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Monsenhor Decano,
Ilustres Prelados Auditores
e Oficiais da Rota Romana:
Saúdo todos vós com afecto, reservando uma particular saudação ao novo Decano, a quem
agradeço a devota homenagem que me dirigiu em seu próprio nome e no de todo o Tribunal da
Rota Romana. Ao mesmo tempo, desejo dirigir um pensamento de gratidão e de agradecimento a D.
Mário Francesco Pompedda, recentemente nomeado Prefeito do Supremo Tribunal da Signatura
Apostólica, pelo longo serviço que prestou com generosa dedicação e singular preparação e
competência junto do vosso Tribunal.
Na Exortação Apostólica Familiaris consortio, publicada no dia 22 de Novembro de 1981,
coloquei em evidência quer os aspectos positivos da nova realidade familiar, como a
consciência mais viva da liberdade pessoal, a maior atenção às relações pessoais do
matrimónio e à promoção da dignidade da mulher, quer os aspectos negativos ligados à
degradação de alguns valores fundamentais e à "errada concepção teórica e prática da
independência dos cônjuges entre si", relevando a sua influência no "crescente número de
divórcios" (n. 6).
Escrevi que na raiz dos denunciados fenómenos negativos "muitas vezes há uma corrupção da
ideia e da experiência de liberdade concebida não como capacidade de realizar a verdade do
projecto de Deus sobre o matrimónio e a família, mas como força autónoma de afirmação, não
raramente contra os outros, para o próprio bem-estar egoísta" (Ibidem). Por isso, salientei o
"dever fundamental" que a Igreja tem de "reafirmar vigorosamente como fizeram os Padres do
Sínodo a doutrina da indissolubilidade do matrimónio" (Ibid., n. 20), também em vista de
fazer esvanecer a sombra que, a respeito do valor da indissolubilidade do vínculo conjugal,
algumas opiniões parecem lançar no âmbito da investigação teológico-canónica. Trata-se de
teses favoráveis à superação da absoluta incompatibilidade entre um matrimónio ratificado e
consumado (cf. Código de Direito Canónico [CDC], cân. 1061 1) e o novo matrimónio de um dos
cônjuges, durante a vida do outro.
Com efeito, "radicada na doação pessoal e total dos cônjuges e exigida pelo bem dos filhos, a
indissolubilidade do matrimónio encontra a sua verdade última no desígnio que Deus manifestou
na Revelação: Ele quer e concede a indissolubilidade matrimonial como fruto, sinal e
exigência do amor absolutamente fiel que Deus Pai manifesta pelo homem e que o Senhor Jesus
vive para com a sua Igreja" (Ibid.).
O "alegre anúncio da forma definitiva daquele amor conjugal" não é uma vaga abstracção nem
uma bela frase que reflecte o comum desejo daqueles que se orientam para o matrimónio. Este
anúncio arraiga-se sobretudo na novidade cristã, que faz do matrimónio um sacramento. Os
esposos cristãos, que receberam "o dom do sacramento", são chamados com a graça de Deus a dar
testemunho da "santa vontade do Senhor: "O que Deus uniu, não o separe o homem" (Mt 19, 6)",
ou seja, do "inestimável valor da indissolubilidade... matrimonial" (Familiaris consortio,
20). Por estes motivos reitera o Catecismo da Igreja Católica [CIC] "a Igreja afirma, por
fidelidade à palavra de Jesus Cristo (cf. Mc 10, 11-12), que não pode reconhecer como válida
uma nova união, se o primeiro matrimónio foi válido" (n. 1650).
É inegável que a actual mentalidade da sociedade em que vivemos tem dificuldade de aceitar a
indissolubilidade do vínculo matrimonial e o conceito mesmo de matrimónio como "foedus, quo
vir et mulier inter se totius vitae consortium constituunt" (CDC, cân. 1055 1), cujas
propriedades essenciais constituem "unitas et indissolubilitas, quae in matrimonio christiano
ratione sacramenti peculiarem obtinent firmitatem" (CDC, cân. 1056). Todavia, esta
dificuldade real não equivale "sic et simpliciter" a uma negação concreta do matrimónio
cristão ou das suas propriedades essenciais. Ela também não justifica a presunção,
infelizmente às vezes formulada por alguns tribunais, que a prevalecente intenção dos
contraentes, numa sociedade secularizada e permeada por fortes correntes divorcistas, seja de
querer um matrimónio solúvel a ponto de exigir antes a prova da existência do verdadeiro
consentimento.
Para afirmarem a exclusão de uma propriedade essencial ou a negação de uma finalidade
fundamental do matrimónio, a tradição canónica e a jurisprudência da Rota sempre exigiram que
estas se verifiquem com um positivo acto de vontade, que supere uma vontade habitual e
genérica, uma veleidade interpretativa, nalguns casos uma opinião errónea sobre a bondade do
divórcio, ou o simples propósito de não respeitar os compromissos realmente assumidos.
Todavia, em virtude do princípio da insubstituibilidade do consentimento matrimonial (cf.
CDC, cân. 1057), de modo excepcional o erro acerca da indissolubilidade pode ter a eficácia
que torna inválido o consentimento, caso determine positivamente a vontade do contraente em
relação à escolha contrária à indissolubilidade do matrimónio (cf. CDC, cân. 1099).
Isto só pode verificar-se quando o juízo erróneo acerca da indissolubilidade do vínculo
influi de modo determinante sobre a decisão da vontade, porque se orienta por uma íntima
convicção, profundamente arraigada na alma do contraente e é por ele mesmo professado com
determinação e obstinação.
Todavia, está a difundir-se a ideia segunda a qual o poder do Romano Pontífice, sendo vicário
da potestade divina de Cristo, não seria um daqueles poderes humanos aos quais se referem os
mencionados cânones, e portanto nalguns casos talvez pudesse alargar-se também à dissolução
dos matrimónios ratificados e consumados. Diante das dúvidas e das inquietações de espírito
que daí poderiam emergir, é necessário reafirmar que o matrimónio sacramental ratificado e
consumado jamais pode ser dissolvido, nem sequer pelo poder do Romano Pontífice. A afirmação
oposta implicaria a tese segundo a qual não existe qualquer matrimónio absolutamente
indissolúvel, o que seria contrário ao sentido em que a Igreja ensinou e ensina a
indissolubilidade do vínculo matrimonial.
Efectivamente, emerge com clarividência que a não-extensão do poder do Romano Pontífice aos
matrimónios sacramentais ratificados e consumados é ensinada pelo Magistério da Igreja como
doutrina a ser conservada de maneira definitiva, embora esta não tenha sido declarada de
forma solene mediante um acto definitório. De facto, esta doutrina foi proposta pelos Romanos
Pontífices de modo explícito e em termos categóricos, de forma constante e num arco de tempo
suficientemente prolongado. Em comunhão com a Sé de Pedro e na consciência de que deve ser
sempre defendida e aceite pelos fiéis, todos os Bispos a fizeram própria e a ensinaram. Neste
sentido, foi reproposta também pelo Catecismo da Igreja Católica. Além disso, trata-se de uma
doutrina confirmada pela praxe plurissecular da Igreja, conservada em plena fidelidade e com
heroísmo, por vezes mesmo perante graves pressões dos poderosos deste mundo.
É altamente significativa a atitude dos Papas que, mesmo no tempo de uma clarividente
afirmação da primazia petrina, demonstram que estão sempre conscientes do facto de que o seu
Magistério visa o serviço total da Palavra de Deus (cf. Constituição dogmática Dei Verbum,
10) e, neste espírito, não se colocam acima da dádiva do Senhor, mas comprometem-se
exclusivamente na conservação e na administração do bem confiado à Igreja.
Invoco sobre o vosso não fácil serviço eclesial a constante protecção de Maria, Regina
familiae. Enquanto vos garanto a minha proximidade com estima e apreço, concedo de coração a
todos vós, como penhor de afecto constante, uma especial Bênção Apostólica.