A g n u s D e i

DO DESEMPREGO À VIOLÊNCIA
por: d. Jacyr F. Braido
Bispo Coadjutor de Santos-SP
fonte: Informativo UniSantos nº 165

Estávamos em plena Quaresma e em plena Campanha da Fraternidade. Em clima de conversão sincera a Deus e na busca da fraternidade, refletíamos sobre o desemprego, um tema que sensibiliza a opinião pública e as comunidades de fé com a pergunta inquietante: "Sem trabalho... Por quê?".

De repente, explodem atos de violência. A sociedade e a Igreja se sensibilizam. É um situação que inspira medo, revolta, preocupação. A sociedade civil se mobiliza. As comunidades católicas, sem interromper a caminhada de Quaresma e de Campanha da Fraternidade, refletem e rrezam a partir da nova situação de violência.

Assim, num instante, somos chamados a voltar no tempo (1983) e a relembrar outra campanha da Fraternidade: "Fraternidade sim, violência não". Dois fenômenos aparecem juntos: desemprego e violência. Sem querer ligar os dois fatos e dizer que o desemprego é fonte de violência (o que não deixa, em certa forma, de ser verdade), julgo que os dois eventos não são causas um do outro, mas ambos são efeitos de uma causa maior, que vem sendo citada pelo povo simples, da seguinte maneira: "É a falta de Deus!".

É impressionante como o povo acerta no alvo, por vezes, e vai direto ao assunto, sem muitas reviravoltas ideológicas ou explicações científicas. Ficando com esta afirmação do povo, como poderíamos ligar estes dois fatos como efeitos desta causa maior: a falta de Deus?

Nessa passagem de século e de milênio, estamos imersos numa sociedade que se caracteriza por fatores diversos e até contrastantes entre si. Por um lado, a chamada sociedade ocidental, que há um tempo deixou a fé e se apegou exclusivamente à razão (Iluminismo) e nos introduziu na chamada "Era da Modernidade", de uns tempos para cá, vai deixando a razão de lado e vai dando espaço à emoção, à subjetividade e ao individualismo, levando-nos à chamada "Era da Pós-Modernidade".

Agora prevalecem o individualismo, o relativismo (não mais existem ideologias ou grandes verdades) e o hedonismo como busca da felicidade imediata: o importante é ser feliz! A técnica e a tecnologia apresentam avanços espetaculares em todos os campos da pesquisa e "bugigangas" de todo o tipo para o entretenimento e o lazer. Prevalece a imagem e a beleza. Diminui o interesse pela leitura, pela meditação e reflexão. O clima é de busca e de novidades.

E Deus, onde fica? Observa-se que a religião não desaparece, aliás se multiplicam as crenças; a fé também não, mas há inúmeras interpretações da fé, sobretudo a partir de certas opiniões éticas e comportamentais; deuses também é que não faltam: o deus cósmico, o deus interior, o deus da harmonia, espíritos, orixás... Multiplicam-se os deuses ou ao menos as concepções do único e verdadeiro Deus, o Deus Vivo.

E onde está este único Deus Vivo? Está onde sempre esteve. Elé é o único Criador. O universo e tudo o que nele existe, tudo o que admiramos e descobrimos é obra deste único Ser misterioso e amoroso. Ele é aquele que dialoga com o homem na história. Ele é quem caminha com seu Povo na história. Ele é quem se faz presente na história em Jesus de Nazaré. reúne seus seguidorres em "assembléia" (a Igreja). Traça para todos um caminho onde prevalecem a verdade e o amor. Conduz a todos a um caminho de glória e plenitude.

Como relacionar este Deus, ou a falta deste Deus, com o desemprego e a violência que tanto nos assustam? O povo simples tem esta intuição maravilhosa: na medida em que deixamos este Deus de lado e vamos seguindo as "verdades" do momento, construímos um mundo sem a Verdade e sem o Amor. Erigimos o dinheiro (síntese de tudo o que é desejável) como o único valor. A única lei é a busca deste único valor (deus, ídolo?), não importa como. Aí abre-se campo para tudo: trabalho escravo, emprego, desemprego, corrupção, injustiças, violência. Surge uma sociedade "torta" e desumana. Na medida em que damos espaço para este Deus, tende a voltar a sociedade da justiça, da fraternidade e da solidariedade. Não a partir de uma lei de fora, mas a partir do coração das pessoas.

Fiquemos com esta intuição do povo. Continuemos nossa Quaresma de conversão a este Deus e a seu amor de Pai e de conversão a nossos irmãos e irmãs. Ficaremos surpresos com os resultados. Ele é quem opera maravilhas. Aliás, é edificante o modo, por exemplo, como o povo cristão está buscando as celebrações penitenciais e a confissão. É com sinceridade e realismo: o povo "confessa" seu estado de vida e busca caminhos de renovação espiritual. E os padres estão se prodigalizando em atendimento. Continuemos.

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