedades fortemente marcadas pelo materialismo.

4. A colaboração de fiéis não-ordenados no ministério pastoral

Nos documentos conciliares, entre os vários aspectos da participação dos fiéis não ordenados na missão da Igreja, toma-se em consideração a sua colaboração direta nas tarefas específicas dos pastores.44 Com efeito, "quando a necessidade ou a utilidade da Igreja o requer, os pastores podem, segundo as normas estabelecidas pelo direito universal, confiar aos fiéis leigos certos ofícios e funções que, embora ligados ao seu próprio ministério de pastores, não exigem, contudo, o caráter da Ordem".45 Tal colaboração foi posteriormente regulamentada pela legislação pós-conciliar e, de modo particular, pelo novo Código de Direito Canônico.

Este, depois de referir-se aos direitos e deveres de todos os fiéis,46 no título seguinte, dedicado aos direitos e deveres dos fiéis leigos, trata não somente daqueles que são específicos da sua condição secular,47 mas também de outras tarefas ou funções que não lhes pertencem de modo exclusivo. Destas, algumas competem a qualquer fiel, ordenado ou não,48 outras, ao invés, colocam-se no contexto de um serviço direto ao ministério sagrado dos fiéis ordenados.49 Com relação a estas últimas tarefas ou funções, os fiéis não-ordenados não detêm um direito a exercê-las, mas são "hábeis para ser assumidos pelos Pastores sagrados para aqueles ofícios eclesiásticos e encargos que eles podem desempenhar segundo as prescrições do direito",50 ou ainda "na falta de ministros [...] podem suprir alguns dos seus ofícios [...] de acordo com as prescrições do direito".51

Para que uma tal colaboração seja inserida harmoniosamente na pastoral ministerial, é necessário que, evitando desvios pastorais e abusos disciplinares, os princípios doutrinais sejam claros e que, por conseguinte, com determinação coerente, seja promovida em toda a Igreja uma aplicação leal e acurada das disposições vigentes, não estendendo abusivamente os termos de exceção a casos que não podem ser julgados "excepcionais".

Se, em alguns lugares, se verificarem abusos e práticas transgressoras, os Pastores apliquem os meios necessários e oportunos para impedir prontamente a sua difusão e evitar que se prejudique a correta compreensão da própria natureza da Igreja. Particularmente, procurarão aplicar as normas disciplinares já estabelecidas, que ensinam a conhecer e a respeitar, concretamente, a distinção e a complementaridade de funções, que são vitais para a comunhão eclesial. Portanto, onde estas práticas transgressoras já estão difundidas, torna-se absolutamente impreterível a intervenção responsável da autoridade que o deve fazer. Assim agindo, tornar-se-á verdadeiro artífice da comunhão, que não pode ser constituída senão em torno da verdade. Comunhão, verdade, justiça, paz e caridade são termos interdependentes.52

À luz dos princípios acima recordados, indicam-se a seguir os remédios oportunos para enfrentar os abusos denunciados aos nossos Dicastérios. As disposições que seguem são inferidas das normas da Igreja.

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