A g n u s D e i

O ARTESÃO DE NAZARÉ
Autor: Arcebispo Fulton Sheen
Fonte: Lista "Reflexões"
Enviado por: Antonio Xisto Arruda

No passado os homens costumavam falar mais sobre a salvação de suas almas do que sobre a vida presente. Por incrível que pareça em nossos dias essa ênfase deu uma virada radical do terreno religioso e moral para o terreno político e econômico. A atração pelas coisas do Céu diminuiu drasticamente e a gravitação em torno das coisas da terra aumentou visivelmente.

A essencial busca de Deus cedeu lugar para a dupla procura pelo poder e pela riqueza. O homem moderno, isolado de Deus e desarraigado do grande patrimônio espiritual de todos os tempos, almeja satisfazer o egoísmo de sua mente através do poder de comando, e o egoísmo de seu corpo através do desfrute incondicional do prazer. Portanto, o homem bem sucedido dos nossos dias é aquele que possui ambos: riqueza e poder.

Mas na contra-mão desses dois ideais, existe uma força dupla que luta para destruí-los: a força da Anarquia e a força do Marxismo. A Anarquia considera que todo o poder é errado e que portanto todas as formas de governo devem ser reduzidas a pó. Já o Marxismo sustenta que todo tipo de riqueza é um mal e assim qualquer forma de riqueza privada deve ser confiscada para abarrotar os cofres do Estado, o qual será então o responsável pela distribuição eqüitativa dos bens.

De frente a esses dois extremos, alguns glorificam o poder e a riqueza enquanto outros os condenam com vigor. Mas as almas sábias que buscam uma solução razoável para esse impasse, se perguntam: será que todo o poder e riqueza são de fato um mal? Será que as justificativas dos anarquistas ao querer destruir todo o poder são válidas? Será que os comunistas têm razão em querer acabar com toda a riqueza?

Só existe um modelo comparativo pelo qual esses dois ideais podem ser medidos e esse é justamente a doutrina e a vida Daquele que cruza o palco da idade moderna com a mesma desenvoltura de alguém que atravessa o cenário da pobre Nazaré para a moderna Nova York.

Os anos de Sua vida escondida em Nazaré é a eterna resposta para esse dilema e a resposta é que a riqueza e o poder são ambições legítimas, mas – é nesse ponto que Nosso Senhor rompe com o mundo moderno– nenhum homem tem direito ao poder enquanto não tiver aprendido a obedecer e nenhum homem tem direito à riqueza enquanto não tiver aprendido a ser desapegado. Essa é a dupla lição de Nazaré contida nos dois únicos fatos que conhecemos sobre a vida escondida de Jesus: primeiro, que Ele era submisso aos seus pais e segundo, que Ele era um pobre carpinteiro de uma aldeia.

A PRIMEIRA LIÇÃO DE NAZARÉ

Falemos pois então sobre o poder. Nazaré não é aquela historiazinha trivial sobre a beleza da escravidão e da submissão como alguns inimigos do Cristianismo insistem em fazer-nos acreditar. Se Nosso Senhor fosse uma criança humana como outra qualquer, sem nenhuma de Suas prerrogativas Divinas, então a oficina do carpinteiro poderia nos revelar que de fato o poder é algo errado. Mas a virtude da obediência é apenas a metade da lição de Nazaré. Nosso Senhor era obediente, Ele era um servo, Ele era submisso. Mas era muito mais do que isso! Ele era uma Potestade que se fez obediente, um Mestre que se fez servo, e um Senhor que veio a esse mundo não para ser servido mas sim para servir. Seu poder na ordem humana retrocedia às quarenta e duas gerações até a Abraão e na ordem Divina retrocedia à Eterna Geração do Pai Eterno.

Ao nascer, Seu poder e majestade foram saudados com a celeste sinfonia dos coros angélicos. Aos doze anos, Seu poder confundiu a inteligência dos doutores do Templo na medida em que Ele ia desvelando a sabedoria de um Filho que cuida dos negócios de Seu Pai celestial. Aos trinta anos, Seu poder fez com que a água se transformasse em vinho e que as águas revoltosas do mar da Galiléia se acalmassem . Aos trinta e três anos de idade, Seu poder recordou a Pilatos que sua autoridade como governador e legislador não provinha de Roma mas sim do próprio Céu.

E no entanto, apesar de possuir todo esse poder, Ele que um dia nos recordou: "Todo o poder me foi dado nos Céus e na Terra", passou praticamente a maior parte de sua vida numa aldeia insignificante, situada num vale desprezível, muito longe das "pompas e circunstâncias" de Jerusalém, submisso a uma Virgem e a um homem justo que era seu pai adotivo. Obediente àqueles que Ele já conhecia muito antes que fossem criados e que depois Dele, se tornariam também seus filhos.

E o que vemos em tudo isso, senão uma grande lição para o mundo que interpreta mal o poder, ora o glorificando e ora odiando! Pois essa lição é clara e inequívoca: nenhum homem tem o direito de comandar enquanto não tiver aprendido a servir, nenhum homem tem direito a ser mestre, enquanto não tiver aprendido a ser servo e que nenhum homem tem direito ao poder enquanto não tiver aprendido a ser obediente.

Por que será que em toda a história do mundo, a maioria dos poderes se degenerou em tirania? Por que será que a maior parte da autoridade dos governos desse mundo se corrompeu em força e violência? Simplesmente porque aqueles que exercem o poder nunca aprenderam a ser obedientes e aqueles que possuem autoridade nunca souberam o que é ser submisso. Se todos aqueles que detém o poder, quer sejam chefes de governos, líderes das nações ou personalidades do mundo político, não reconhecem o Poder que está acima de suas cabeças, cujas Leis eles são obrigados a obedecer e cujo julgamento eles deveriam temer, onde então irão aprender aquela obediência sem a qual nenhum homem pode governar com justiça?

Se não existe nenhum Rei dos reis, cujo Espírito convence sobre o pecado, a justiça e o juízo, o que impedirá o poder de degenerar-se em tirania? O que foi Pôncius Pilatos, senão o poder de Roma, sem a obediência de Nazaré? O que é a esnobação social senão um nascimento real sem a simplicidade do Nazareno? O que é o orgulho e a vaidade, senão um Domingo de Ramos sem a sobriedade da oficina do carpinteiro?

Nosso Senhor não veio a esse mundo para condenar o poder. De fato deve haver o poder e a autoridade. Mas o que é o poder senão a Lei de Deus dentro do coração do homem, assim como o cerne de uma semente? Nosso Senhor não veio a esse mundo como um revolucionário anarquista para jogar por terra todo o poder. Ele veio para nos ensinar como usá-lo, veio restabelecer aquela antiga ordem: "frutificai, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre tudo o que se move sobre a terra" (Gen 1,28).

Mas para isso, veio antes nos ensinar que nenhum homem poderá exercer o seu poder nas pompas de Jerusalém, enquanto não tiver aprendido a servir na submissão de Nazaré; que nenhum homem poderá ser um general enquanto não tiver aprendido a dar serviço nas tropas que irá comandar e que ninguém poderá se tornar Senhor, enquanto não tiver aprendido a ser discípulo.

A salvação para um mundo em crise não reside na tentativa revolucionária de derrubar governos, nem na tentativa anarquista de subverter a autoridade e nem tampouco na democracia demagógica que não reconhece nenhuma cabeça acima de si própria– ao contrário a saída reside em todos os poderes, políticos, econômicos e sociais, sendo sujeitados ao Poder que vem do Alto. Se assim o fizerem, então poderão reivindicar obediência já que são obedientes ao Poder que está nos Céus; poderão exigir que sejam respeitados como autoridade já que aprenderam a obedecer ao Autor de toda a autoridade, poderão ser reverenciados já que aprenderam a ser reverentes a Deus.

A SEGUNDA LIÇÃO DE NAZARÉ

Nazaré tem também outra lição para nos ensinar. E essa lição é aquela que nos diz: "nenhum homem tem direito à riqueza, enquanto não tiver aprendido a ser desapegado". Em outras palavras, Nazaré não é a simples glorificação da pobreza, uma resignação fatalística diante da miséria, um conformismo diante da dureza e da fome e nem tampouco é a condenação silenciosa da riqueza.

Em Nazaré, Nosso Senhor foi muito pobre, Ele foi um carpinteiro carente que vivia em uma pobre aldeia e teve que trabalhar pelas necessidades ordinárias da vida humana. Mas Ele era muito mais do que isso! Ele não era apenas um pobre homem. Ele era um homem rico que se fez pobre, do mesmo modo como era um homem poderoso e se fez obediente. Sua riqueza era todos os tesouros do Céu que a ferrugem não destrói, que a traça não corrói e que nenhum ladrão pode roubar. Sua riqueza não era a do carpinteiro de Nazaré, mas sim a riqueza do Carpinteiro que fez todo o universo, decorando-o com tetos de estrelas e carpetes de flores. Sua riqueza era a mansão da casa de Seu Pai, cuja beleza olho humano jamais viu, nem ouvido humano jamais ouviu e nem o coração humano jamais concebeu.

Ainda assim, com toda essa riqueza, Ele se fez pobre, escolheu para seu nascimento uma gruta de pastores, trabalhou como braçal, pregou como um vagabundo que não tinha sequer onde recostar a cabeça. Morreu como um criminoso em uma cruz e foi sepultado no sepulcro de um estranho.

O mundo grego antigo já chamava "filantropistas" aqueles homens que abriam mão de suas riquezas para distribuir com os pobres . O mundo já tinha ouvido falar de Buda que pediu aos seus discípulos para renunciarem à toda riqueza; já tinha visto Crato de Tebas dar seu ouro para os pobres; já tinha ouvido os estóicos elogiarem a pobreza em seus ricos banquetes, como o fazem alguns universitários e teólogos da idade moderna que cantam odes à pobreza nos sofisticados salões de suas conferências.

De fato, o mundo antigo só tinha ouvido falar da pobreza como uma regra de ascetismo, como um orgulhoso disfarce para a ostentação ou como um ornamento filosófico, mas nunca como um passo para a mais alta perfeição que é a união com o Espírito de Deus.

Muitos no passado já haviam dito: "Venda tudo que tens"; mas apenas Um acrescentou: "depois, vem e segue-me e terás um tesouro nos Céus". Sua Vida e Sua Doutrina não é de modo algum como a doutrina daqueles reformadores sociais, que buscando eliminar os abusos da riqueza e do capitalismo, provocam o conflito de classes, reivindicando a divisão dos bens até mesmo daqueles que o acumularam honestamente.

Existem aqueles que argumentam que os ricos não encontram nenhum respaldo na doutrina e na vida simples do Nazareno. Mas saibam que ninguém tem direito de desprezar os ricos, até que assim como Nosso Senhor, prove ser livre de toda paixão e ambição pela riqueza.

Essa é a razão pela qual Jesus Cristo foi tão duro com os ricos egoístas, ao dizer que era mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que eles entrarem no Reino dos Céus. A pobreza de Nazaré não foi a condenação da riqueza, nem a glorificação da pobreza e nem tampouco a canonização da pobreza como tal. A pobreza de Nazaré foi a mais bela pregação sobre a virtude do desapego, pela qual os homens se libertam da paixão pelos bens desse mundo para a maior glória de Deus e a salvação dos irmãos – mesmo que sua riqueza seja apenas alguns barcos de pesca e umas redes velhas de pescador.

Mas por que será que a maior parte da riqueza desse mundo acabou em guerras por causa dessa mesma riqueza? Por que será que a maioria dos ricos se tornou avarenta e miserável? Por que será que a maioria dos pobres se tornou amarga e os ricos infelizes? É porque ambos de fato, não sabem o que significa o desapego. É porque nunca aprenderam a lição de Nazaré, que é ter todas as coisas e não possuir nada Se tivessem aprendido de fato essa lição, não haveria ocasião para repetirem o que dizia o Professor Joad da Universidade de Cambridge, "que Deus é mais barato do que o salário-mínimo e que as classes governantes se aproveitam disso, para explorar o máximo que podem".

Nosso Senhor nunca procurou manter os pobres satisfeitos com sua própria pobreza, nem os miseráveis satisfeitos por viver na miséria. Aliás, a preguiça é um pecado capital condenado desde a antiga Lei, a qual Nosso Senhor veio cumprir até a última letra. Portanto, Ele não glorificou o homem pobre pelo simples fato de não possuir bens e nem tampouco o homem rico, mas sim o pobre que nem sempre era pobre; o homem pobre que uma vez já fôra rico, o pobre que pela lei do desapego possuía tudo porque nada mais desejava, o homem pobre que se tornou pobre não apenas porque abriu mão de suas riquezas, mas porque preferiu trocá-las pelas riquezas incomensuráveis do Céu.

Esse foi o modo que Ele encontrou para nos dizer; não bem-aventurados os ricos ou os pobres, mas sim: "Bem-Aventurados os pobres em espírito".

Quando Aquele que era rico se tornou tão pobre a ponto de declarar: "As raposas têm covas e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça"(Lc 9,57) e quando Aquele a Quem todo o poder foi dado nos Céus e na terra, abaixou-se humildemente com uma toalha na cintura sobre os pés de seus discípulos e lavou-lhes os pés, na noite anterior à Sua morte, Ele ensinou-nos como ser pobres sem nos tornarmos comunistas e como sermos obedientes sem nos tornarmos revolucionários.

Ele lembrou-nos de que a pobreza e a escravidão não nos faz mais dignos do Reino dos Céus do que os ricos e poderosos, mas que tantos ricos ou pobres só entrarão ali, se forem pobres em espírito. Ensinou-nos também que os líderes poderosos desse mundo só entrarão na posse de Seu Reino, se seguirem o exemplo do lava-pés no Cenáculo e passarem a se comportar como servos de Deus.

A oficina do Carpinteiro portanto, não é uma declaração solene sobre a beleza da pobreza ou sobre a santidade da escravidão. De fato, Nosso Senhor Jesus Cristo é o Único que passou por nossa terra sombria, de Quem tanto ricos como pobres, tanto mestres como servos e tanto escravos como poderosos podem dizer: "Ele pertence à nossa classe! Ele é um dos nossos"!