»» Documentos da Igreja |
As maravilhas do plano de Deus, na Ásia
1. A Igreja na Asia canta os louvores do «Deus da nossa salvação» (Sal 6867, 20) por ter escolhido iniciar o seu plano salvador em terra asiática, através de homens e mulheres deste continente. De facto, foi na Ásia que Deus deu início à revelação e cumprimento do seu desígnio de salvação. Guiou os Patriarcas (cf. Gen 12) e chamou Moisés para conduzir o seu povo para a liberdade (cf. Ex 3, 10). Falou ao seu povo eleito através de muitos profetas, juízes, reis e corajosas mulheres de fé. Na «plenitude dos tempos» (Gal 4, 4), enviou o seu Filho unigénito, Jesus Cristo Salvador, que encarnou com corpo semelhante ao de um asiático! Exultando pela bondade dos povos do Continente, pelas suas culturas e vitalidade religiosa, mas ao mesmo tempo consciente do dom único da fé que ela recebeu para benefício de todos, a Igreja na Ásia não pode deixar de proclamar: «Louvai o Senhor porque Ele é bom, porque é eterno o seu amor» (Sal 118117, 1).
Uma vez que Jesus nasceu, viveu, morreu e ressuscitou dos mortos na Terra Santa, esta pequena porção da Ásia Ocidental tornou-se uma terra de promessa e de esperança para todo o género humano. Jesus conheceu e amou esta terra. Assumiu como próprios a história, os sofrimentos e as esperanças do seu povo. Amou a sua gente e abraçou as tradições e herança judaicas. De facto, muito tempo antes Deus escolhera este povo e revelou-Se a ele preparando a vinda do Salvador. E desta terra, pela pregação do Evangelho com o poder do Espírito Santo, a Igreja estendeu-se até fazer «discípulos de todas as nações» (Mt 28, 19). Com a Igreja espalhada por todo o mundo, a Igreja da Ásia cruzará o limiar do Terceiro Milénio Cristão, cheia de admiração por tudo o que Deus operou desde o início até agora, e bem consciente de que, «assim como no primeiro milénio a Cruz foi implantada no solo da Europa e, no segundo milénio, o mesmo ocorreu na América e na África, nós rezaremos para que, no terceiro milénio cristão, uma grande colheita de fé possa ser feita neste continente tão vasto e vivo».1
Preparação da Assembleia Especial
2. Na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, apresentei um programa para a Igreja acolher bem o terceiro milénio de cristianismo, um programa centrado nos desafios da nova evangelização. Um aspecto importante desse plano era a realização de Sínodos Continentais onde os Bispos pudessem tratar a questão da evangelização de acordo com a situação particular e as necessidades de cada continente. Esta série de Sínodos, ligados entre si pelo tema da nova evangelização, demonstrou-se uma parte importante da preparação da Igreja para o Grande Jubileu do Ano 2000.
Na referida Carta Apostólica, ao mencionar a Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, observei que é nesta parte do mundo onde aparece «mais acentuada a questão do encontro do cristianismo com as antiquíssimas culturas e religiões locais. Grande desafio, este, para a evangelização, dado que sistemas religiosos como o budismo ou o induísmo se propõem com um claro carácter soteriológico».2 E realmente um mistério o motivo pelo qual o Salvador do mundo, nascido na Ásia, tenha permanecido até agora largamente desconhecido para a população do continente. O Sínodo haveria de ser uma ocasião providencial para a Igreja da Ásia reflectir primariamente neste mistério e renovar o compromisso para com a missão de tornar Jesus Cristo melhor conhecido a todos. Dois meses depois da publicação da Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, ao dirigir-me à VI Assembleia Plenária da Federação das Conferências Episcopais da Ásia, em Manila nas Filipinas, durante as memoráveis celebrações da X Jornada Mundial da Juventude, lembrei aos Bispos: «Se a Igreja da Ásia deve realizar o seu destino providencial, então uma evangelização entendida como o jubiloso, paciente e progressivo anúncio da Morte salvífica e Ressurreição de Jesus Cristo há-de ser a vossa prioridade absoluta».3
A resposta positiva dos Bispos e das Igrejas particulares à ideia de uma Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos foi evidente ao longo de toda a fase preparatória. Os Bispos comunicaram seus desejos e opiniões sobre cada ponto com franqueza e profundo conhecimento da situação do Continente. Fizeram-no com plena consciência do vínculo de comunhão que partilham com a Igreja Universal. Em sintonia com a ideia original da Carta Apostólica Tertio millennio adveniente e seguindo as propostas do Conselho Pré-Sinodal que ponderara o parecer dos Bispos e Igrejas particulares do Continente asiático, escolhi como tema do Sínodo: «Jesus Cristo Salvador e a sua missão de amor e serviço na Ásia: "Para que tenham vida e a tenham em abundância" (Jo 10, 10)». Com esta formulação particular do tema, pretendi que o Sínodo pudesse «ilustrar e aprofundar a verdade sobre Cristo como único Mediador entre Deus e os homens e único Redentor do mundo, distinguindo-O bem dos fundadores de outras grandes religiões».4 Ao aproximarmo-nos do Grande Jubileu, a Igreja na Ásia precisa de estar em condições de proclamar com renovado vigor: Ecce natus est nobis Salvator mundi, «Eis o Salvador do mundo nascido para nós», ... nascido na Ásia!
A celebração da Assembleia Especial
3. Pela graça de Deus, a Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos teve lugar de 18 de Abril a 14 de Maio de 1998 no Vaticano. Realizou-se depois das Assembleias Especiais para a África (1994) e para a América (1997), seguindo-se-lhe no final do ano de 1998 a Assembleia Especial para a Oceânia. Durante quase um mês, os Padres Sinodais e outros participantes, reunidos à volta do Sucessor de Pedro e partilhando o dom da comunhão hierárquica, deram voz e rosto à Igreja da Ásia. Foi realmente um momento de graça especial! 5 Anteriores reuniões de Bispos asiáticos tinham contribuído para preparar o Sínodo e tornar possível uma atmosfera de intensa comunhão eclesial e fraterna. Foram de particular relevo, a tal respeito, as precedentes Assembleias Plenárias e Seminários patrocinados pela Federação das Conferências Episcopais da Ásia e seus departamentos, que faziam com que se encontrassem periodicamente grande número de Bispos asiáticos, cimentando entre eles laços pessoais e ministeriais. Tive o privilégio de tomar parte nalguns destes encontros, presidindo na mesma altura às solenes Celebrações Eucarísticas de abertura ou encerramento. Em tais ocasiões, pude observar directamente a experiência de diálogo entre as Igrejas particulares, incluindo as Igrejas Orientais, na pessoa dos seus Pastores. Estas e outras assembleias regionais dos Bispos da Ásia serviram providencialmente de preparação remota para a Assembleia Sinodal.
A própria celebração do Sínodo confirmou a importância do diálogo como uma forma característica da vida da Igreja na Ásia. Comprovou-se que uma sincera e leal partilha de experiências, ideias e propostas é o caminho para um genuíno encontro de almas, uma comunhão de mentes e corações que, no amor, se respeitam e transcendem as diferenças. Particularmente comovente foi o encontro das novas Igrejas com as antigas Igrejas cujas origens remontam aos Apóstolos. Experimentámos a alegria incomparável que sentiam os Bispos das Igrejas particulares no Myanmar [ex-Birmânia], Vietname, Laos, Camboja, Mongólia, Sibéria e nas novas Repúblicas da Ásia Central, por poderem sentar-se ao lado de seus Irmãos, que há muito tempo também os desejavam encontrar e dialogar com eles. Contudo havia também uma sensação de tristeza pelo facto de não poderem estar presentes os Bispos da China continental. A sua ausência constituiu uma lembrança constante dos sacrifícios e sofrimentos heróicos que a Igreja continua a suportar em muitas partes da Ásia.
A experiência de diálogo dos Bispos e do Sucessor de Pedro, a quem está confiada a tarefa de fortalecer os seus irmãos (cf. Lc 22, 32), foi verdadeiramente uma confirmação na fé e na missão. Dia após dia, a Aula do Sínodo e as salas de grupo enchiam-se com relatórios de fé profunda, amor de auto-imolação, inabalável esperança, compromisso à custa de longos sofrimentos, coragem constante, perdão misericordioso, manifestando-se eloquentemente em tudo isso a verdade das palavras de Jesus: «Eu estarei sempre convosco» (Mt 28, 20). O Sínodo constituiu um momento de graça, porque foi um encontro com o Salvador que continua a estar presente na sua Igreja pelo poder do Espírito Santo, palpável num diálogo fraterno de vida, comunhão e missão.
Partilha dos frutos da Assembleia Especial
4. Através desta Exortação Apostólica Pós-Sinodal, desejo partilhar com a Igreja presente na Ásia e no mundo inteiro os frutos desta Assembleia Especial. Este documento procura transmitir a riqueza deste grande acontecimento espiritual de comunhão e colegialidade episcopal. O Sínodo foi uma evocação celebrativa dos caminhos asiáticos do cristianismo. Os Padres Sinodais recordaram a primeira Comunidade Cristã, a primitiva Igreja, pequenino rebanho de Jesus neste Continente imenso (cf. Lc 12, 32). Recordaram o que a Igreja recebeu e ouviu desde o início (cf. Ap 3, 3), e, depois de o recordar, celebraram a «imensa bondade» (Sal 145144, 7) de Deus, que nunca falha. O Sínodo foi também uma ocasião para reconhecer as tradições religiosas e civilizações antigas, as profundas filosofias e sabedoria que fizeram da Ásia aquilo que ela é hoje. E sobretudo foram lembrados os próprios povos da Ásia, que constituem a verdadeira riqueza e esperança do futuro do Continente. Durante o Sínodo, aqueles que estiveram presentes foram testemunhas dum encontro extraordinariamente frutuoso entre as antigas e as novas culturas e civilizações da Ásia, um panorama maravilhoso na sua diversidade e convergência, especialmente quando símbolos, cânticos, danças e cores apareceram juntos, em harmoniosa combinação, à volta da Mesa do Senhor, nas Liturgias Eucarísticas de abertura e encerramento.
Uma celebração ditada, não pela vaidade de realizações humanas, mas pela consciência do que o Altíssimo tem feito pela Igreja da Ásia (cf. Lc 1, 49). Recordando a humilde condição da Comunidade católica e ainda as fraquezas dos seus membros, o Sínodo foi também uma chamada à conversão, para que a Igreja da Ásia pudesse tornar-se mais digna ainda das graças que continuamente lhe têm sido oferecidas por Deus.
Para além de comemoração e celebração, o Sínodo foi também uma ardente afirmação de fé em Jesus Cristo Salvador. Agradecidos pelo dom da fé, os Padres Sinodais concluíram que não há melhor meio para celebrar a fé do que afirmá-la na sua integridade, e reflectir como relacioná-la com o contexto no qual ela tem de ser proclamada e professada na Ásia de hoje. Frequentemente puseram em realce que a fé está já a ser proclamada com confiança e coragem no Continente, embora no meio de grandes dificuldades. Em nome dos muitos milhões de homens e mulheres da Ásia que põem a sua confiança apenas no Senhor, os Padres Sinodais confessaram: «Nós acreditamos e sabemos que és o Santo de Deus» (Jo 6, 69). Diante das muitas e dolorosas questões suscitadas pelo sofrimento, a violência, a discriminação e a pobreza a que a maioria dos povos asiáticos está sujeita, aqueles rezaram: «Eu creio! Ajuda a minha incredulidade» (Mc 9, 24).
Em 1995, convidei os Bispos da Ásia, reunidos em Manila, a «abrirem de par em par as portas da Ásia a Cristo».6 Revigorados pelo mistério de comunhão com os inumeráveis e muitas vezes desconhecidos mártires da fé na Ásia e confirmados na esperança pela presença contínua do Espírito Santo, os Padres Sinodais corajosamente chamaram todos os discípulos de Cristo da Ásia a um renovado compromisso pela missão. Durante a Assembleia Sinodal, os Bispos e demais participantes foram testemunhas do génio, do ardor e zelo espiritual, que seguramente farão da Ásia a terra duma abundante colheita no milénio vindouro.