A g n u s D e i

EVANGELIUM VITAE
João Paulo II
25.03.1995

CONCLUSÃO

102. Chegados ao termo desta Encíclica, espontaneamente o olhar volta a fixar-se no Senhor Jesus, o "Menino nascido para nós" (cf. Is 9, 5), a fim de n'Ele contemplar "a Vida" que "se manifestou" (1 Jo 1, 2). No mistério deste nascimento, realiza-se o encontro de Deus com o homem e tem início o caminho do Filho de Deus sobre a terra, caminho esse que culminará com o dom da vida na Cruz: com a sua morte, Ele vencerá a morte e tornar-Se-á para a humanidade princípio de vida nova.

Quem esteve a acolher "a vida" em nome e proveito de todos, foi Maria, a Virgem Mãe, a qual, por isso mesmo, mantém laços pessoais estreitíssimos com o Evangelho da vida. O consentimento de Maria, na Anunciação, e a sua maternidade situam-se na própria fonte do mistério daquela vida, que Cristo veio dar aos homens (cf. Jo 10, 10). Através do acolhimento e carinho que Ela prestou à vida do Verbo feito carne, a vida do homem foi salva da condenação à morte definitiva e eterna.

Por isso, "como a Igreja, de que é figura, Maria é a Mãe de todos os que renascem para a vida. Ela é verdadeiramente a Mãe da Vida que faz viver todos os homens; ao gerar a Vida, gerou de certo modo todos aqueles que haviam de viver dessa Vida".138

Ao contemplar a maternidade de Maria, a Igreja descobre o sentido da própria maternidade e o modo como é chamada a exprimi-la. Ao mesmo tempo, a experiência materna da Igreja entreabre uma perspectiva mais profunda para compreender a experiência de Maria, qual modelo incomparável de acolhimento e cuidado da vida.

"Apareceu um grande sinal no Céu: uma mulher revestida de Sol" (Ap 12, 1): a maternidade de Maria e da Igreja

103. A relação recíproca entre Maria e o mistério da Igreja manifesta-se claramente no "grande sinal" descrito no Apocalipse: "Apareceu um grande sinal no céu: uma mulher revestida de Sol, tendo a Lua debaixo dos seus pés e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça" (12, 1). Neste sinal, a Igreja reconhece uma imagem do próprio mistério: apesar de imersa na história, ela está consciente de a transcender, porquanto constitui na terra "o germe e o princípio" do Reino de Deus.139 Tal mistério, a Igreja vê-o realizado, de modo pleno e exemplar, em Maria. É Ela a mulher gloriosa, na qual o desígnio de Deus se pôde atuar com a máxima perfeição.

Aquela "mulher revestida de Sol" — assinala o Livro do Apocalipse — "estava grávida" (12, 2). A Igreja está plenamente consciente de trazer em si o Salvador do mundo, Cristo Senhor, e de ser chamada a dá-Lo ao mundo, regenerando os homens para a própria vida de Deus. Mas não pode esquecer que esta sua missão tornou-se possível pela maternidade de Maria, que concebeu e deu à luz Aquele que é "Deus de Deus", "Deus verdadeiro de Deus verdadeiro". Maria é verdadeiramente a Mãe de Deus, a Theotokos, em cuja maternidade é exaltada, até ao grau supremo, a vocação à maternidade inscrita por Deus em cada mulher. Assim Maria apresenta-se como modelo para a Igreja, chamada a ser a "nova Eva", mãe dos crentes, mãe dos "viventes" (cf. Gn 3, 20).

A maternidade espiritual da Igreja só se realiza — também disto está ciente a Igreja — no meio das ânsias e "dores de parto" (Ap 12, 2), isto é, em perene tensão com as forças do mal, que continuam a sulcar o mundo e a dominar o coração dos homens, que opõem resistência a Cristo: "N'Ele estava a Vida e a Vida era a luz dos homens; a luz resplandece nas trevas, mas as trevas não a acolheram" (Jo 1, 4-5).

À semelhança da Igreja, também Maria teve de viver a sua maternidade sob o signo do sofrimento: "Este Menino está aqui (...) para ser sinal de contradição; uma espada trespassará a tua alma, a fim de se revelarem os pensamentos de muitos corações" (Lc 2, 34-35). Nas palavras que Simeão dirige a Maria, já no alvorecer da existência do Salvador, está sinteticamente representada aquela rejeição de Jesus — e com Ele a rejeição de Maria —, que culmina no Calvário. "Junto da cruz de Jesus" (Jo 19, 25), Maria participa no dom que o Filho faz de Si mesmo: oferece Jesus, dá-O, gera-O definitivamente para nós. O "sim" do dia da Anunciação amadurece plenamente no dia da Cruz, quando chega para Maria o tempo de acolher e gerar como filho cada homem feito discípulo, derramando sobre ele o amor redentor do Filho: "Então Jesus, ao ver sua mãe e junto dela, o discípulo que Ele amava, Jesus disse a sua mãe: "Mulher, eis aí o teu filho"" (Jo 19, 26).

"O dragão deteve-se diante da mulher (...) para lhe devorar o filho que estava para nascer" (Ap 12, 4): a vida ameaçada pelas forças do mal

104. No Livro do Apocalipse, o "grande sinal" da "mulher" (12, 1) é acompanhado por "outro sinal no céu": "um grande dragão vermelho" (12, 3), que representa Satanás, potência pessoal maléfica, e conjuntamente todas as forças do mal que agem na história e contrariam a missão da Igreja.

Também nisto, Maria ilumina a Comunidade dos Crentes: de fato, a hostilidade das forças do mal é uma obstinada oposição que, antes de tocar os discípulos de Jesus, se dirige contra a sua Mãe. Para salvar a vida do Filho daqueles que O temem como se fosse uma perigosa ameaça, Maria tem de fugir com José e o Menino para o Egito (cf. Mt 2, 13-15).

Assim, Maria ajuda a Igreja a tomar consciência de que a vida está sempre no centro de uma grande luta entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas. O dragão queria devorar "o filho que estava para nascer" (Ap 12, 4), figura de Cristo, que Maria gera na "plenitude dos tempos" (Gal 4, 4) e que a Igreja deve continuamente oferecer aos homens nas sucessivas épocas da história. Mas é também, de algum modo, figura de cada homem, de cada criança, sobretudo de cada criatura débil e ameaçada, porque — como recorda o Concílio — "pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-Se de certo modo a cada homem".140 Precisamente na "carne" de cada homem, Cristo continua a revelar-Se e a entrar em comunhão conosco, pelo que a rejeição da vida do homem, nas suas diversas formas, é realmente rejeição de Cristo. Esta é a verdade fascinante mas exigente, que Cristo nos manifesta e que a sua Igreja incansavelmente propõe: "Quem receber um menino como este, em meu nome, é a Mim que recebe" (Mt 18, 5); "Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes" (Mt 25, 40).

"Não mais haverá morte" (Ap 21, 4): o esplendor da ressurreição

105. A anunciação do anjo a Maria está inserida no meio destas expressões tranquilizadoras: "Não tenhas receio, Maria" e "Nada é impossível a Deus" (Lc 1, 30.37). Na verdade, toda a existência da Virgem Mãe está envolvida pela certeza de que Deus está com Ela e A acompanha com a sua benevolência providente. O mesmo se passa também com a existência da Igreja que encontra "um refúgio" (cf. Ap 12, 6) no deserto, lugar da provação mas também da manifestação do amor de Deus pelo seu povo (cf. Os 2, 16). Maria é uma mensagem de viva consolação para a Igreja na sua luta contra a morte. Ao mostrar-nos o seu Filho, assegura-nos que n'Ele as forças da morte já foram vencidas: "Morte e vida combateram, mas o Príncipe da vida reina vivo após a morte".141

O Cordeiro imolado vive com os sinais da paixão, no esplendor da ressurreição. Só Ele domina todos os acontecimentos da história: abre os seus "selos" (cf. Ap 5, 1-10) e consolida, no tempo e para além dele, o poder da vida sobre a morte. Na "nova Jerusalém", ou seja, no mundo novo para o qual tende a história dos homens, "não mais haverá morte, nem pranto, nem gritos, nem dor, por que as primeiras coisas passaram" (Ap 21, 4).

Como povo peregrino, povo da vida e pela vida, enquanto caminhamos confiantes para "um novo céu e uma nova terra" (Ap 21, 1), voltamos o olhar para Aquela que é para nós "sinal de esperança segura e consolação".142

Ó Maria,
aurora do mundo novo,
Mãe dos viventes,
confiamo-Vos a causa da vida:
olhai, Mãe,
para o número sem fim
de crianças a quem é impedido nascer,
de pobres para quem se torna difícil viver,
de homens e mulheres
vítimas de inumana violência,
de idosos e doentes assassinados
pela indiferença
ou por uma presunta compaixão.
Fazei com que todos aqueles que crêem
no vosso Filho
saibam anunciar com desassombro e amor
aos homens do nosso tempo
o Evangelho da vida.
Alcançai-lhes a graça de o acolher
como um dom sempre novo,
a alegria de o celebrar com gratidão
em toda a sua existência,
e a coragem para o testemunhar
com laboriosa tenacidade,
para construírem,
juntamente com todos os homens
de boa vontade,
a civilização da verdade e do amor,
para louvor e glória de Deus Criador
e amante da vida.

Dado em Roma, junto de S. Pedro, no dia 25 de Março, solenidade da Anunciação do Senhor, do ano 1995, décimo sétimo de Pontificado.

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