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Exortação Apostólica Pós-Sinodal
ECCLESIA IN AMERICA

V. CAMINHO PARA A SOLIDARIEDADE

«Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 35)

A solidariedade, fruto da comunhão

52. «Em verdade Eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a Mim mesmo que o fizestes» (Mt 25, 40; cf. 25, 45). A noção da comunhão com Cristo e com os irmãos, que por sua vez é fruto da conversão, leva a servir o próximo em todas as suas necessidades, tanto materiais como espirituais, porque em cada homem resplandece o rosto de Cristo. Por isso, «a solidariedade é fruto da comunhão que se baseia no mistério de Deus uno e trino, e no Filho de Deus encarnado e morto por todos. Ela se exprime no amor do cristão que procura o bem de todos, especialmente dos mais necessitados». (195)

Nasce daí, para as Igrejas particulares do Continente americano, o compromisso da recíproca solidariedade e da partilha dos bens materiais e dos dons espirituais com que Deus as abençoou, estimulando a disponibilidade das pessoas para trabalhar onde for preciso. A partir do Evangelho, é necessário promover uma cultura da solidariedade que incentive oportunas iniciativas de apoio aos pobres e aos marginalizados, de modo especial aos refugiados, que vêem-se forçados a deixar suas aldeias e terras para fugir da violência. A Igreja na América deve estimular os organismos internacionais do Continente, para que se estabeleça uma ordem econômica na qual não predomine somente o critério do lucro, mas também os da procura do bem comum nacional e internacional, da distribuição justa dos bens e da promoção integral dos povos. (196)

A doutrina da Igreja, expressão das exigências da conversão

53. Enquanto que o relativismo e o subjetivismo registram uma difusão preocupante no campo da doutrina moral, a Igreja na América é chamada a anunciar, com renovado vigor, que a conversão consiste na adesão à pessoa de Jesus Cristo, com todas as implicações teológicas e morais ilustradas pelo Magistério eclesial. Convem reconhecer «o papel que desempenham neste sentido os teólogos, os catequistas e os professores de religião que, ao expor com fidelidade ao Magistério a doutrina da Igreja, cooperam diretamente na correta formação da consciência dos fiéis». (197) Se acreditamos que Jesus é a Verdade (cf. Jo 14, 6), só podemos desejar com ardor ser suas testemunhas para aproximar os irmãos à verdade plena que reside no Filho de Deus feito homem, morto e ressuscitado para a salvação da gênero humano. «Deste modo poderemos ser, neste mundo, lâmpadas vivas de fé, esperança e caridade». (198)

A doutrina social da Igreja

54. Diante dos graves problemas de ordem social que, com características distintas, encontram-se em toda a América, o católico sabe que pode encontrar na doutrina social da Igreja a resposta por onde iniciar a identificar as soluções concretas. Difundir tal doutrina constitui, portanto, uma autêntica prioridade pastoral. É, pois, importante «que na América os agentes de evangelização (Bispos, sacerdotes, professores, animadores pastorais, etc...) assimilem este tesouro que é a doutrina social da Igreja e, iluminados por ela, se tornem capazes de ler a realidade atual e de procurar os caminhos para agir». (199) A este respeito, deve-se privilegiar a formação dos leigos capazes de trabalhar, em nome da fé em Cristo, para a transformação das realidades temporais. Mais, será oportuno promover e apoiar o estudo desta doutrina em todos os âmbitos das Igrejas particulares na América e, sobretudo, no universitário, para que ela seja conhecida com maior profundidade e aplicada na sociedade americana. A complexa realidade social deste Continente é um campo fecundo para a análise e a aplicação dos princípios universais de tal doutrina.

Para conseguir este objetivo, seria muito útil um compêndio ou uma síntese autorizada da doutrina social católica, inclusive um «catecismo», que mostre a relação que existe entre esta e a nova evangelização. A parte que o Catecismo da Igreja Católica dedica a esta matéria, a propósito do sétimo mandamento do decálogo, poderia constituir o ponto de partida deste «Catecismo de Doutrina social católica». Naturalmente, como aconteceu para o Catecismo da Igreja Católica, aquele também limitar-se-ia a formular os princípios gerais, deixando para posteriores fases de aplicação o estudo dos problemas conexos com as diversas situações locais. (200)

O direito a um trabalho digno ocupa um lugar importante na doutrina social da Igreja. Por isso, diante das altas taxas de desemprego, que afligem muitos países americanos, e das duras condições de vida de tantos trabalhadores da indústria e do campo, «é necessário apreciar o trabalho como elemento de realização e de dignidade da pessoa humana. É responsabilidade ética de uma sociedade organizada promover e apoiar uma cultura do trabalho». (201)

Globalização da solidariedade

55. O complexo fenômeno da globalização como lembrei anteriormente, é uma das características da nossa época, verificável especialmente na América. Dentre esta variada realidade, o aspecto econômico assume grande importância. Com a sua doutrina social, a Igreja oferece uma válida contribuição para a problemática que apresenta a atual economia globalizada. Sua visão moral nesta matéria «apoia-se sobre os três alicerces fundamentais da dignidade humana, da solidariedade e da subsidiariedade». (202) A economia globalizada deve ser analisada à luz dos princípios da justiça social, respeitando a opção preferencial pelos pobres, que devem ser colocados em condições de defender-se numa economia globalizada, e as exigências do bem comum internacional. Na verdade, «a doutrina social da Igreja é a visão moral que visa estimular os governos, as instituições e as organizações privadas para que projetem um futuro compatível com a dignidade humana. Nesta perspectiva, podem-se considerar as questões relacionadas com a dívida externa, a corrupção política interna e a discriminação tanto dentro das nações como entre elas». (203)

A Igreja na América é chamada não só a promover uma maior integração entre as nações, contribuindo assim a criar uma autêntica cultura globalizada da solidariedade, (204) mas também a colaborar com todos os meios legítimos para a redução dos efeitos negativos da globalização, tais como o domínio dos mais poderosos sobre os mais fracos, especialmente no campo econômico, e a perda dos valores das culturas locais a favor de uma mal entendida homogeneização.

Pecados sociais que clamam ao céu

56. À luz da doutrina social da Igreja compreende-se melhor a gravidade dos «pecados sociais que clamam ao céu, porque geram violência, rompem a paz e a harmonia entre as comunidades de uma mesma nação, entre nações e as distintas zonas do Continente». (205) Entre eles devem ser lembrados, «o comércio de drogas, a reciclagem de lucros ilícitos, a corrupção em qualquer ambiente, o terror da violência, a corrida aos armamentos, a discriminação racial, as desigualdades entre os grupos sociais, a destruição irracional da natureza». (206) Estes pecados manifestam uma crise profunda devida à perda do sentido de Deus e pela ausência daqueles princípios morais que devem nortear a vida de cada homem. Sem referências morais, cai-se na avidez desenfreada de riqueza e de poder, que ofusca qualquer visão evangélica da realidade social.

Não raro, isto leva algumas instâncias públicas a descurar a situação social. Domina cada vez mais, em muitos Países americanos, um sistema conhecido como «neo-liberalismo»; sistema este que, apoiado numa concepção economicista do homem, considera o lucro e as leis de mercado como parâmetros absolutos a prejuízo da dignidade e do respeito da pessoa e do povo. Por vezes, este sistema transformou-se numa justificação ideológica de algumas atitudes e modos de agir no campo social e político que provocam a marginalização dos mais fracos. De fato, os pobres são sempre mais numerosos, vítimas de determinadas políticas e estruturas freqüentemente injustas. (207)

A melhor resposta, a partir do Evangelho, para esta dramática situação é a promoção da solidariedade e da paz, em vista da efetiva realização da justiça. A tal fim, ocorre estimular e ajudar os que são exemplo de honestidade na administração das finanças públicas e da justiça. Ocorre, outrossim, apoiar o processo de democratização que se está a realizar na América, (208) pois num sistema democrático são maiores as possibilidades de controle que permitem evitar os abusos.

«O Estado de direito é a condição necessária para estabelecer uma autêntica democracia». (209) Para que esta se possa desenvolver, é necessária a educação cívica e a promoção da ordem pública e da paz. Com efeito, «não há democracia autêntica e estável sem justiça social. Por isso, é necessário que a Igreja ponha maior atenção na formação das consciências, prepare os dirigentes sociais para a vida pública a todos os níveis, promova a educação cívica, a observância da lei e dos direitos humanos e dedique um maior esforço para a formação ética da classe política». (210)

O fundamento último dos direitos humanos

57. Convem lembrar que o fundamento sobre o qual se apoiam todos os direitos humanos é a dignidade da pessoa. «O homem, obra prima divina, é imagem e semelhança de Deus. Jesus assumiu nossa natureza, exceto o pecado; promoveu e defendeu a dignidade de cada pessoa humana sem qualquer excepção; morreu pela liberdade de todos. O Evangelho mostra-nos como Cristo exaltou a centralidade da pessoa humana na ordem natural (cf. Lc 12, 22-29), na ordem social e na ordem religiosa, até mesmo em relação à Lei (cf. Mc 2, 27), defendendo o homem, e também a mulher (cf. Jo 8, 11) e as crianças (cf. Mt 19, 13-15), que, conforme a época e a cultura reinante, ocupavam um lugar secundário na sociedade. Da dignidade do homem enquanto filho de Deus nascem os direitos humanos e os correspondentes deveres». (211) Por este motivo, «toda violação da dignidade humana é injúria ao próprio Deus, cuja imagem é o homem». (212) Tal dignidade é comum a todos os homens sem excepção, pois todos foram criados à imagem de Deus (cf. Gn 1, 26). A resposta de Jesus à pergunta «Quem é o meu próximo?» (Lc 10, 29) exige de cada qual uma atitude de respeito pela dignidade do outro e uma atenção cuidadosa dele, mesmo em se tratando de um estrangeiro ou de um inimigo (cf. Lc 10, 30-37). Em todas as partes da América a consciência de que os direitos humanos devem ser respeitados cresceu nestes últimos tempos, mas permanece ainda muito a ser feito, se se consideram as violações dos direitos de pessoas e de grupos sociais ainda efetuadas no Continente.

Amor preferencial pelos pobres e marginalizados

58. «A Igreja na América deve encarnar nas suas iniciativas pastorais a solidariedade da Igreja universal pelos pobres e pelos marginalizados de toda espécie. Sua posição deve compreender a assistência, a promoção, a libertação e a acolhida fraterna. O objetivo da Igreja é que não haja nenhum marginalizado». (213) A recordação dos capítulos cinzas da história da América, relativos à prática da escravidão e outras situações de discriminação social, não deve deixar de suscitar um sincero desejo de conversão que leve à reconciliação e à comunhão.

A atenção aos mais necessitados provem da opção de amar de modo preferencial os pobres. Trata-se de um amor que não é exclusivo e não pode ser interpretado como sinal de parcialidade ou de facciosismo; (214) amando os pobres, o cristão segue o comportamento do Senhor, o Qual, na sua vida terrena, dedicou-se, com sentimentos de particular compaixão, às necessidades espirituais e materiais das pessoas indigentes.

A obra da Igreja a favor dos pobres em todas as zonas do Continente é importante; deve-se, porém, continuar a trabalhar a fim de que esta linha de ação pastoral seja sempre mais destinada ao encontro com Cristo, o Qual, sendo rico, Se fez pobre por nós, a fim de nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9). É necessário intensificar e estender quanto já se vem fazendo neste campo, com o fim de alcançar o maior número de pobres. A Sagrada Escritura lembra que Deus escuta o grito dos pobres (cf. Sl 34 [33], 7) e a Igreja deve permanecer atenta ao grito dos mais necessitados. Escutando a sua voz, «ela deve viver com os pobres e participar dos seus sofrimentos. [...] Com o seu estilo de vida, as suas prioridades, as suas palavras e as suas ações, ela deve testemunhar de estar em comunhão e solidariedade com eles». (215)

A dívida externa

59. A existência de uma dívida externa que sufoca não poucos povos do Continente americano, constitui um problema complexo. Mesmo sem abordar seus numerosos aspectos, a Igreja, na sua solicitude pastoral, não pode ignorar este problema, pois este se refere à vida de tantas pessoas. Por isto, diversas Conferências Episcopais na América, conscientes da sua gravidade, organizaram a este respeito encontros de estudo e publicaram documentos destinados a indicar soluções operacionais. (216) Também eu expressei, em diversas ocasiões, minha preocupação por esta situação, que tornou-se, em certos casos, insustentável. Na perspectiva do já iminente Grande Jubileu do ano 2000, ao recordar o significado social que revestiam os jubileus no Antigo Testamento, escrevi: «No espírito do livro do Levítico (25, 8-12), os cristãos deverão fazer-se eco de todos os pobres do mundo, propondo o Jubileu como um tempo oportuno para pensar, além do mais, numa consistente redução, se não mesmo no perdão total da dívida internacional, que pesa sobre o destino de muitas nações». (217)

Reitero o auspício, feito a propósito pelos Padres Sinodais, de que o Pontifício Conselho "Justiça e Paz", junto com outros organismos competentes como a Seção para as Relações com os Estados da Secretaria de Estado, «procure, no estudo e no diálogo com os representantes do Primeiro Mundo e com os responsáveis do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, vias de solução para o problema da dívida externa e normas que impeçam a repetição de idênticas situações por ocasião de futuros empréstimos». (218) Do maior nível possível, seria oportuno que «peritos em economia e em questões monetárias, de prestígio internacional, procedessem a uma análise crítica da ordem econômica mundial, nos seus aspectos positivos e negativos, para, deste modo, corrigir a ordem atual, e propusessem um sistema e mecanismos capazes de garantir o desenvolvimento integral e solidário das pessoas e dos povos». (219)

Luta contra a corrupção

60. O fenômeno da corrupção é, também na América, notavelmente estendido. A Igreja pode contribuir eficazmente a extirpar este mal da sociedade civil com «uma maior presença de leigos cristãos qualificados que, pela sua educação familiar, escolar e paroquial, promovam a prática de valores como a verdade, a honestidade, a laboriosidade e o serviço do bem comum». (220) Para conseguir este objetivo, bem como para iluminar todos os homens de boa vontade, desejosos de acabar com os males derivados da corrupção, é preciso ensinar e difundir em larga escala a parte que corresponde a este tema no Catecismo da Igreja Católica, promovendo, ao mesmo tempo, entre os católicos de cada Nação o conhecimento dos documentos publicados a respeito pelas Conferências Episcopais das outras Nações. (221) Os cristãos assim formados contribuirão significativamente para a solução daquele problema, esforçando-se por levar à prática a doutrina social da Igreja, em todos os aspectos que lhes afeta na vida e nos que eles podem chegar a influir.

O problema das drogas

61. Quanto ao grave problema do comércio das drogas, a Igreja na América pode colaborar eficazmente com os responsáveis das Nações, os dirigentes de empresas privadas, as organizações não governamentais e as instâncias internacionais para elaborar projetos destinados a eliminar tal comércio, que ameaça a integridade dos povos na América. (222) Esta colaboração deve estender-se aos orgãos legislativos, apoiando as iniciativas que impedem a «reciclagem do dinheiro», favorecem o controle dos bens dos que estão envolvidos neste tráfego e cuidam que a produção e o comércio das substâncias químicas com que se obtêm as drogas se realizem de acordo com a lei. A urgência e a gravidade do problema tornam indispensável um apelo aos diversos ambientes e grupos da sociedade civil, a fim de unir-se na luta contra o comércio das drogas. (223) No que diz respeito de modo específico aos Bispos, é necessário — de acordo com uma sugestão dos Padres Sinodais — que eles próprios, como Pastores do Povo de Deus, denunciem com coragem e com força o hedonismo, o materialismo e aqueles estilos de vida que facilmente induzem à droga. (224)

É necessário, também, levar em conta que se deve ajudar aos agricultores pobres, para que não caiam na tentação do dinheiro fácil, conseguido com a cultivação de plantas para a obtenção das drogas. A este respeito, a FAO e os Organismos internacionais podem oferecer uma preciosa colaboração aos Governos nacionais favorecendo, com vários incentivos, as produções agrícolas alternativas. Seja estimulada também a obra dos que se esforçam por recuperar os que se drogam, dedicando uma atenção pastoral às vítimas da tóxicodependência: é fundamental oferecer o justo «sentido da vida» às novas gerações que, se este vier a faltar, terminam frequentemente caindo na espiral perversa dos entorpecentes. Este trabalho de reabilitação social também pode constituir um verdadeiro e próprio empenho de evangelização. (225)

A corrida aos armamentos

62. Um fator que paralisa o progresso de muitas nações na América é a corrida aos armamentos. Das Igrejas particulares da América deve levantar-se um voz profética, que denuncie tanto o rearmamento quanto o comércio escandaloso de armas de guerra, o qual consome enormes somas dinheiro que deveriam ser, pelo contrário, destinadas a combater a miséria e a promover o desenvolvimento. (226) Por outro lado, o armazenamento de armas constitui uma causa de instabilidade e uma ameaça para a paz. (227) Eis porque a Igreja permanece vigilante diante do risco de conflitos armados, até mesmo entre nações irmãs. Esta, como sinal e instrumento de reconciliação e de paz, deve procurar «com todos os meios possíveis, inclusive através da mediação e da arbitragem, de agir a favor da paz e da fraternidade entre os povos». (228)

Cultura da morte e sociedade dominada pelos poderosos

63. Hoje, na América, como em outras partes do mundo, parece entrever-se um modelo de sociedade em que dominam os poderosos, marginalizando e até mesmo eliminando os mais fracos: penso aqui nas crianças não nascidas, vítimas indefesas do aborto; nos anciãos e nos doentes incuráveis, às vezes objeto de eutanásia; e nos inumeráveis seres humanos postos à margem pelo consumismo e pelo materialismo. Não posso esquecer, também, do desnecessário recurso à pena de morte, quando «outros processos incruentos forem suficientes para defender do agressor e para proteger a segurança das pessoas [...]. De fato, hoje, com os meios a disposição do Estado para reprimir o crime com eficácia, tornando inofensivo quem o cometeu, sem privá-lo definitivamente a possibilidade de redimir-se, os casos de absoluta necessidade de supressão do réu são "já muito raros, se não mesmo praticamente inexistentes"». (229) Este modelo de sociedade é baseado na cultura da morte, estando, portanto, em contraste com a mensagem evangélica. Perante esta realidade desoladora, a Comunidade eclesial propõe-se defender sempre mais a cultura da vida.

A este respeito, os Padres Sinodais, fazendo-se eco dos recentes documentos do Magistério da Igreja, reafirmaram com vigor o incondicionado respeito e total devotamento a favor da vida humana desde a concepção até a morte natural, e exprimem a condenação dos males como o aborto e a eutanásia. Para sustentar estes ensinamentos da lei divina e natural, é essencial promover o conhecimento da doutrina social da Igreja, e esforçar-se a fim de que os valores da vida e da família sejam reconhecidos e defendidos na vivência social e nos ordenamentos do Estado. (230) Paralelamente à tutela da vida, há de ser intensificada, através de várias instituições pastorais, uma promoção ativa das adoções e uma constante assistência às mulheres com problemas na gravidez, quer antes quer depois do nascimento do filho. Mais, há de reservar-se uma especial atenção pastoral às mulheres que sofreram ou procuraram ativamente o aborto. (231)

Como não dar graças a Deus, e como não expressar vivo apreço pelos irmãos e irmãs na fé que na América, junto a outros cristãos e inúmeras pessoas de boa vontade, estão empenhados em defender, com todos os meios legais, a vida e a tutelar o nascituro, o doente incurável e os inválidos? Sua ação é ainda mais meritória se se consideram a indiferença de muitos, as ameaças eugenéticas e os atentados à vida e à dignidade humana, que diariamente se cometem em todo lugar. (232)

Idêntico cuidado se há de ter pelos anciãos, por vezes descurados e abandonados a si próprios. Estes devem ser respeitados como pessoas; é importante realizar para eles iniciativas de acolhida e de assistência, que promovam seus direitos e garantam, na medida do possível, o bem-estar físico e espiritual. Os anciãos hão de ser protegidos das situações e pressões que poderiam induzi-los ao suicídio; de modo particular, eles devem ser amparados hoje contra a tentação do suicídio assistido e a eutanásia.

Junto aos Pastores do Povo de Deus na América, faço apelo aos «católicos que trabalham no campo médico-sanitário e a todos os que desempenham funções públicas, como também aos que se dedicam ao ensino, a fim de que façam todo o possível para defender as vidas que correm maior perigo, agindo com uma consciência bem formada segundo a doutrina católica. Os Bispos e os presbíteros têm, neste campo, a especial responsabilidade de testemunhar sem tréguas o Evangelho da vida e de exortar a coerência dos fiéis». (233) Ao mesmo tempo, é indispensável que a Igreja na América ilumine, com oportunas intervenções, a elaboração das decisões das assembléias legislativas, estimulando os cidadãos, seja os católicos seja as outras pessoas de boa vontade, a constituir organizações para promover válidos projetos de lei e para se opor aos que ameaçam a família e a vida, que são duas realidades inseparáveis. Hoje em dia, é preciso cuidar especialmente daquilo que se refere ao diagnóstico pré-natal, para que, de modo algum, a dignidade humana seja lesionada.

Os povos indígenas e os americanos de origem africana

64. Se a Igreja na América, fiel ao Evangelho de Cristo, pensa percorrer o caminho da solidariedade, deve dedicar uma especial atenção àquelas comunidades étnicas que são, ainda hoje, objeto de injustas discriminações. De fato, é preciso extirpar toda tentativa de marginalização das populações indígenas. O que supõe, em primeiro lugar, que se devem respeitar seus territórios e os pactos com elas estabelecidos; da mesma forma, há que responder às suas legítimas necessidades sociais, sanitárias e culturais. Como é possível esquecer a exigência de reconciliação entre os povos indígenas e as sociedades onde vivem?

Desejaria lembrar aqui que também os americanos de origem africana continuam sofrendo, em algumas zonas, preconceitos étnicos, que constituem, para eles, um sério obstáculo para encontrar a Cristo. Tendo em vista que toda pessoa, de qualquer raça e condição, foi criada por Deus à sua imagem, sejam promovidos planos concretos, em que não deve faltar a oração comunitária, que favoreçam a compreensão e a reconciliação entre povos distintos, constituindo pontes de amor cristão, de paz e de justiça entre todos os homens. (234)

Para alcançar estes objetivos é indispensável formar agentes pastorais competentes, capazes de fazer uso de métodos já legitimamente «inculturados» na catequese e na liturgia, evitando sincretismos que se apoiem numa exposição parcial da genuína doutrina cristã. Igualmente obter-se-á mais facilmente um número adequado de Pastores que desempenhem a própria atividade entre os indígenas, se houver a preocupação de promover vocações para o sacerdócio e para a vida consagrada entre estes povos. (235)

A problemática dos imigrantes

65. O Continente americano conheceu na sua história muitos movimentos migratórios, com contingentes de homens e mulheres chegados às várias regiões, na esperança de um futuro melhor. O fenômeno continua ainda hoje, e engloba, de modo particular, numerosas pessoas e famílias provindas das Nações latino-americanas, estabelecidas nas regiões setentrionais do Continente, a ponto de constituir, em alguns casos, uma considerável parte da população. Com frequência, estas são portadoras de um patrimônio cultural e religioso rico de significativos elementos cristãos. A Igreja está ciente dos problemas surgidos com esta situação e empenha-se em desenvolver, com todos os meios, a própria ação pastoral entre estes imigrantes, para favorecer o seu estabelecimento no território, e para suscitar, ao mesmo tempo, uma atitude de acolhida por parte das populações locais, convencida de que da mútua abertura trará um enriquecimento para todos.

As comunidades eclesiais não deixarão de ver no fenômeno, uma específica chamada a viver o valor evangélico da fraternidade e, ao mesmo tempo, um convite a imprimir um renovado impulso à própria religiosidade, para uma evangelização mais incisiva. Neste sentido, os Padres Sinodais lembraram que «a Igreja na América deve ser advogada atenta que defende, contra toda injusta restrição, o direito natural da livre movimentação de toda a pessoa dentro da sua nação e de uma nação para outra. É preciso cuidar dos direitos dos migrantes e das suas famílias, e do respeito da sua dignidade humana, inclusive no caso das imigrações ilegais». (236)

Com relação aos migrantes há de haver uma atitude hospitaleira e acolhedora, que os estimule a se inserir na vida eclesial, ressalvadas sempre sua liberdade e a peculiar identidade cultural. Para tanto, é de sobremaneira vantajosa a colaboração entre as Dioceses de onde eles provêm e aquelas em que são acolhidos, inclusive através de específicas estruturas pastorais previstas na legislação e na praxe da Igreja. (237) Desta forma, pode-se assegurar uma mais adequada e completa assistência pastoral. A Igreja na América deve sentir-se mobilizada pela constante solicitude de não deixar faltar uma eficaz ação evangelizadora dos que acabam de chegar e ainda não conhecem a Cristo. (238)