A g n u s D e i

DOCUMENTO SOBRE A FAMÍLIA
CNBB
20.03.1975

INTRODUÇÃO

1. A XIV Assembléia Geral da CNBB, reunida em Itaici, SP, de 19 a 27 de novembro de 1974, incluiu, com prioridade, no seu novo Plano Bienal, a Pastoral da Família. Essa decisão reflete a crescente preocupação do Episcopado brasileiro com relação à família.

2. Atendendo à orientação definida pela Assembléia Geral, a Comissão Episcopal de Pastoral (CEP), responsável direta pela elaboração e execução do Plano de Pastoral, em sua sessão ordinária de fevereiro próximo passado, aprovou um texto, que situa o problema da família no seu contexto contemporâneo e projeta determinadas linhas de ação, que podem ser assim resumidas:

  • a) Criar condições para que a família possa realizar sua tríplice missão de formadora de pessoas, de evangelizadora e de construtora da sociedade.

  • b) Levar em consideração a evolução pela qual passa a instituição familiar e bem assim os novos valores que surgem.

  • c) Colaborar na realização de estruturas sociaìs que permitam às famílias marginalizadas atingir condìções mínimas de estabilidade.

  • d) Incentivar e aprimorar a pastoral junto aos casais cristãos, a começar pela preparação séria para a consciente celebração do sacramento do matrimônio (Cf. Plano Bienal 75/76).

3. Entretanto, nessa mesma sessão, a Comissão Episcopal de Pastoral é informada, oficialmente, pela Presidência da CNBB, da iminência da apresentação, no Legislativo Federal, do projeto de emenda do artigo 175 § 1 da Constituição, relativo à indissolubilidade do casamento. Ante este fato novo, julgou a Presidência da CNBB, que era seu dever convocar uma reunião extraordinária da Comissão Representativa (CR) do Episcopado brasileiro.

4. A posição da Hierarquia da Igreja não pode ser a do silêncio e da omissão. Ela tem de levantar a voz profética em conformidade com os "princípios e luzes que promanam de Cristo" (GS 46), para guiar os fiéis e todos os homens na busca da solução de seus problemas.

Por tal motivo, a Igreja, embora compreendendo a importãncia das leis que procuram dar proteçâo às vítimas de lares desajustados ou desfeitos, não deixou de manifestar sua preocupação pelos impactos negativos de tais leis, no sentido de enfraquecer o apoio à família legítima e desvirtuar o vínculo conjugal.

5. Agora, entretanto, o problema sai do plano da legislação comum e atinge a Constituição. Não que, para a Igreja, as Constituições sejam intocáveis. As Constituições mudam, como também os tempos e as circunstâncias. Contudo, a emenda do divórcio toca em elementos que até hoje têm sido considerados básicos em nossa cultura, como bem comum e fundamental da brasilidade. A Igreja não deseja envolver-se num problema de revisão constitucional, mas julga seu dever falar quando esta revisão compromete um valor que transcende o arbítrio dos legisladores.

6. Reunidos, pois, em sessão extraordinária, nós os membros da Comissão Representativa queremos, de início, esclarecer:

  1. Estamos convencidos de que as propostas de emenda constitucional 04/75 e 05/75 virão afetar gravemente a família brasileira.

  2. Num debate desta natureza, cujas implicações tendem sempre a transcender os termos em que é inicialmente formulado, podem inserir-se outros interesses nos quais não queremos envolver-nos.

  3. Se a questão do divórcio ofereceu a oportunidade para nossa convocação, não queremos perder de vista o amplo quadro no qual ele se situa e que envolve o próprio papel da família na sociedade de massa, a posição da mulher na disciplina do casamento, a prioridade do âmbito familiar para a educação e, especialmente, a real condição da família brasileira nas camadas majoritárias de sua população.

  4. Não permitiremos, em especial, que a meta prioritária da Pastoral da Família venha desviar-nos de nossa permanente preocupação quanto ao respeito devido aos direitos humanos. Pela mesma razão, defendendo a família indissolúvel, não deixaremos de sustentar, com igual energia, a significação da escola livre, do sindicato autônomo, da auto-organização das formas profissionais rurais, dos direitos da inteligência ao exercício da crítica social ou da expressão das minorias validamente configuradas no contexto da vida social, a abolição total e definitiva das torturas, dos sequestros e das prisões arbitrárias.

7. Não cabe à Hierarquia da Igreja impedir a abertura do debate de questões de conteúdo moral vinculadas a valores humanos fundamentais, nem pretende ela envolver-se num processo meramente político. Cabe-lhe no entanto anunciar a fé que ilumina um sistema de valores sem os quais a atividade política, também ela sujeita às leis morais, não teria condições de prover ao bem comum.

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