A g n u s D e i

INSTRUÇÃO ACERCA DE ALGUMAS QUESTÕES
SOBRE A COLABORAÇÃO DOS FIÉIS LEIGOS
NO SAGRADO MINISTÉRIO DOS SACERDOTES
Cúria Romana
13.08.1997

PREMISSA

Do mistério da Igreja provém o chamamento, dirigido a todos os membros do Corpo Místico, a participar ativamente da missão e da edificação do Povo de Deus, numa comunhão orgânica, segundo os diversos ministérios e carismas. O eco desse apelo vem ressoando constantemente nos documentos do Magistério, particularmente a partir do Concílio Ecumênico Vaticano II.1 Sobretudo nas três últimas Assembléias gerais ordinárias do Sínodo dos Bispos, reafirmou-se a identidade própria, na dignidade comum e na diversidade das funções, dos fiéis leigos, dos ministros sagrados e dos consagrados; e todos os fiéis foram incentivados a edificar a Igreja, colaborando em comunhão para a salvação do mundo.

É necessário ter presente a urgência e a importância da ação apostólica dos fiéis leigos no presente e no futuro da evangelização. A Igreja não pode prescindir desta obra, porque lhe é conatural enquanto Povo de Deus e porque dela necessita para realizar a própria missão evangelizadora.

O apelo à participação ativa de todos os fiéis na missão da Igreja não permaneceu desapercebido. O Sínodo dos Bispos de 1987 constatou "como o Espírito tem continuado a rejuvenescer a Igreja, suscitando novas energias de santidade e de participação em tantos fiéis leigos. Prova-o, entre outras coisas, o novo estilo de colaboração entre sacerdotes, religiosos e fiéis leigos; a participação ativa na liturgia, no anúncio da Palavra de Deus e na catequese; a multiplicidade de tarefas e serviços confiados aos fiéis leigos e por eles assumidos; o exuberante florescer de grupos, associações e movimentos de espiritualidade e de empenho laicais; a participação cada vez mais ampla e significativa das mulheres na vida da Igreja e no progresso da sociedade".2 Igualmente, na preparação do Sínodo dos Bispos de 1994 sobre a vida consagrada, observou-se "como é generalizado o desejo sincero de instaurar autênticas relações de comunhão e de colaboração entre os Bispos, os Institutos de vida consagrada, o clero secular e os leigos".3 Na sucessiva Exortação apostólica pós-sinodal, o Sumo Pontífice confirma a contribuição específica da vida consagrada para a missão e a edificação da Igreja.4

Com efeito, constata-se a colaboração de todos os fiéis em ambos os âmbitos da missão da Igreja, tanto no espiritual, de levar aos homens a mensagem de Cristo e a sua graça, como no temporal, de permear e aperfeiçoar a ordem das realidades seculares com o espírito evangélico.5 De maneira especial no primeiro setor — evangelização e santificação — "completam-se mutuamente o apostolado dos leigos e o ministério pastoral".6 Nele, os fiéis leigos, de ambos os sexos, têm inúmeras ocasiões de se tornarem ativos, com o testemunho coerente da vida pessoal familiar e social, com o anúncio e a partilha do Evangelho de Cristo em todos os ambientes e com o compromisso de explicar, defender e aplicar retamente os princípios cristãos aos problemas atuais.7Os Pastores, em particular, são exortados a "reconhecer e promover os ministérios, os ofícios e as funções dos fiéis leigos, que têm o seu fundamento sacramental no Batismo e na Confirmação, bem como, para muitos deles, no Matrimônio".8

Na realidade, a vida da Igreja nesse campo conheceu realmente um surpreendente florescer de iniciativas pastorais, sobretudo após o notável impulso dado pelo Concílio Vaticano II e pelo Magistério Pontifício.

Hoje, particularmente, a tarefa prioritária da nova evangelização, que compete a todo o povo de Deus, exige, juntamente com o "especial protagonismo" dos sacerdotes, também uma plena recuperação da consciência da índole secular da missão do leigo.9

Essa empresa abre aos fiéis leigos os imensos horizontes — alguns dos quais ainda por serem explorados — do compromisso no século, no mundo da cultura, da arte e do espetáculo, da investigação científica, do trabalho, dos meios de comunicação, da política, da economia, etc., e pede-lhes criatividade na busca de modalidades cada vez mais eficazes para que estes ambientes encontrem em Jesus Cristo a plenitude do seu significado.10

Nessa vasta área de harmoniosa operosidade — quer seja especificamente espiritual ou religiosa, quer seja na consecratio mundi — existe um campo especial, o que diz respeito ao sagrado ministério do clero, em cujo exercício podem ser chamados a colaborar os fiéis leigos, homens e mulheres, e, naturalmente, também os membros não-ordenados dos Institutos de vida consagrada e das Sociedades de vida apostólica. A este campo particular refere-se o Concílio Ecumênico Vaticano II, quando ensina: "Finalmente, a Hierarquia confia aos leigos certas funções que estão mais intimamente relacionadas com os deveres dos Pastores como, por exemplo, a exposição da doutrina cristã, alguns atos litúrgicos, a cura de almas".11

Exatamente porque se trata de tarefas mais intimamente relacionadas com os deveres dos pastores — que, para o serem, devem ter recebido o sacramento da Ordem — exige-se de todos os que de alguma maneira estão nelas envolvidos uma particular diligência para que sejam bem salvaguardadas tanto a natureza e a missão do ministério sagrado, como a vocação e a índole secular dos fiéis leigos. Com efeito, colaborar não significa substituir.

Devemos constatar com viva satisfação que em muitas Igrejas particulares a colaboração dos fiéis não-ordenados no ministério pastoral do clero desenvolve-se de maneira muito positiva, com abundantes frutos de bem, no respeito dos limites estabelecidos pela natureza dos sacramentos bem como da diversidade dos carismas e das funções eclesiais, com soluções generosas e inteligentes para enfrentar situações de falta ou de escassez de ministros sagrados.12 Deste modo tornou-se manifesto aquele aspecto da comunhão, pelo qual alguns membros da Igreja se esforçam solicitamente por remediar situações de emergência e de necessidades crônicas em algumas comunidades, na medida em que lhes é possível, não sendo assinalados com caráter do sacramento da Ordem.13 Esses fiéis são chamados e deputados para assumir tarefas específicas, importantes e delicadas, sustentados pela graça do Senhor, acompanhados pelos ministros sagrados e bem acolhidos pelas comunidades a favor das quais prestam o próprio serviço. Os pastores sagrados estão profundamente gratos pela generosidade com que numerosos consagrados e fiéis leigos se oferecem para este serviço específico, realizado com fiel sensus Ecclesiae e edificante dedicação. Particular gratidão e encorajamento sejam tributados a todos aqueles que cumprem estas tarefas em situações de perseguição da comunidade cristã, ou nos âmbitos de missão, sejam estes territoriais ou culturais, onde a Igreja ainda está em fase de implantação e a presença do sacerdote é somente esporádica.14

Não é este o lugar para aprofundar toda a riqueza teológica e pastoral do papel dos fiéis leigos na Igreja, a qual já foi amplamente ilustrada pela Exortação apostólica Christifideles laici.

A finalidade do presente documento, no entanto, é simplesmente a de fornecer uma resposta clara e autorizada aos prementes e numerosos pedidos enviados aos nossos Dicastérios por Bispos, presbíteros e leigos, os quais solicitaram esclarecimentos em face de novas formas de atividade "pastoral" de fiéis não-ordenados no âmbito das paróquias e das dioceses.

De fato, trata-se freqüentemente de práticas que, embora nascidas em situações de emergência e de precariedade e no mais das vezes desenvolvidas no desejo de prestar um generoso auxílio na atividade pastoral, podem acarretar conseqüências gravemente negativas em detrimento da reta compreensão da verdadeira comunhão eclesial. Tais práticas, na realidade, estão mais presentes em algumas regiões e, às vezes, dentro das mesmas regiões, variam muito.

Elas, no entanto, reclamam a grave responsabilidade pastoral de todos os que são encarregados da promoção e da tutela da disciplina universal da Igreja, sobretudo dos Bispos,15 segundo alguns princípios doutrinais já claramente enunciados pelo Concílio Ecumênico Vaticano II16 e pelo sucessivo Magistério Pontifício.17

Em nossos Dicastérios realizou-se um trabalho de reflexão, reuniu-se um Simpósio, no qual participaram representantes dos Episcopados mormente interessados pelo problema e, enfim, fez-se uma ampla consulta a numerosos Presidentes de Conferências dos Bispos e a outros Prelados, bem como a peritos de diversas disciplinas eclesiásticas e áreas geográficas. O resultado foi uma ampla convergência no sentido preciso da presente Instrução que, todavia, não pretende ser exaustiva, tanto porque se limita a considerar os casos atualmente mais conhecidos, como por causa da imensa variedade de circunstâncias particulares nas quais esses casos se verificam.

O texto, redigido sobre a base segura do magistério extraordinário e ordinário da Igreja, é confiado, para ser fielmente aplicado, aos Bispos interessados, mas também é dado a conhecer aos Prelados das circunscrições eclesiásticas onde atualmente não se verificam tais práticas abusivas, mas que, dada a atual rapidez da difusão dos fenômenos, em breve poderiam ser por elas atingidas.

Antes de responder aos casos concretos que nos foram apresentados, considera-se necessário expor brevemente alguns elementos teológicos essenciais sobre o significado da Ordem sagrada na constituição da Igreja, aptos a favorecer uma motivada compreensão da própria disciplina eclesiástica que, no respeito pela verdade e pela comunhão eclesial, pretende promover os direitos e os deveres de todos, em vista da "salvação das almas que deve sempre, na Igreja, a lei suprema".18

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