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34. Resta agora falar daquelas questões, que, ainda que pertençam às ciências positivas, são mais ou menos relacionadas com as verdades reveladas da fé cristã. Não poucos são os que pedem insistentemente que a religião católica tenha em máxima conta estas ciências, o que é sem dúvida coisa louvável, quando se trata da fatos realmente demonstrados. Mas é preciso ser muito cauto quando se trata de puras hipóteses, embora de algum modo fundadas cientificamente, e nas quais se toca a doutrina contida na S. Escritura ou na tradição. E se tais hipóteses vão direta ou indiretamente contra a doutrina revelada, então de modo nenhum se podem admitir.
1. Biologia e Antropologia
35. Por essas razões o Magistério da Igreja não proíbe que, em conformidade com a atual estado das ciências e da teologia, sejam objeto de pesquisas e de discussões, por parte dos competentes em ambos os campos, a doutrina do evolucionismo, enquanto ela investiga a origem do corpo humano, que proviria de matéria orgânica preexistente (a fé católica nos obriga a professar que as almas são criadas imediatamente por Deus). Isto, porém, deve ser feito de tal maneira, que as razões das duas opiniões, isto é, da que é favorável e da que é contrária ao evolucionismo, sejam ponderadas e julgadas com a necessária seriedade, moderação, justa medida, e contanto que todos estejam dispostos a se sujeitares ao juízo da Igreja, à qual Cristo confiou o oficio de interpretar autenticamente a S. Escritura e de defender os dogmas da fé (Cf. Alocução Pontifícia aos membros da Academia das Ciências. 30 nov. 1941 A. A. S. vol. XXXIII p. 506). Mas alguns ultrapassam temerariamente esta liberdade de discussão procedendo como se estivesse já demonstrado com certeza plena que o corpo humano se tenha originado de matéria orgânica preexistente, argumentando com certos indícios achados até agora e com raciocínios baseados sobre tais indícios; e isto como se nas fontes da revelação não existisse nada que exija neste assunto a maior moderação e cautela.
36. Quanto, porém, à outra hipótese, isto é, ao poligenismo, os filhos da Igreja não gozam, de modo nenhum, da mesma liberdade, pois os fiéis não podem abraçar uma opinião cujos fautores ensinam que depois de Adão existiriam nesta terra verdadeiros homens que não tiveram origem, por via de geração natural, do mesmo Adão, progenitor de todos os homens, ou então que Adão representa um conjunto de muitos progenitores. Ora, não se vê de modo algum como estas afirmações se possam conciliar com os que as fontes da revelação e os atos do Magistério da Igreja nos ensinam acerca do pecado original, que provém de um pecado verdadeiro cometido individualmente por Adão e que, transmitido a todos por geração, é inerente a cada um como próprio (Cf. Rom 5, 12-19; Conc. Triden., sess. V, cân. 1-4).
2. Ciências Históricas
37. Como nas ciências biológicas e antropológicas, também nas históricas há quem ousadamente ultrapasse os limites e as cautelas estabelecidas pela Igreja. De modo particular se deve deplorar certo sistema de interpretação demasiado livre dos livros históricos do Antigo Testamento; e os fautores desse sistema, para defender suas razões, apelam infundadamente para a carta não há muito enviada ao Arcebispo de Paris pela Pontifícia Comissão Bíblica (16 de janeiro de 1948: A. A S., vol. 40 pp. 45-48). Esta carta com efeito, faz notar que os 11 primeiros capítulos do Gênese, ainda que propriamente falando não concordem com o método histórico usado pelos melhores autores gregos e latinos e pelos bons historiadores do nosso tempo, pertencem contudo ao gênero histórico em verdadeiro sentido, mas que deve ser ainda mais estudado e determinado pelos exegetas: os mesmos capítulos, nota ainda a citada carta, com um modo de falar simples e figurado, adaptado à mentalidade de um povo de cultura elementar, ensinam as principais verdades que são fundamentais para a salvação eterna e contém além disso uma narração popular sobre a origem do gênero humano e do povo eleito.
38. Se alguma coisa os antigos hagiógrafos tomaram de outras narrações populares (o que pode ser concedido), é preciso não esquecer que eles o fizeram com o auxílio da inspiração divina, que na escolha e na valorização dos documentos os premunia contra todo e qualquer erro. Portanto as narrações populares inseridas na S. Escritura não podem de maneira alguma ser postas no mesmo plano das mitologias ou gêneros semelhantes, as quais são fruto mais de uma fantasia exaltada do que amor à verdade e à simplicidade. Este amor à verdade e esta nativa simplicidade ressalta de tal modo nos Livros Inspirados, inclusive nos do Antigo Testamento, que colocam os nossos hagiógrafos indiscutivelmente acima dos antigos escritores profanos.