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Os encontros com o Senhor no Novo Testamento
8. Os Evangelhos mencionam numerosos encontros de Jesus com homens e mulheres da sua época. Uma característica comum a todas estas narrações é a força transformadora que encerram e manifestam os encontros com Jesus, visto que «desencadeiam um autêntico processo de conversão, comunhão e solidariedade».(11) Um dos encontros mais significativos é o da samaritana (cf. Jo 4, 5-42). Jesus a chama para saciar sua sede, que não era só material: na verdade, «Aquele que lhe pedia de beber, tinha sede da fé da mulher mesma».(12) Dizendo-lhe «dá-Me de beber» (Jo 4, 7) e falando-lhe de água viva, o Senhor suscita na samaritana uma pergunta, quase uma súplica, cujo verdadeiro objetivo supera algo que ela, naquele momento, não é capaz de compreender: «Senhor, dá-me dessa água, para eu já não ter mais sede» (Jo 4, 15). Na verdade, a samaritana, mesmo se «ainda não compreende»,(13) está pedindo aquela água viva de que fala o seu divino Interlocutor. Quando Jesus lhe revela a própria messianidade (cf. Jo 4, 26), a samaritana sente-se movida a ir anunciar aos seus conterrâneos a descoberta do Messias (cf. Jo 4, 28-30). Da mesma forma, quando Jesus encontra Zaqueu (cf. Lc 19, 1-10), o fruto mais precioso é a conversão do publicano, que toma consciência das injustiças cometidas e decide devolver com largueza — «o quádruplo» — a quem tinha defraudado. Além disso, assume uma atitude de desprendimento dos bens materiais e de caridade para com os indigentes, que leva-o a dar aos pobres a metade das suas posses.
Uma menção especial merecem os encontros com Cristo ressuscitado, narrados no Novo Testamento. Graças ao seu encontro com o Senhor, Maria Madalena supera o desânimo e a tristeza causados pela morte do Mestre (cf. Jo 20, 11-18). Na sua nova dimensão pascal, Jesus convida-a ir anunciar aos discípulos que Ele ressuscitou: «Vai a meus irmãos» (Jo 20, 17). É por isso que Maria Madalena pôde ser chamada «a apóstola dos apóstolos».(14) Por sua vez, os discípulos de Emaús, depois de terem encontrado e reconhecido o Senhor ressuscitado, voltam para Jerusalém para contar aos apóstolos e aos outros discípulos o que lhes tinha acontecido (cf. Lc 24, 13-35). Jesus, «começando por Moisés, percorrendo todos os profetas, explicava-lhes o que dEle se achava dito em todas as Escrituras» (Lc 24, 27). Mais tarde, eles reconhecerão que o seu coração se abrasava enquanto o Senhor, ao longo do caminho, conversava com eles e lhes explicava as Escrituras (cf. Lc 24, 32). Não resta dúvida de que S. Lucas, ao narrar este episódio, e especialmente o momento decisivo no qual os dois discípulos reconhecem a Jesus, alude explicitamente às narrações da instituição da Eucaristia, ou seja, ao comportamento de Jesus na Última Ceia (cf. Lc 24, 30). O evangelista, para contar o que os discípulos de Emaús narram aos Onze, utiliza uma expressão que, na Igreja primitiva, possuia um preciso significado eucarístico: «O tinham reconhecido ao partir o pão» (Lc 24, 35).
Entre os encontros com o Senhor ressuscitado, um dos que tiveram uma influência decisiva na história do cristianismo foi, sem dúvida, a conversão de Saulo, o futuro Paulo, apóstolo das gentes, no caminho para Damasco. Foi ali que se deu a mudança radical da sua vida, passando de perseguidor a apóstolo (cf. At 9, 3-30; 22, 6-11; 26, 12-18). O mesmo Paulo fala desta extraordinária experiência como uma revelação do Filho de Deus, «a fim de que eu O tornasse conhecido entre os gentios» (Gal 1, 16).
O convite do Senhor respeita sempre a liberdade dos chamados. Existem certos casos em que o homem, encontrando-se com Jesus, resiste à mudança de vida para a qual Ele o convida. São numerosos os casos de pessoas contemporâneas de Jesus que O viram e ouviram, sem que, no entanto, tenham-se aberto à sua palavra. O Evangelho de S. João vê no pecado a causa que impede o ser humano de abrir-se à luz que é Cristo: «A luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz, pois as suas obras eram más» (Jo 3, 19). Os textos evangélicos ensinam que o apegamento às riquezas constitui um obstáculo para receber a chamada a seguir total e generosamente a Jesus. Típico, a este respeito, é o caso do jovem rico (cf. Mt 19, 16-22; Mc 10, 17-22; Lc 18, 18-23).
Encontros pessoais e encontros comunitários
9. Alguns encontros com Jesus, referidos pelos Evangelhos, são claramente pessoais como, por exemplo, as chamadas vocacionais (cf. Mt 4, 19; 9, 9; Mc 10, 21; Lc 9, 59). Neles, Jesus dialoga na intimidade com os seus interlocutores: «Rabi (que quer dizer Mestre), onde moras?» [...] «Vinde e vede» (Jo 1, 38-39). Mas, em outras ocasiões, os encontros adquirem um caráter comunitário. Assim são, de modo particular, os encontros com os Apóstolos, que têm uma importância fundamental para a constituição da Igreja. Com efeito, os Apóstolos, escolhidos por Jesus dentre a vasta gama dos discípulos (cf. Mc 3, 13-19; Lc 6, 12-16), são objeto de uma especial formação e de um trato mais íntimo. Às multidões Jesus fala com parábolas, para, logo a seguir, explicá-las aos Doze: «Porque a vós é dado compreender os mistérios do reino dos céus, mas a eles, não» (Mt 13, 11). Eles são chamados a ser os anunciadores da Boa Nova e a desempenhar uma missão especial para construir a Igreja com a graça dos Sacramentos. Com esta finalidade eles recebem o necessário poder: Jesus lhes confere o poder de perdoar os pecados, invocando a plenitude do próprio poder que o Pai Lhe deu no céu e na terra (cf. Mt 28, 18). Eles serão os primeiros a receber o dom do Espírito Santo (cf. At 2, 1-4) dom esse conferido depois a todos os que, pelos Sacramentos de iniciação, serão incorporados na Comunidade cristã (cf. At 2, 38).
O encontro com Cristo no tempo da Igreja
10. A Igreja constitui o lugar onde os homens, encontrando a Jesus, podem descobrir o amor do Pai: com efeito, quem viu a Jesus, viu o Pai (cf. Jo 14, 9). Jesus, neste tempo após a sua ascensão ao céu, atua através da poderosa intervenção do Espírito Paráclito (cf. Jo 16, 7), que transforma os fiéis, dando-lhes a nova vida. Desta forma, eles tornam-se capazes de amar com o mesmo amor de Deus, «que foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5, 5). A graça divina torna os cristãos capazes de ser transformadores do mundo, nele construindo uma nova civilização, que o meu predecessor Paulo VI oportunamente chamou «a civilização do amor».(15)
De fato, «o Verbo de Deus, tendo assumido a natureza humana em tudo, à excepção do pecado (cf. Hb 4, 15), manifesta o plano do Pai de revelar à pessoa humana o modo de chegar à plenitude da própria vocação [...]. Desta forma, Jesus não só reconcilia o homem com Deus, mas o reconcilia também consigo próprio, revelando-lhe a sua própria natureza».(16) Com estas palavras, os Padres Sinodais, na esteira do Concílio Vaticano II, reafirmaram que Jesus é o caminho a ser seguido para se alcançar a plena realização pessoal, cujo ponto culminante é o encontro definitivo e eterno com Deus. «Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por Mim» (Jo 14, 6). Deus nos «predestinou para ser conformes à imagem do seu Filho, a fim de que Este seja o primogênito entre muitos irmãos» (Rm 8, 29). Jesus Cristo é, portanto, a resposta definitiva à pergunta acerca do sentido da vida, às questões fundamentais que inquietam hoje tantos homens e mulheres do Continente Americano.
Através de Maria encontramos a Jesus
11. Tendo nascido Jesus, vieram os Magos do Oriente a Belém e «acharam o menino com Maria, sua mãe» (Mt 2, 11). No início da vida pública, durante as bodas em Caná, quando o Filho de Deus realiza o primeiro dos sinais, suscitando a fé dos discípulos (cf. Jo 2, 11), é Maria que intervém predispondo os servos para obedecer a seu Filho, com estas palavras: «Fazei o que Ele vos disser» (Jo 2, 5). A este respeito, escrevi numa outra ocasião: «A Mãe de Cristo apresenta-se diante dos homens como porta-voz da vontade do Filho, como quem indica aquelas exigências que devem ser satisfeitas, para que possa manifestar-se o poder salvífico do Messias».(17) Por este motivo, Maria é caminho seguro para encontrar a Cristo. A devoção à Mãe do Senhor, quando é autêntica, leva sempre a orientar a própria vida segundo o espírito e os valores do Evangelho.
E como não pôr em evidência o papel que a Virgem Maria ocupa no caminho da Igreja que peregrina na América ao encontro do Senhor? Com efeito, a Santíssima Virgem está «ligada de modo especial ao nascimento da Igreja na história [...] dos povos da América, que através dEla, chegaram a encontrar o Senhor».(18)
Por todas as partes do Continente, a presença da Mãe de Deus foi muito intensa desde os dias da primeira evangelização, graças ao esforço dos missionários. Na sua pregação, «o Evangelho foi anunciado, apresentando a Virgem Maria como sua realização mais alta. Desde os primórdios — invocada com o título de Nossa Senhora de Guadalupe — Maria constitui um grande sinal, de rosto materno e misericordioso, da proximidade do Pai e de Cristo, com quem Ela nos convida a entrar em comunhão».(19)
A aparição de Maria ao índio João Diego na colina de Tepeyac, em 1531, teve uma repercussão decisiva na evangelização. (20) Tal influxo supera amplamente os confins da nação mexicana, alcançando o inteiro Continente. E a América, que historicamente foi e continua a ser um cadinho de povos, reconheceu no rosto mestiço da Virgem de Tepeyac, «em Santa Maria de Guadalupe, um grande exemplo de evangelização perfeitamente inculturada». (21) Por isso, não somente no Centro e no Sul, mas também no Norte do Continente, a Virgem de Guadalupe é venerada como Rainha de toda a América. (22)
Com o passar do tempo foi aumentando nos Pastores e fiéis a consciência do papel desempenhado pela Virgem na evangelização do Continente. Na oração composta para a Assembléia Especial do Sínodo dos Bispos para a América, Maria Santíssima de Guadalupe é invocada como «Padroeira de toda a América e Estrela da primeira e da nova evangelização». Nesta perspectiva, acolho com alegria a proposta dos Padres sinodais para que, no dia 12 de dezembro, seja celebrada, em todo o Continente, a festa de Nossa Senhora de Guadalupe, Mãe e Evangelizadora da América. (23) Nutro no meu coração a firme esperança de que Ela, a cuja intercessão se deve o fortalecimento da fé nos primeiros discípulos (cf. Jo 2, 11), conduza, com a sua materna intercessão a Igreja neste Continente, alcançando-lhe, como outrora sobre a Igreja nascente (cf. At 1, 14), a efusão do Espírito Santo, para que a nova evangelização produza um esplêndido florescimento de vida cristã.
Lugares de encontro com Cristo
12. Confiando na ajuda de Maria, a Igreja na América deseja conduzir os homens e as mulheres do Continente ao encontro de Cristo, ponto de partida para uma autêntica conversão e uma renovada comunhão e solidariedade. Este encontro contribuirá eficazmente para consolidar a fé de muitos católicos, favorecendo o seu amadurecimento numa fé convicta, viva e operativa.
Para que a procura de Cristo, presente na sua Igreja, não se reduza a algo meramente abstrato, é necessário mostrar os lugares e momentos concretos nos quais, no âmbito da Igreja, é possível encontrá-Lo. A reflexão dos Padres Sinodais a este propósito foi rica de sugestões e observações.
Em primeiro lugar, eles apontaram «a Sagrada Escritura, lida à luz da Tradição, dos Padres e do Magistério, e aprofundada através da meditação e da oração». (24) Foi encarecida a promoção do conhecimento dos Evangelhos, nos quais é proclamado, com palavras a todos facilmente acessíveis, o modo como Jesus viveu entre os homens. A leitura destes textos sagrados, quando acolhida com a mesma atenção com que as multidões escutavam Jesus na encosta do monte das Bem-aventuranças, ou na margem do lago de Tiberíades enquanto Ele pregava desde a barca, produz autênticos frutos de conversão do coração.
Um segundo lugar de encontro com Jesus é a Sagrada Liturgia. (25) Ao Concílio Vaticano II devemos uma riquíssima exposição da multíplice presença de Cristo na Liturgia, cuja importância deve ser objeto de constante pregação: Cristo está presente no celebrante que renova sobre o altar o mesmo e único sacrifício da Cruz; está presente nos sacramentos onde exerce sua força eficaz. Quando é proclamada a sua palavra, é Ele mesmo que nos fala. Além disso, está presente na comunidade, como prometeu: «Onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí estou Eu no meio deles» (Mt 18, 20). Ele está presente «sobretudo sob as espécies eucarísticas». (26) O meu predecessor Paulo VI considerou necessário explicar a peculiariedade da presença real de Cristo na Eucaristia, que «é chamada "real", não por exclusão, como se as outras não fossem "reais", mas por antonomásia, porque é substancial». (27) Sob as espécies do pão e do vinho, «encontra-se presente Cristo total na sua "realidade física", inclusive corporalmente». (28)
A Escritura e a Eucaristia, como lugares de encontro com Cristo, são evocadas na narração da aparição do Ressuscitado aos discípulos de Emaús. Mas o texto do Evangelho sobre o juízo final (cf. Mt 25, 31-46), onde se diz que seremos julgados acerca do amor para com os mais necessitados, nos quais Jesus Cristo está misteriosamente presente, indica que é preciso não descurar um terceiro lugar de encontro com o Senhor: «as pessoas, especialmente os pobres, com os quais Cristo Se identifica». (29) No encerramento do Concílio Vaticano II, o Papa Paulo VI recordava que «no rosto de todo homem, sobretudo se se tornou transparente pelas lágrimas ou pelas dores, podemos e devemos descobrir o rosto de Cristo (cf. Mt 25, 40), o Filho do Homem».(30)