Erguei-vos, Senhor, e julgai vossa própria causa. Lembrai-vos de vossas censuras àqueles que estão o dia todo cheios de insensatez. Ouvi nossas preces, pois raposas avançam procurando destruir a vinha em cujo lagar só Vós tendes pisado. Quando estáveis perto de subir a vosso Pai, entregastes o cuidado, norma e administração da vinha, uma imagem da igreja triunfante, a Pedro, como cabeça e vosso vigário e a seus sucessores.
O javali da floresta procura destrui-la e toda fera selvagem vem devastá-la.
Erguei-vos, Pedro, e realizai o serviço pastoral divinamente confiado a Vós, como já dito. Prestai atenção à causa da santa Igreja Romana, mãe de todas as igrejas e mestra da fé, que Vós por ordem de Deus santificastes com vosso sangue. Bem que avisastes que viriam falsos mestres contra a Igreja Romana, para introduzir seitas ruinosas, atraindo sobre eles rápidas condenações. Suas línguas são de fogo, mal incansável, cheias de mortal veneno.
Eles possuem zelo amargo, discórdia em seus corações, vangloriam-se e mentem contra a verdade.
Suplicamos a vós também, Paulo, para erguer-vos. Fostes vós que esclarecestes e iluminastes a Igreja com vossa doutrina e com vosso martírio, como o de Pedro, Agora, um novo Porfírio se levanta que, como o outro do passado, cheio de erros assediou os santos apóstolos, e agora ataca os santos pontífices, nossos predecessores. Ele os reprova por violação a vosso ensinamento, em vez de implorá-los, e não tem pudor de atacá-los, de lamentá-los, e quando se desespera de sua causa, de rebaixar-se aos insultos. Ele é como os hereges" cuja última defesa" ,como disse Jerônimo,"é pôr-se a vomitar veneno de serpente com sua língua, quando vêem que suas causas estão para ser condenadas, e explodem em insultos quando se vêem vencidos". Embora tenhais dito que deveria haver heresias para testar a fé, ainda assim eles devem ser destruídos no próprio berço por vossa intercessão e ajuda, e, assim, não crescerão nem se tornarão fortes como vossos lobos.
Finalmente, que se levante toda a Igreja dos santos e a Igreja universal. Alguns, pondo de lado a verdadeira interpretação da Sagrada Escritura, estão ensandecidos pelo pai das mentiras. Sábios a seus próprios olhos, de conformidade com a antiga prática dos heréticos, interpretam essas mesmas Escrituras de modo diferente do inspirado pelo Espírito Santo, mas antes inspirados somente por seu próprio sentido de ambição, em consideração ao aplauso popular, como diz o Apóstolo. Realmente, torcem e adulteram as Escrituras. Consequentemente, de acordo com Jerônimo,"Não persiste mais o Evangelho de Cristo , mas um do homem, ou o que é pior, do demônio.
Que toda a santa Igreja de Deus, eu clamo, se levante, e com os santos apóstolos interceda perante o Deus Todo-Poderoso para estirpar os erros de sua ovelha, para banir todas as heresias dos campos da fé, e para que seja de seu agrado manter a paz e a unidade de sua santa Igreja.
Custa-nos expressar, em nossa tristeza e aflição, o que chegou aos nossos ouvidos, desde há algum tempo, através de notícias de homens de confiança e do rumor geral. Ai de nós, vimos ainda com nossos olhos e lemos os muitos e diversos erros. Alguns deles já foram condenados por concílios e constituições de nossos predecessores, e formalmente contêm até a heresia dos Gregos e Boêmios. Outros erros são ou heréticos, falsos, escandalosos, ou ofensivos ao ouvidos piedosos, assim como sedutores das mentes simples, originando-se de falsos intérpretes da fé que em sua orgulhosa curiosidade almejam a glória do mundo, e contrários ao ensinamento dos Apóstolos, desejam ser mais sábios do que poderiam ser. A loquacidade deles, não amparada pela autoridade das Escrituras, como disse Jerônimo, não ganharia confiança se não fizessem sua perversa doutrina parecer baseada até mesmo em testemunhos divinos, embora mal interpretados. No ponto de vista deles, o temor de Deus é coisa do passado.
Esses erros, por inspiração humana, tinham sido revividos e recentemente propagados entre os mais frívolos e ilustres da nação Germânica. Nós nos afligimos mais ainda que isso tenha acontecido ali porque nós e nossos predecessores sempre colocamos essa nação no mais alto de nossa afeição.
Depois que o império foi transferido pela Igreja Romana dos Gregos para esses germânicos , nossos predecessores e nós sempre escolhemos dentre eles advogados e defensores da Igreja. Realmente, é certo que esses germânicos , verdadeiros irmãos na fé católica , foram sempre encarniçados adversários das heresias, como testemunham aquelas louváveis constituições dos imperadores germânicos, em defesa da independência da Igreja, da liberdade, da expulsão e extinção de todos os hereges da Alemanha. Aquelas constituições formalmente emitidas e depois confirmadas por nossos predecessores, foram escritas sob as maiores penalidades, até mesmo perda de terras e soberania dos que os abrigasse ou não os expulsasse. Se elas fossem observadas hoje, nós e eles estaríamos obviamente livres deste distúrbio. Prova disto é a condenação e punição no Concílio de Constança da infidelidade dos Hussitas e Wyclifistas, assim como de Jerônimo de Praga.
Prova disto é o sangue dos Germânicos derramado tantas vezes em guerras contra os Boêmios. Uma prova final é a refutação, rejeição e condenação não menos instrutivas do que verdadeiras e santas, dos erros acima, ou de muitos deles, pelas universidades de Colônia e Louvaina, as cultivadoras mais devotadas e religiosas dos campos do Senhor. Poderíamos citar muitos outros fatos que decidimos omitir a fim de que não pareça estarmos compondo uma História.
Em virtude de nosso trabalho pastoral a nós comunicado por divino favor , não podemos sob nenhuma circunstância tolerar ou subestimar por mais tempo o veneno pernicioso dos erros acima sem prejuízo à religião cristã e dano à fé ortodoxa. Decidimos incluir no presente documento alguns desses erros. A substância deles é como se segue:
Eis porque nós, na enumeração supra, importante como é, desejamos proceder com grande cuidado como é adequado, e cortar o avanço dessa praga e doença cancerosa, de modo que não se espalhe mais além no campo do Senhor como um nocivo espinheiro. Levantamos, portanto, uma inquirição cuidadosa, escrutínios, discussão, exame severo, e deliberação amadurecida com cada um dos irmãos, os eminentes cardeais da santa Igreja Romana, bem como com os priores e mestres gerais das ordens religiosas, ao lado de outros profissionais e mestres peritos na sagrada teologia, no direito civil e canônico. Concluímos que esses erros ou essas pessoas não são católicas, como dito acima, e não devem ser considerados como tais. Mas, antes, são contra à doutrina e à tradição da Igreja Católica, e contra a verdadeira interpretação das sagradas Escrituras recebida da Igreja. Agostinho afirmava que a autoridade desta tinha de ser aceita tão fielmente que confirmou não teria acreditado no Evangelho sem a autoridade da Igreja Católica que tinha se responsabilizado por ela. Por conseguinte, de acordo com esses erros, ou algum deles ou vários deles, claramente se segue que a Igreja que é guiada pelo Espírito Santo estaria em erro e sempre esteve errada. Isso é contra o que Cristo por ocasião de sua Ascensão prometeu a seus discípulos (como se lê no santo Evangelho de Mateus): "Estarei convosco até a consumação do mundo" ; está contra as determinações dos santos Padres, ou determinações e leis dos concílios e do supremo Pontífice. O mal de não concordar com essas leis, conforme o testemunho de Cipriano, poderá ser combustível e causa de toda heresia e cisma.
Com o conselho e consenso desses nosso veneráveis irmãos, com deliberação amadurecida sobre cada uma das proposições supra, e pela autoridade do Deus Todo-Poderoso, dos santos apóstolos Pedro e Paulo, e de nossa própria autoridade, nós condenamos, reprovamos, e rejeitamos completamente cada uma dessas teses ou erros como heréticos, escandalosos, falsos, ofensivos aos ouvidos piedosos ou sedutores das mentes simples, e contra a verdade católica. Listando-os, nós decretamos e declaramos que todos os fiéis de ambos os sexos devem considerá-los como condenados, reprovados e rejeitados... Nós os proibimos a todos em nome da santa obediência e sob as penas de uma automática excomunhão...
Ainda mais, por causa dos precedentes erros e de muitos outros contidos nos livros ou escritos e sermões de Martinho Lutero, nós do mesmo modo condenamos, reprovamos e rejeitamos completamente os livros e todos os escritos e sermões do citado Martinho, seja em Latim seja em qualquer outra língua , que contenham os referidos erros ou qualquer um deles ; e desejamos que sejam considerados totalmente condenados, reprovados e rejeitados.
Proibimos a todos e a qualquer um dos fiéis de ambos os sexos, em nome da santa obediência e sob as penas acima em que incorrerão automaticamente, de ler, sustentar, pregar, louvar, imprimir, publicar ou defendê-los. Incorrerão nessas penas se ousarem apoiá-las de qualquer maneira, pessoalmente ou através de quem quer que seja, direta ou indiretamente, tácita ou explicitamente, pública ou ocultamente, seja em suas casas ou em outros lugares públicos ou privados. Na verdade, imediatamente após a publicação desta carta, essas obras devem ser procuradas aonde possam se encontrar, cuidadosamente, pelos ordinários e outros (eclesiásticos e regulares), e sob todas e cada uma das penas acima deverão ser queimadas publica e solenemente na presença dos clérigos e do povo.
No quanto se refere ao próprio Martinho, ó bom Deus, de que nos descuidamos ou o que deixamos de fazer? Que caridade paternal omitimos para que pudéssemos fazê-lo retroceder de tais erros? Nós até lhe oferecemos salvo conduto e o dinheiro necessário para sua viagem, apressando-o a vir sem medo ou desconfiança de qualquer espécie, que seria refutado com total caridade, e falaria não secretamente mas abertamente e face à face, segundo o exemplo de nosso Salvador e do apóstolo Paulo. Se ele tivesse feito isso, estamos certos de que ele poderia ter mudado seu coração e poderia ter reconhecido seus erros. Ele reconsideraria ter encontrado todos esses erros na Cúria Romana que atacou tão erradamente, atribuindo-lhes mais do que poderia, porque derivados de boatos vazios de homens perversos . Poderíamos ter-lhe mostrado mais claramente do que à luz do dia que os pontífices Romanos , nossos predecessores, aos quais injuriosamente atacou passando além de toda decência, nunca erraram em suas leis ou constituições, as quais ele tentou censurar. Porque, de acordo com o profeta, nem falta óleo salutar nem o médico em Galaad.
Mas ele sempre recusou a ouvir-nos e, desprezando a citação prévia e cada uma e todas as aberturas, não se dignou a vir a nós. Até agora ele tem sido contumaz. Com um espírito difícil, continuou sob censura mais de um ano. O que é pior, acrescentando mal a mal, e tomando conhecimento da citação, rompeu em insensato apelo a um concílio futuro. Isso seguramente seria contrário à constituição de Pio II e Júlio II, nossos predecessores, na qual todos os que apelassem nesse sentido deveriam ser punidos com as penas de heréticos. Em vão implorou pela ajuda de um concílio, já que abertamente admite que não acredita em concílio.
Portanto, sem nenhuma nova citação ou demora, nós procedemos contra ele com sua condenação e execração, como contra alguém cuja fé é notoriamente suspeita e de fato seguramente herética, com toda a severidade de cada uma e todas as penas e censuras antes mencionadas. Contudo, com o conselho de nossos irmãos, imitando a misericórdia do Deus Todo-Poderoso que não quer a morte do pecador mas antes que ele se converta e viva, e esquecendo todas as injúrias feitas a nós e à Sé Apostólica, decidimos usar de toda a compaixão de que somos capazes. Ë nossa esperança, tanta quanto podemos ter, que ele passe por uma mudança interior tomando o caminho da brandura que lhe propusemos, volte e se afaste de seus erros. Nós o receberemos bondosamente como ao filho pródigo retornando ao abraço da Igreja.
Portanto, o próprio Martinho e todos aqueles que aderiram a ele, e aqueles que o abrigam e o apoiam, pelo coração cheio de misericórdia de nosso Deus e a aspersão do sangue de nosso Senhor Jesus Cristo pela qual e através de quem foi realizada a redenção do gênero humano e a edificação da santa madre Igreja, fique sabendo que de coração exortamos e suplicamos que pare de conturbar a paz, unidade e verdade da Igreja pela qual o Salvador rezou tão insistentemente ao Pai. Que ele se afaste de seus erros perniciosos, que possa voltar para nós. Se eles querem realmente obedecer, e nos pôr cientes por documentos legais que obedeceram, encontrarão em nós a afeição do amor de um pai, o acesso à fonte dos efeitos da caridade paternal e acesso à fonte da misericórdia e da clemência.
Nós ordenamos, contudo, a Martinho que enquanto isso não ocorrer, pare com toda pregação ou com o oficio de pregador...
[- Dado em Roma, em 15 de junho de 1520.]