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VENDEM-SE RELIGIÕES
Autor: Chris Shea
Fonte: The New York Times - Jun./2001
Transmissão: Cledson Ramos Bezerra

Grupo de sociólogos americanos afirma que as leis de mercado também regem os movimentos religiosos e explicam a diversidade de crenças nos Estados Unidos.


Interessado em ver provas da diversidade religiosa dos EUA? Basta descer a rua Dezesseis, em Washington, passando por uma igreja após outra: Luterana da Graça, Igreja Nacional do Nazareno, Trindade A.M.E. Sion, Unitária de Todos os Santos e assim por diante. Para um pequeno grupo de sociólogos, existem tantos templos distintos pelo mesmo motivo que há tantas marcas de sabão em pó ou pasta de dentes no supermercado: a economia.

Segundo eles, a concorrência molda os aspectos terrenos das religiões, sua popularidade e a maneira como são transmitidas. E as pessoas que ocupam os bancos das igrejas são consumidoras volúveis, prontas a transferir sua lealdade a uma marca concorrente se a atual lhes parecer gasta ou pouco inspirada.

Essa abordagem econômica os levou a concluir que, longe de solapar a religião, a concorrência a incentiva. Não apenas faz os clérigos trabalharem mais, dizem eles, mas também significa que há chances maiores de uma pessoa qualquer encontrar uma igreja que se coadune com suas tendências espirituais.

"É possível demonstrar que existe uma distribuição de gostos e preocupações religiosos em qualquer sociedade", disse Rodney Stark, professor de sociologia na Universidade de Wisconsin e proponente da chamada teoria das economias religiosas.

"O ponto básico é que qualquer sociedade será mais bem servida se tiver muitas religiões diferentes voltadas a diferentes segmentos de mercado, para usar a linguagem capitalista. Estou certo de que bebemos mais refrigerante porque existem 20 companhias atuando nesse setor, e não apenas a Coca-Cola".

Mas tanto a linguagem econômica quanto o argumento do pluralismo incomodam muitos acadêmicos atuantes nessa área. O sociólogo Steve Bruce, da Universidade de Aberdeen, na Escócia, escreveu que a sociologia da religião sofre influência maligna de um pequeno grupo de sociólogos americanos" que vem espalhando idéias desvairadas. E Mark Chaves, sociólogo da Universidade do Arizona, qualifica a teoria do pluralismo como "castelo de cartas".

TOLDO DE FÉ

Os defensores da teoria das economias religiosas, voltados à diversidade de igrejas cristãs, procuram derrubar a visão de pluralismo dominante há meio século na sociologia da religião.

Peter Berger, diretor do Instituto de Religião e Assuntos Mundiais da Universidade de Boston, escreveu que, em determinada época, a fé era como um toldo que dava abrigo a toda a sociedade, oferecendo aos cidadãos uma certeza comum. Mas, à medida que a tolerância foi abrindo a porta para diferentes variedades, o toldo se rasgou. A certeza, como não poderia deixar de ser, foi diminuindo, e o mesmo ocorreu com a fé.

Mas Stark e Roger Finke, sociólogo da Penn State University, argumentam que essa visão sociológica ampla com frequência é muito vaga e pouco científica. Além disso, afirmam, é preciso uma teoria nova para extrair algum sentido dos EUA. No país, hoje, cerca de 40% dos adultos afirmam ir à igreja todas as semanas, contra 10% no Reino Unido e apenas 4% na Escandinávia. Contando com cerca de 1.350 confissões cristãs e movimentos religiosos, os EUA são uma das mais pluralistas e religiosas sociedades modernas. Esses fatos vêm obrigando os sociólogos a repensar a idéia de que a religião deixaria de existir no momento em que vizinhos não acreditassem mais no mesmo Deus.

DIVERSIDADE

Adam Smith traçou alguns elos entre competição e compromisso religioso em "A Riqueza das Nações", 225 anos atrás, mas a maioria dos estudiosos os ignorou.

Stark e outros começaram a usar a linguagem econômica para descrever a religião em meados dos anos 1980. Mas o novo pensamento começou a causar impacto em 1988, quando ele e Finke publicaram um artigo no "The American Sociological Review". Usando dados de uma sondagem de comportamentos religiosos conduzida em 1906 pelo Censo americano, eles exploraram a ligação entre diversidade e compromisso religioso.

A tese da secularização dizia que a religião decairia mais rapidamente nas cidades porque seria impossível a seus habitantes não notar que seus vizinhos frequentavam igrejas diferentes. Mas Stark e Fink constataram que, nas zonas rurais, o índice de frequência nas igrejas é de 50%, enquanto em algumas áreas urbanas chega a 60%.

Eles usaram as mesmas fórmulas estatísticas utilizadas pela Comissão Federal de Comércio para medir a quantidade de concorrência em mercados de consumo.

Descobriram que, em cidades do mesmo tamanho, o índice de frequência nas igrejas era maior quando existiam opções para os fiéis.

"Contrariamente ao que afirmavam o clero e os cientistas sociais, o pluralismo favorece a mobilização religiosa, não o contrário", concluíram.

A verdadeira diferença entre a religião nos EUA e na Europa, dizem eles, está no lado da oferta.

Os colegas europeus de Stark ficam atônitos, conta o sociólogo, quando ele descreve a enxurrada de convites e propostas de igrejas que ele recebe pelo correio. "As igrejas americanas se esforçam muito para atrair fiéis".

Um dos mais polêmicos argumentos de Stark e Finke é que a Europa poderia ter um novo despertar religioso se suas igrejas começassem a agir como suas equivalentes americanas.

Vários sociólogos especializados nos países protestantes da Europa, no entanto, dizem que a concorrência aberta e a queda da religiosidade tradicional têm andado de mãos dadas.

Outros acadêmicos questionam se a teoria do pluralismo é aplicável mesmo aos EUA. Em alguns dos estudos sobre o país, Finke e Stark deram tratamento diferente aos católicos e aos seguidores de outras fés. Os críticos chamaram isso de "prestidigitação estatística". Mas os dois autores disseram que, na condição de minoria estreitamente unida e frequentemente perseguida - pelo menos no século XIX - os católicos não participavam do mesmo mercado econômico que os protestantes.

No que diz respeito à Irlanda e à Polônia, países de forte tradição católica, Stark e Finke afirmam que mesmo igrejas monopolistas podem florescer quando a religião se mistura a conflitos políticos. Os poloneses, por exemplo, durante muitos anos viram a assistência à missa como maneira de demonstrar desprezo pelos soviéticos.

Seja como for, mesmo os críticos admitem que o espantoso nível de fé religiosa visto nos EUA pede mais estudos e teorização. Berger acha que uma visão "de mercado" da religião passa por cima do que é mais importante - história, significado, simbolismo e ritual, por exemplo. "Olhar a religião num contexto derivado exclusivamente do âmbito econômico não esclarece muita coisa".