A g n u s D e i

DIVES IN MISERICÓRDIA
João Paulo II
30.11.1980

VII
A MISERICÓRDIA DE DEUS NA MISSÃO DA IGREJA

Em relação com esta imagem da nossa geração, que não pode deixar de despertar profunda inquietação, vêm à minha mente as palavras que, por motivo da Encarnação do Filho de Deus, ressoaram no Magnificat de Maria e que cantam a «misericórdia... de geração em geração». Conservando sempre no coração a eloquência destas palavras inspiradas, e aplicando-as às experiências e aos sofrimentos próprios da grande família humana , é preciso que a Igreja do nosso tempo tome consciência mais profunda e particular da necessidade de dar testemunho da misericórdia de Deus em toda a sua missão, em continuidade com a tradição da Antiga e da Nova Aliança e, sobretudo, no seguimento do próprio Cristo e dos seus Apóstolos. A Igreja deve dar testemunho da misericórdia de Deus revelada em Cristo, ao longo de toda a sua missão de Messias, professando-a em primeiro lugar como verdade salvífica de fé necessária para a vida em harmonia com a fé; depois, procurando introduzi-la e encarná-la na vida tanto dos fiéis, como, na medida do possível, na de todos os homens de boa vontade. Finalmente professando a misericórdia e permanecendo-lhe sempre fiel, a Igreja tem o direito e o dever de apelar para a misericórdia de Deus, implorando-a perante todas as formas do mal físico ou moral, diante de todas as ameaças que tornam carregado o horizonte da humanidade contemporânea.

A Igreja professa e proclama a misericórdia de Deus

13. A Igreja deve professar e proclamar a misericórdia divina em toda a sua verdade, tal como nos é transmitida pela Revelação. Nas páginas anteriores do presente documento, procurei delinear ao menos o perfil desta verdade, tão ricamente expressa em toda a Sagrada Escritura e na Tradição.

Na vida quotidiana da Igreja a verdade sobre a misericórdia de Deus, expressa na Bíblia, repercute-se como eco perene em numerosas leituras da Sagrada Liturgia. E o autêntico sentido da fé do Povo de Deus percebe-a bem, como atestam várias expressões da piedade pessoal e comunitária. Seria certamente difícil enumerá-las e resumi-las todas, dado que a maior parte delas está só gravada vivamente no íntimo dos corações e das consciências humanas. Há teólogos que afirmam ser a misericórdia o maior dos atributos e perfeições de Deus; e a Bíblia, a Tradição e toda a vida de fé do Povo de Deus oferecem-nos testemunhos inesgotáveis. Não se trata aqui da perfeição da imperscrutável essência de Deus no mistério da própria divindade, mas da perfeição e do atributo, graças aos quais o homem, na verdade íntima da sua existência, se encontra com maior intimidade e maior frequência em relação autêntica com o Deus vivo. De acordo com as palavras que Cristo dirigiu a Filipe (112), «a visão do Pai» — visão de Deus mediante a fé — tem precisamente no encontro com a sua misericórdia um momento singular de simplicidade e verdade interior, como aquele que nos é dado ver na parábola do filho pródigo.

«Quem me mê, vê o Pai» (113). A Igreja professa a misericórdia de Deus, a Igreja vive dela na sua vasta experiência de fé e também no seu ensino, contemplando constantemente a Cristo, concentrando se n'Ele, na sua vida e no seu Evangelho, na sua Cruz e Ressurreição, enfim, em todo o seu mistério. Tudo isto, que forma a «visão» de Cristo na fé viva e no ensino da Igreja, aproxima-nos da «visão do Pai» na santidade da sua misericórdia. A Igreja parece professar de modo particular a misericórdia de Deus e venerá-la, voltando-se para o Coração de Cristo. De facto, a aproximação de Cristo, no mistério do seu Coração, permite-nos deter-nos neste ponto da revelação do amor misericordioso do Pai, que constituiu, em certo sentido, o núcleo central — e, ao mesmo tempo, o mais acessível no plano humano — da missão messiânica do Filho do Homem.

A Igreja vive vida autêntica quando professa e proclama a misericórdia, o mais admirável atributo do Criador e do Redentor, e quando aproxima os homens das fontes da misericórdia do Salvador, das quais ela é depositária e dispensadora. Neste contexto, assumem grande significado a meditação constante da Palavra de Deus e, sobretudo, a participação consciente e reflectida na Eucaristia e no sacramento da Penitência ou Reconciliação.

A Eucaristia aproxima-nos sempre do amor que é mais forte do que a morte. Com efeito, «todas as vezes que comemos deste Pão e bebemos deste Cálice», não só anunciamos a morte do Redentor, mas proclamamos também a sua ressurreição, «enquanto esperamos a sua vinda gloriosa» (114). A própria acção eucarística, celebrada em memória d'Aquele que na sua missão messiânica nos revelou o Pai por meio da Palavra e da Cruz, atesta o inexaurível amor, em força do qual Ele deseja sempre unir-se e como que tornar-se uma só coisa connosco, vindo ao encontro de todos os corações humanos.

O sacramento da Penitência ou Reconciliação aplana o caminho a cada um dos homens, mesmo quando sobrecarregados com graves culpas. Neste Sacramento todos os homens podem experimentar de modo singular a misericórdia, isto é, aquele amor que é mais forte do que o pecado. Convém que este tema fundamental apesar de já tratado na Encíclica Redemptor Hominis, seja abordado mais uma vez.

Porque existe o pecado no mundo, neste mundo que «Deus amou tanto ... que lhe deu o seu Filho unigénito» (115), Deus que «é amor» (116) não se pode revelar de outro modo a não ser como misericórdia, a qual corresponde não somente à verdade mais profunda daquele amor que Deus é, mas ainda a toda a verdade interior do homem e do mundo, sua pátria temporária.

A misericórdia em si mesma, como perfeição de Deus infinito é também infinita. Infinita, portanto, e inexaurível é a prontidão do Pai em acolher os filhos pródigos que voltam à sua casa. São infinitas também a prontidão e a força do perdão que brotam continuamente do admirável valor do Sacrifício do Filho. Nenhum pecado humano prevalece sobre esta força e nem sequer a limita. Da parte do homem pode limitá-la somente a falta de boa vontade, a falta de prontidão na conversão e na penitência, isto é, o permanecer na obstinação, que está em oposição com a graça e a verdade, especialmente diante do testemunho da cruz e da ressurreição de Cristo.

É por isso mesmo que a Igreja professa e proclama a conversão. A conversão a Deus consiste sempre na descoberta da sua misericórdia, isto é, do amor que é «paciente e benigno» (117) como o é o Criador e Pai; amor ao qual «Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo» (118) é fiel até às últimas consequências na história da Aliança com o homem, até à cruz, à morte e à ressurreição do seu Filho. A conversão a Deus é sempre fruto do retorno para junto deste Pai, «rico em misericórdia».

O autêntico conhecimento do Deus da misericórdia, Deus do amor benigno, é a fonte constante e inexaurível de conversão, não somente como momentâneo acto interior, mas também como disposição permanente, como estado de espírito. Aqueles que assim chegam ao conhecimento de Deus, aqueles que assim O «vêem», não podem viver de outro modo que não seja convertendo-se a Ele continuamente. Passam a viver in statu conversionis, em estado de conversão; e é este estado que constitui a característica mais profunda da peregrinação de todo homem sobre a terra in statu viatoris, em estado de peregrino. É evidente que a Igreja professa a misericórdia de Deus, revelada em Cristo crucificado e ressuscitado, não somente com as palavras do seu ensino, mas sobretudo com a pulsação mais profunda da vida de todo o Povo de Deus. Mediante este testemunho de vida, a Igreja cumpre a sua missão própria como Povo de Deus, missão que participa da própria missão messiânica de Cristo, e que, em certo sentido, a continua.

A Igreja contemporânea está profundamente consciente de que só apoiada na misericórdia de Deus poderá realizar as tarefas que derivam da doutrina do Concílio Vaticano II; e em primeiro lugar, a tarefa ecuménica que tende a unir todos os que crêem em Cristo. Empregando múltiplos esforços neste sentido, a Igreja confessa com humildade que somente o amor, que é mais poderoso do que a fraqueza das divisões humanas, pode realizar definitivamente a unidade que Cristo pedia ao Pai, e que o Espírito não cessa de pedir para nós «com gemidos inexprimíveis» (119).

A Igreja procura pôr em prática a misericórdia

14. Jesus Cristo ensinou que o homem não só recebe e experimenta a misericórdia de Deus, mas é também chamado a «ter misericórdia» para com os demais. «Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» (120). A Igreja vê nestas palavras um apelo à acção e esforça-se por praticar a misericórdia. Se todas as bem-aventuranças do Sermão da Montanha indicam o caminho da conversão e da mudança de vida, a que se refere aos misericordiosos é particularmente eloquente a tal respeito. O homem alcança o amor misericordioso de Deus e a sua misericórdia, na medida em que ele próprio se transforma interiormente, segundo o espírito de amor para com o próximo.

Este processo autenticamente evangélico não consiste numa transformação espiritual realizada de uma vez para sempre; mas é um completo estilo de vida, uma característica essencial e contínua da vocação cristã. Consiste, pois, na descoberta constante e na prática perseverante do amor, como força que ao mesmo tempo unifica e eleva, não obstante todas as dificuldades de natureza psicológica ou social. Trata-se, efectivamente, de um amor misericordioso que, por sua essência, é amor criador. O amor misericordioso, nas relações recíprocas entre os homens, nunca é um acto ou um processo unilateral. Ainda nos casos em que tudo pareceria indicar que apenas uma parte oferece e dá, e a outra não faz mais do que aceitar e receber (por exemplo, no caso do médico que cura, do mestre que ensina, dos pais que sustentaram e educam os filhos, do benfeitor que socorre os necessitados), de facto, também aquele que dá é sempre beneficiado. De qualquer maneira, também ele pode facilmente vir a encontrar-se na posição de quem recebe, de alguém que obtém um benefício, experimenta o amor misericordioso, ou se encontra em estado de ser objecto de misericórdia.

Neste sentido, Cristo crucificado é para nós o modelo, a inspiração e o incitamento mais nobre. Baseando-nos neste impressionante modelo, podemos, com toda a humildade, manifestar a misericórdia para com os outros, sabendo que Cristo a aceita como se tivesse sido praticada para com Ele próprio (121), Segundo este modelo, devemos também purificar continuamente todas as acções e todas intenções, em que a misericórdia é entendida e praticada de modo unilateral, como um bem feito apenas aos outros. Ela é realmente um acto de amor misericordioso só quando, ao praticá-la, estivermos profundamente convencidos de que ao mesmo tempo nós a estamos a receber, da parte daqueles que a recebem de nós. Se faltar esta bilateralidade e reciprocidade, as nossas acções não são ainda autênticos actos de misericórdia. Não se realizou ainda plenamente em nós a conversão, cujo caminho nos foi ensinado por Cristo com palavras e exemplos, até à Cruz, nem participamos ainda completamente da fonte magnífica do amor misericordioso que nos foi revelada por Ele.

O caminho que Cristo nos indicou no Sermão da Montanha, com a bem-aventurança dos misericordiosos, é muito mais rico do que aquilo que, por vezes, podemos advertir nos habituais juízos humanos sobre o tema da misericórdia. Tais juízos apresentam ordinariamente a misericórdia como acto ou processo unilateral, que pressupõe e mantém as distâncias entre aquele que pratica a misericórdia e aquele que dela é objecto, entre aquele que faz o bem e o que o recebe. Daqui nasce a pretensão de libertar da misericórdia as relações humanas e sociais e de baseá-las somente na justiça. Tais juízos sobre a misericórdia não têm em conta o vínculo fundamental que existe entre a misericórdia e a justiça, de que fala toda a tradição bíblica e, sobretudo, a actividade messiânica de Jesus Cristo. A misericórdia autêntica é, por assim dizer, a fonte mais profunda da justiça. Se esta é, em si mesma, apta para «servir de árbitro» entre os homens na recíproca repartição justa dos bens materiais, o amor, pelo contrário, e somente o amor (e portanto também o amor benevolente que chamamos «misericórdia»), é capaz de restituir o homem a si próprio.

A misericórdia autenticamente cristã é ainda, em certo sentido, a mais perfeita encarnação da «igualdade» entre os homens e, por conseguinte, também a encarnação mais perfeita da justiça, na medida em que esta, no seu campo, tem em vista o mesmo resultado. Enquanto a igualdade introduzida mediante a justiça se limita ao campo dos bens objectivos e extrínsecos, o amor e a misericórdia fazem com que os homens se encontrem uns com os outros naquele valor que é o mesmo homem, com a dignidade que lhe é própria. Ao mesmo tempo, a «igualdade» dos homens mediante o amor «paciente e benigno» (122) não elimina as diferenças. Aquele que dá torna-se mais generoso, quando se sente recompensado por aquele que recebe o seu dom. E, vice-versa, o que sabe receber o dom com a consciência de que também ele faz o bem, ao recebê-lo, está, por seu lado, a servir a grande causa da dignidade da pessoa, e contribui para unir mais profundamente os homens entre si.

A misericórdia torna-se, assim, elemento indispensável para dar forma às relações mútuas entre os homens, em espírito do mais profundo respeito por aquilo que é humano e pela fraternidade recíproca. É impossível conseguir que se estabeleça este vínculo entre os homens se se pretende regular as suas relações mútuas unicamente com a medida da justiça. Esta, em toda a gama das relações entre os homens, deve submeter-se, por assim dizer, a uma «correção» notável, por parte daquele amor que, como proclama S. Paulo, «é paciente» e «benigno», ou por outras palavras, que encerra em si as características - do amor misericordioso, tão essenciais para o Evangelho como para o Cristianismo. Tenhamos presente, além disto, que o amor misericordioso implica também ternura, compaixão e sensibilidade do coração, de que tão eloquentemente nos fala a parábola do filho pródigo (123), ou a da ovelha e a da dracma perdidas (124). O amor misericordioso, é sobretudo indispensável entre aqueles que estão mais próximos: os cônjuges, os pais e os filhos e os amigos; e é de igual modo indispensável na educação e na pastoral.

O seu campo de acção não se confina, porém, só a isto. Se Paulo VI, por mais de uma vez indicou que a «civilização do amor» (125) é o fim para o qual devem tender todos os esforços tanto no campo social e cultural, como no campo económico e político, é preciso acrescentar que este fim nunca será alcançado se nas nossas concepções e nas nossas actuações, relativas às amplas e complexas esferas da convivência humana, nos detivermos no critério do «olho por olho e dente por dente» (126), e, ao contrário, não tendermos para transformá-lo essencialmente, completando-o com outro espírito. É nesta direcção que nos conduz também o Concílio Vaticano II, quando, ao falar repetidamente da necessidade de tornar o mundo mais humano (127), centraliza a missão da Igreja no mundo contemporâneo precisamente na realização desta tarefa. O mundo dos homens só se tornará mais humano se introduzirmos no quadro multiforme das relações interpessoais e sociais, juntamente com a justiça, o «amor misericordioso» que constitui a mensagem messiânica do Evangelho.

O mundo dos homens só poderá tornar-se «cada vez mais humano» quando introduzirmos em todas as relações recíprocas, que formam a sua fisionomia moral, o momento do perdão, tão essencial no Evangelho. O perdão atesta que no mundo está presente o amor mais forte que o pecado. O perdão, além disso, é a condição fundamental da reconciliação, não só nas relações de Deus com o homem, mas também nas relações recíprocas dos homens entre si. Um mundo do qual se eliminasse o perdão seria apenas um mundo de justiça fria e irrespeitosa, em nome da qual cada um reivindicaria os próprio direitos em relação aos demais. Deste modo, as várias espécies de egoísmo, latentes no homem, poderiam transformar a vida e a convivência humana num sistema de opressão dos mais fracos pelos mais fortes, ou até numa arena de luta permanente de uns contra os outros.

Em todas as fases da história, mas especialmente na época actual a Igreja deve considerar como um dos seus principais deveres proclamar e introduzir na vida o mistério da misericórdia, revelado no mais alto grau em Jesus Cristo. Este mistério, não só para a própria Igreja como comunidade dos fiéis, mas também, em certo sentido, para todos os homens, é fonte de vida diferente daquela que é capaz de construir o homem, exposto às forças prepotentes da tríplice concupiscência que nele operam (128). É em nome deste mistério, precisamente, que Cristo nos ensina a perdoar sempre. Quantas vezes repetimos as palavras da oração que Ele próprio nos ensinou, pedindo: «Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido», isto é, aos que são culpados em relação a nós! (129). É realmente difícil expressar o valor profundo da atitude que tais palavras designam e inculcam. Quantas coisas dizem a cada homem acerca do seu semelhante e também acerca de si próprio! A consciência de sermos devedores uns para com os outros anda a par com o apelo à solidariedade fraterna, que S. Paulo exprimiu concisamente convidando-nos a suportar-nos «uns aos outros com caridade» (130), Que lição de humildade não está encerrada aqui, em relação ao homem, ao próximo e, também, a nós mesmos! Que escola de boa vontade para a vida comum de cada dia, nas várias condições da nossa existência! Se não déssemos atenção a esta norma, que restaria de qualquer programa «humanista» da vida e da educação?

Cristo sublinha com insistência a necessidade de perdoar aos outros. Quando Pedro lhe perguntou quantas vezes devia perdoar ao próximo, indicou-lhe o número simbólico de «setenta vezes sete» (131), querendo desta forma indicar-lhe que deveria saber perdoar sempre a todos e a cada um.

É evidente que exigência tão generosa em perdoar não anula as exigências objectivas da justiça. A justiça bem entendida constitui, por assim dizer, a finalidade do perdão. Em nenhuma passagem do Evangelho o perdão, nem mesmo a misericórdia como sua fonte, significam indulgência para com o mal, o escândalo, a injúria causada, ou os ultrajes. Em todos estes casos, a reparação do mal ou do escândalo, a compensação do prejuízo causado e a satisfação da ofensa são condição do perdão.

Assim, a estrutura fundamental da justiça penetra sempre no campo da misericórdia. Esta, no entanto, tem o condão de conferir à justiça um conteúdo novo, que se exprime do modo mais simples e pleno, no perdão. O perdão manifesta que, além do processo de «compensação» e de «trégua» que é a característica da justiça, é necessário o amor para que o homem se afirme como tal. O cumprimento das condições da justiça é indispensável, sobretudo, para que o amor possa revelar a sua própria fisionomia. Ao analisarmos a parábola do filho pródigo, dirigíamos a atenção para o facto de que aquele que perdoa e o que é perdoado se encontram num ponto essencial, que é a dignidade; isto é, o valor essencial do homem, que não se pode deixar perder e cuja afirmação, ou reencontro, são origem da maior alegria (132).

Com razão a Igreja considera seu dever e objectivo da sua missão, assegurar a autenticidade do perdão, tanto na vida e no comportamento concreto, como na educação e na pastoral. Não a protege doutro modo senão guardando a sua fonte, isto é, o mistério da misericórdia de Deus, revelado em Jesus Cristo.

Em todos os domínios a que se referem numerosas indicações do recente Concílio e a plurissecular experiência do apostolado, na base da missão da Igreja não existe outra preocupação senão ir «beber nas fontes do Salvador» (133). Daí provêm as múltiplas orientações para a missão da Igreja, tanto na vida de cada cristão, como na de cada comunidade ou de todo o Povo de Deus. O «beber nas fontes do Salvador» só se pode realizar com o espírito de pobreza a que o Senhor nos chamou com as palavras e com o exemplo: «o que recebestes de graça, dai-o também de graça» (134). Assim, em todos os caminhos da vida e do ministério da Igreja, — através da pobreza evangélica dos ministros e dispensadores e de todo o povo, que dão testemunho «das grande maravilhas» do seu Senhor — manifesta-se ainda melhor Deus que é «rico em misericórdia».