A g n u s D e i

EXSURGE DOMINE
Leão X
15.06.1520
Tradução: José Fernandes Vidal

Observações do Tradutor:

Para os que não estão familiarizados com o Problema Lutero e suas teses, faço aqui alguns apontamentos que poderão explicar a sequência de suas posições que culminaram nos 41 erros apontados pela Bula "Exsurge Domine". Como se trata de um resumo muito sucinto, não são citados os fatores políticos, os abusos existentes, a aversão germânica à Cúria Romana, bem como outros fatores importantes no triste episódio do Protestantismo.

Por ocasião de sua ordenação sacerdotal, em 1507, Lutero já era uma alma torturada, e até apresentava sérias perturbações psíquicas. Lutava contra as suas tentações com um temor desmensurado da justiça de Deus. A confissão não o tranqüilizava. No decorrer do tempo e dessa luta, saltou para o lado contrário: "O justo vive da fé"; a consequência desse conceito - segundo ele - é que a justiça de Deus é aconcessão da graça imerecida ao pecador, dispensando as boas obras com as quais os homens julgam obter merecimentos para salvar a alma (v. neste Site documento recentemente firmado por Católicos e pelos Luteranos). A concupiscência, que permanece também depois do batismo, é pecado pura e simplesmente. Só pela fé, precisamente apenas pela fé sem as obras, é que o pecador se une a Cristo. Permanece pecador, não obstante sua justificação. Daí Lutero chega à negação do livre arbítrio, pois se o homem pudesse decidir-se por si mesmo seria seu próprio salvador e não precisaria de Cristo. Por consequência, as obras humanas por boas que pareçam, sempre são pecados mortais.

Por essa época ele toma conhecimento das indulgências que o Papa estava concedendo aos vivos e a favor das almas do purgatório. Torna-se logo contrário às indulgências e começa a pregar contra elas. Ele que lutava, com dificuldades, contra o pecado, com medo do inferno, não podia suportar essa concessão aberta a todos de graças de expiação.

Em 1517, redigiu 95 teses e as afixou, como edital, nas portas das igrejas, em Wurtenberg. Não só eram contra as indulgências, mas contra o papa que as dava. Afirmava que o papa não tinha jurisdição sobre os mortos. Afirmava que ninguém tem necessidade de indulgências porque todo cristão pode, com verdadeiro arrependimento, alcançar a plena remissão de culpa e pecado. O cristão deve esperar o céu mais pelas provações sofridas, do que por calma segurança. Por que então deixar o povo sem medo e incutir-lhe segurança com essas falsas promessas de perdão? Foi então que Lutero passou a ser divulgado e a criar polêmicas. Na ocasião, ele contou com o apoio de príncipes alemães e a corrente aversão, na época, dos alemães à cúria romana.

Até então, o papa não interviera no assunto. Foi a Cúria Romana que abriu processo contra ele. Em 1518, realizou-se um interrogatório a Lutero, em Augsburgo, Alemanha, conduzido pelo núncio apostólico Caetano, sem qualquer resultado. O Cardeal apresentou as duas questões principais em jogo - a natureza da indulgência e a eficácia dos Sacramentos, querendo obter de Lutero o reconhecimento do tesouro da Igreja, dos méritos de Cristo, de onde o papa podia conceder indulgências, e retratação de sua afirmação de que só a fé confere virtude aos sacramentos. Lutero recusou ambas as coisas. Foi então que apelou, com receio de ser preso, para um Concílio Ecumênico.

Em 1519 foi convocada uma discussão em Lípsia. Ali, Lutero rejeitou o primado papal, dando-o como disposição dos homens, defendeu o herege Hus condenado no Concílio de Constança e, em consequência, fez a declaração de que os Concílios Ecumênicos também podiam errar e, peremptoriamente, enunciou o princípio de que só pode valer como verdade religiosa o que pode ser demonstrado pela Bíblia. Era o princípio formal do protestantismo - a doutrina da "sola scriptura", só a Bíblia. (v. neste Site um artigo com a explicação desse assunto).

A partir dessa ocasião a luta continuou não mais em forma acadêmica, restrita aos entendidos, mas degenerou em luta popular, grosseira, de baixo calão, com graciosas injúrias ao papa e à Igreja Romana. Lutero passou a instigar seus seguidores. A luta já não girava em torno de uma teoria, mas em torno do Papa e de toda Igreja tradicional. Em seus escritos, muitos, agora escritos em alemão de modo a que o povo pudesse tomar parte, afirmava que todos os cristãos fazem parte, verdadeiramente, do estado eclesiástico, e não há discriminação entre eles, a não ser por causa do ministério. Levantava-se contra a doutrina dos sacramentos, da transubstanciação, do caráter sacrifical da santa Missa.

Afinal, quando recebeu a Bula "Exsurge Domine", Lutero considerou o Papa o anticristo e, em 10 de dezembro de 1520, jogou-a ao fogo, publicamente, em Wurtenberg.

Estes apontamentos talvez lancem mais luz sobre a origem e propósito da Bula e, principalmente, sobre o conteúdo dos 41 tópicos de erros enumerados por Leão X.

Para estes apontamentos foi utilizado o volume "Reforma e Contra-Reforma", da Nova História da Igreja, do prof. Dr. Germano Tochle - Editora Vozes Ltda - Petrópolis - 1971.