A g n u s D e i

O ÚLTIMO ÁLIBI
Fonte: Lista "Reflexões"
Enviado por: Antonio Xisto Arruda

Agitando a bandeira dos "direitos reprodutivos", o lobby de controle demográfico reuniu-se recentemente em Nova York para afirmar que os programas de planejamento familiar são essenciais para melhorar as condições de saúde da mulher e atender as "necessidades não satisfeitas" nos países em desenvolvimento. Contudo, um olhar mais atento neste argumento, revela que direitos reprodutivos e saúde da mulher são apenas as justificativas mais recentes em uma série de outras, que mudam constantemente a fim de exercer coerção e controle cada vez maiores. Sem dúvida, ao longo das últimas três décadas, as explicações do lobby de controle populacional saltou da fome e da carência de recursos para a estagnação econômica e colapso ambiental, e depois, para a saúde reprodutiva e direitos da mulher. Uma vez que tanto a história como a ciência refutam cada um desses argumentos, o lobby de controle populacional desloca-se para sua próxima explicação na guerra à população. Os argumentos mudam com os tempos e as circunstâncias, porém, a solução continua, perceptivelmente, trivial: controle populacional cada vez mais direcionado aos pobres e povos de pele escura do hemisfério sul. Para apoiar as mudanças de justificativa dos controlistas demográficos está a crença velada de que muitos dos tipos "errados" de pessoas estão procriando vertiginosamente.

Em sua origem, as motivações racistas do movimento eram tudo menos sutis. Margaret Sanger, a fundadora da Paternidade Planejada, expressava abertamente seu desprezo por aqueles a quem considerava pertencentes às "raças inferiores". No livro Pivot of Civilization, de 1922, sugeria o extermínio das "ervas daninhas... que invadiam o jardim da humanidade" e a esterilização das "raças geneticamente inferiores". Em termos explicitamente racistas e eugênicos, ela garantia que os investimentos no controle da natalidade representaria "mais para os capazes e menos para os incapazes". Em 1939, A Federação Americana de Controle da Natalidade (precursora da atual Paternidade Planejada) delineou um projeto para os negros, no qual os pastores negros com uma "personalidade cativante" viajariam pelo sul pregando as virtudes do controle populacional. A apresentação do projeto justificava os gastos sob a alegação de que "as massas de negros, sobretudo no sul, "estão se multiplicando de maneira negligente e desastrosa", e que, o crescimento no seio da comunidade negra "se dá na porção menos inteligente e capaz da população".

Após a Segunda Guerra Mundial, o ultraje público no Holocausto fez com que o movimento fosse mais comedido em seus pronunciamentos públicos. Porém, as motivações eugenicas e racistas do movimento nunca desapareceram: apenas se mantiveram camufladas. Por volta dos anos sessenta, o movimento havia recuperado parte da credibilidade perdida através da adoção de uma outra justificativa para suas atividades. Comparando a Terra a uma espaçonave lotada ou a um bote salva-vidas afundando e distribuindo avisos proféticos sobre um colapso iminente do mundo, os ativistas de controle populacional lograram chamar a atenção da imaginação popular. A "explosão populacional" tornou-se uma metáfora para um juízo final opcional, evocando imagens de um cogumelo atômico de pessoas fervilhando na superfície do planeta num frenesi de procriação irreprimível. Os dois espectros - da fome em larga escala e da carência de recursos, vieram a se tornar razões amplamente aceitáveis e convincentes para reprimir as taxas de fertilidade tanto internamente como no âmbito internacional. Na introdução de seu livro "The Population Bomb", de 1968, Paul Ehrlich afirmava que "a batalha para alimentar toda a humanidade" acabou. Nos anos setenta, o mundo sofrerá a fome - centenas de milhares de pessoas irão morrer de fome, a despeito de qualquer programa iniciado agora". É claro que nenhuma fome com tais proporções jamais ocorreu e, certamente, nenhuma causada pelo crescimento de população, o que não se pode dizer em relação a guerras civis e intervenções governamentais excessivas. É um fato bem documentado o de que a produção mundial de alimentos acompanhou o crescimento populacional e que as taxas de produção de alimentos revelam poucos sinais de desaceleração".

Nesse meio tempo, outros controlistas demográficos afirmaram que os recursos naturais estariam esgotados pela combinação do fatores aumento populacional e elevação dos padrões de vida. Em 1972, por exemplo, o Clube de Roma ficou famoso por fixar as datas em que acabariam as reservas conhecidas de determinados recursos. As datas para o término completo dos recursos abaixo, conforme exposto no relatório do Club, The Limits to Growth, são as seguintes: Cobre: 1993; Ouro: 1981; Carvão: 1993; Mercúrio: 1985; Gas Natural: 1994; Petróleo: 1992; Prata: 1985; Níquel; 1987. Mais tarde, o diretor do Clube de Roma admitiu que o Club havia mentido deliberadamente neste estudo a fim de causar bastante histeria e forçar os governos a tomar uma atitude. Algumas das informações - que previam crescimento populacional massisso e esgotamento dos recursos - estavam erradas em 900%; os cálculos corretos teriam apresentado um cenário muito diferente.

É claro que a História respondeu de maneira conclusiva a essas afirmações: a disponibilidade das matérias primas superaram o aumento de consumo, e os preços das commodities não subiram, ao contrário, caíram. Hoje em dia, até mesmo os defensores dos programas de controle populacional reconhecem que o esgotamento dos recursos naturais é uma tese dificilmente aceitável como justificativa para um controle populacional ambicioso. Em 1986, a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos gerou um relatório intitulado "Population Growth and Economic Development" (Crescimento Populacional e Desenvolvimento Econômico), o qual desmentia muitas declarações alarmistas da Academia proferidas anteriormente e incluía a afirmação: "Há poucas razões para se preocupar com a porcentagem em que o crescimento populacional implica o esgotamento dos recursos não renováveis". Sem dúvida, o crescimento populacional e a elevação dos padrões de vida servem para estimular o progresso técnico na busca, extração, transporte e comercialização dessas reservas - fatores cruciais nunca levados em conta por ativistas do controle populacional.

Incapazes de sustentar seus objetivos com os clamores de uma escassez iminente ou esgotamento dos recursos naturais, o movimento de controle populacional voltou-se, de maneira crescente, para o argumento econômico: o crescimento de população, afirmam, leva a um aumento da pobreza, e por essa razão, representa um ameaça significativa. Além disso, por trás dessa afirmação está a falsa suposição de que a riqueza é um bem limitado, e que quanto mais pessoas houverem para usufruir dessa riqueza, menos haverá para cada indivíduo em particular, uma mentalidade melhor exemplificada no cálculo chinês do PIB: o produto interno bruto cresce a medida que nasce um porco, e desce cada vez que uma criança nasce. Todavia, a estória, não é tão simples, os cálculos não são tão cruéis.

Começando em 1967, o vencedor do Prêmio Noble de economia, Simon Kuznets, publicou um estudo comparando as taxas de crescimento populacional com as taxas de crescimento econômico e descobriu que não havia nenhuma relação entre ambas. Em seguida, Kuznets e Richard Easterlin examinaram um vasto grupo de nações e, novamente, não encontraram nenhuma correlação baseada no índice populacional, embora tivessem encontrado um elo entre o crescimento econômico e a economia política dos países em questão... Atualmente, a literatura científica reconhece de maneira ampla que não há nenhum elo direto e inequívoco - seja positivo ou negativo - entre população e desenvolvimento.

O fato de que, apesar disso, muitos controlistas demográficos continuarem a utilizar esse argumento econômico revela uma de suas principais suposições, ou seja, a de que as pessoas são dívidas, em vez de patrimônio, problemas, em vez de solucionadores de problemas. Enquanto cada pessoa adicional é vista como um escoadouro, os proponentes do controle populacional ignoram o fato de que a riqueza é gerada por pessoas, e que cada pessoa a mais não é apenas um consumidor de recursos, mas um produtor, uma fonte de riqueza e de idéias, de criatividade e iniciativa.

Nos anos oitenta, uma nova justificativa para o controle populacional granjeou amplo costume. Pegando uma carona na popularidade do movimento ecológico, os controlistas começaram a proclamar que o crescimento em números humanos representava uma pressão insustentável no frágil equilíbrio ecológico da Terra, sendo a causa de toda crise ecológica, do falta de ozônio até a desertificação e erosão do solo. Como propôs um autor ambientalista, "mais pessoas significa mais população, mais danos ao meio ambiente, e mais extinção de outras espécies".

A ligação população - meio ambiente, embora amplamente aceita, é menos evasiva do que possa parecer à primeira vista. Para começar, há provas de que muitos países em desenvolvimento realmente se beneficiariam de um número maior de pessoas. Um estudo no Kenia, por exemplo, revelou que o crescimento populacional pode estimular a recuperação do meio ambiente: o distrito de Machakos, antes abandonado, melhorou drasticamente após uma terraplanagem altamente eficiente, embora envolvendo trabalho intenso, redundou em conservação do solo e recursos hídricos e aumentou a produção agrícola e o reflorestamento. De modo oposto, há numerosos exemplos, nos quais o declínio de população tenha resultado em dano ao meio ambiente. No Nepal, a queda nos índices populacionais nas costas das montanhas, em virtude do aumento do movimento migratório para os vales, significou que pouquíssimas pessoas restaram para replantar as árvores, manter os terrenos agrícolas e continuar com as práticas que mantinham a agricultura das montanhas.

A maioria dos cientistas reconhece que a relação entre crescimento populacional e degradação do meio ambiente está longe de ser comprovada. John Clarke - ele mesmo um ecologista - concorda que "a controvérsia acerca do inter-relacionamento entre população e meio ambiente não foi fundamentada em uma pesquisa extensa", e que, grande parte da vasta literatura tem sido "bastante simplificada e generalizada". Além disso, de acordo com Gita Sem, "a parcimônia nas pesquisas, infelizmente, reduziu os ensaios populares e até mesmo acadêmicos acerca das implicações políticas dos supostos elos entre população e meio ambiente".

Em vez disso, descobre-se por toda a literatura relativa ao assunto que os ecologistas e controlistas populacionais falham em reconhecer que a expansão de população pode estimular a inovação, criatividade e eficiência para melhorar o meio ambiente. Ao contrário, adotam um padrão duplo que extrapola os problemas ambientais no futuro, mas não suas soluções. Conforme observou Frank Furedi em seu livro de 1997, Population and Development, "a busca por limites parece sempre desviar os pensadores maltusianos da busca por soluções mais criativas. O fatalismo em relação a inovações futuras revela que o limite real que os preocupa não é aquele relativo às terras e aos recursos, mas sim sua visão limitada do potencial humano".

Nesses últimos anos, os controlistas demográficos engendraram ainda outra explicação para seus programas: em nome da "saúde reprodutiva" e "direitos da mulher", ativistas do controle populacional afirmam, atualmente, que os programas de planejamento familiar atendem a uma "necessidade não satisfeita" e são fundamentais à melhoria da saúde da mulher. Além disso, o fato dos programas de população serem, geralmente, acompanhados por "recompensa", na forma de alimento e incentivos financeiros, e "castigo", na forma da negação dos serviços de saúde pública e distribuição de grãos, camufla o conceito de "necessidade não satisfeita". As mulheres que genuinamente querem os serviços de planejamento familiar não precisam ser compradas, coagidas ou manipuladas para aceitá-lo.

A tensão não solucionável entre a retórica dos direitos do lobby populacional e seu anseio para limitar a fertilidade nos países em desenvolvimento é ilustrada por um estudo recente do Bando Mundial sobre educação e fertilidade na África. O relatório reconhece abertamente que a maioria das mulheres africanas dão preferência a famílias de 6 a 9 crianças e que há, conseqüentemente, poucas "necessidades não satisfeitas" para que se recorra à contracepção. Além disso, em vez de respeitar os direitos das mulheres africanas para decidir livremente quanto ao número e espaçamento de seus filhos, os autores do relatório defendem uma estratégia "multi-facetada" a fim de mudar as preferências para reduzir a demanda por filhos. Evidentemente, o conceito de "necessidades não satisfeitas" refere-se menos aos desejos das mulheres africanas de controle de natalidade, do que a "necessidade" psicológica dos controlistas populacionais em reduzir o número de africanos.

Nesse meio tempo, o enfoque distorcido na saúde reprodutiva, como sendo oposta a quaisquer outras formas de saúde pública desviou os recursos das principais iniciativas de saúde, e desta forma, reduziu as opções das mulheres. Como afirmou Amartya Sem, de Cambridge, economista e ganhador do prêmio nobel, ao dar prioridade aos "acordos de planejamento familiar nos países do Terceiro Mundo acima do compromisso com a educação e saúde pública", os agentes internacionais de política "produzem efeitos negativos no bem-estar das pessoas e reduzem sua liberdade".

Quanto aos direitos das mulheres, o movimento populacional encontra-se em terreno ainda mais instável. Na China, o aborto forçado - até mesmo no nono mês de gravidez - é o preço padrão. No Peru e no Brasil, milhares de mulheres indígenas foram esterilizadas, muitas sem conhecimento prévio ou consentimento. No Haiti e Bangladesh. Milhares de mulheres foram utilizadas como cobaias em testes experimentais com medicamentos e dispositivos contraceptivos. Longe do nobre objetivo de proteger os direitos das mulheres, os programas de população têm muito, freqüentemente, surgido como forças chave com as quais as mulheres devem ser protegidas.

Enquanto os controlistas de população passam de um explicação para outra, num esforço frenético para camuflar seus motivos e justificar seus programas, a verdade não dita é a de que eles vêem a própria existência de grandes contingentes de africanos, asiáticos, e latino-americanos como intrinsecamente indesejáveis. Encaram com alarme a possibilidade de populações maiores nos países em desenvolvimento e percebem as respectivas alterações no equilíbrio de poder, controle sobre os recursos naturais, e migração elevada como uma ameaça a sua própria segurança.

O caso de Bangladesh é esclarecedor a esse respeito. Nos anos oitenta, os controlistas de população acenaram para Bangladesh com a promessa de que fertilidade baixa e famílias pequenas andavam de mãos dadas com expansão econômica e padrões de vida elevados. Após mais de uma década de intensos programas controle de natalidade, freqüentemente coercitivos, a taxa de contracepção em Banglasesh duplicou e as taxas de fertilidade caíram, porém, os padrões de vida permaneceram terrivelmente baixos. Poderíamos pensar que os controlistas de população ficassem em apuros em face aos resultados; ao invés disso, eles se gabaram que Bangladesh dava provas de que "o avanço socio-econômico completo não é um pré-requisito para um declínio de fertilidade avançado". Em vez de estarem preocupados com as condições de vida desesperadoras de milhões de bangladeshis, Norman Myers e seus colegas ficaram encantados com sua baixa fertilidade. Como observa Frank Furedi, "essa busca ingênua de controle de natalidade, sem qualquer consideração de assistência médica mais ampla e questões de desenvolvimento, revela as motivações dos ativistas populacionais e nos leva a indagar "Para que controlar a natalidade?" Não ao progresso econômico - Bangladesh, Vietnam e uma série de outros países comprovam que a queda nas taxas de fertilidade pode ocorrer sem qualquer paralelo com os padrões de vida. Não à estabilidade política - a Índia e o Kenia exemplificam a intranqüilidade social dramática causada pelos programas anti-natalistas. Não aos direitos da mulher - a China, o Brasil e o Haiti comprovam que a violação sistemática dos corpos femininos através dos abortos e esterilizações forçadas e experimentos contraceptivos.

Devido às vultosas somas que são destinadas aos programas anti-natalistas a cada ano, poderíamos esperar, como é natural, que os doadores exigissem um alto retorno para seus investimentos. Em muitos casos, o "retorno" não é a melhoria expressiva dos padrões de vida, elevação substancial no desenvolvimento econômico ou até mesmo melhorias significativas nas condições das mulheres. O "retorno" para o qual os controlistas de população tem investido tanto para alcançar são "taxas de contracepção maiores", números mais expressivos de ligaduras de trompa, e, recentemente, menos nascimentos de bebês africanos, asiáticos e latino americanos. Por trás deste último álibi de direitos reprodutivos e saúde da mulher estão as questões litigiosas de raça e poder. E, neste ponto, é oportuno observar que aqueles mais propensos a serem alvos dos ativistas de planejamento familiar são precisamente os que menos se parecem com os que projetam as estratégias de planejamento familiar: os pobres e as populações de pele escura dos países em desenvolvimento.