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Rouen, 30 de maio de 1431. Após resistir com argúcia, durante três meses, ao
acirrado interrogatório de um tribunal iníquo, era queimada viva na Place de
Vieux-Marché uma jovem que salvara o reino da França: Santa Joana d'Arc, la
Pucelle. Em 1909, São Pio X beatificou-a, e Pio XI canonizou-a em 1920. Sua
festa comemora-se no dia 30 de maio.
A vitória da França contra a coligação dos ingleses e borguinhões teve um
papel altamente providencial na História da Igreja. A Pseudo-Reforma já
estava em gestação, e a França "inglesa" seria a França protestante. Quem
poderia prever a extensão do prejuízo que em tal caso a Cristandade
sofreria? A missão de Santa Joana d'Arc deve ser considerada sobretudo desse
ponto de vista sobrenatural.
A França atravessava, no século XV, uma fase crítica e tormentosa de sua
história. Rouen tinha sido dominada pelos ingleses, e toda a Normandia
também lhes havia caído nas mãos. Na batalha de Azincourt foi dizimada a
fina flor da nobreza francesa. O vencedor, Henrique V da Inglaterra,
casou-se com Catarina, filha de Carlos VI da França. Com o enlouquecimento
deste, sua esposa Isabel da Baviera e o Duque da Borgonha, Felipe o Bom,
assinam com os ingleses o Tratado de Troyes, que entrega a França à
Inglaterra e reconhece Henrique V como regente do reino francês.
Com a entrada dos inimigos em Paris, o delfim Carlos - que era o legítimo
herdeiro da coroa - foi obrigado a se refugiar nas províncias do além-Loire.
Quando em 1428 os ingleses armaram o cerco diante de Orleans - cidade chave
da região - todos compreenderam que os dias do futuro Carlos VII estavam
contados.
Para salvar a França, Deus suscitou uma jovem pastora, ignorante e sem
nenhuma experiência do mundo, confiando-lhe um encargo de todo estranho às
atividades comuns de seu sexo: em atenção ao chamado do Céu, ei-la
transformada em guerreira, em trajes militares, a atravessar o território
inimigo em demanda de Chinon, onde se encontrou com o delfim, para
convencê-lo da santa missão recebida através das vozes que ouvia.
Correspondendo plenamente à sua vocação, declarou ela: "Nasci para isto!"
Fora "enviada por Deus para salvar a França".
Em apenas oito dias (de 1 a 8 de maio de 1429), Santa Joana d'Arc libertou
Orleans. Alcançou sobre os exércitos ingleses a fulminante vitória de Patay
e conduziu o delfim a Reims, onde foi coroado Rei a 17 de julho.
Santa Joana d'Arc, no auge de suas vitórias, foi procurada certa ocasião por
seus conterrâneos de Donrémy, que lhe perguntaram de onde tirava tanta
audácia. Respondeu ela: "Só temo a traição".
A santa sucumbiu realmente pela traição que tanto temia. O primeiro grande
traidor contra a coroa francesa foi o próprio Rei Carlos VII, que se deixou
vencer pela inércia e abandonou a heroína à sua própria sorte na tentativa
de reconquistar Paris, bem como em suas outras escaramuças com os inimigos.
Presa na cidade de Compiègne pelos exércitos do Duque de Borgonha, a Pucelle
foi vendida aos ingleses. Pierre Cauchon, bispo de Beauvais, apresentou-se
para julgar aquela que tanto bem fizera à França. Esse bispo francês havia
sido expulso de sua diocese na marcha triunfal da Donzela, e por isso
alimentava um ódio indizível contra ela. Por outro lado, servindo ao partido
inglês, esperava obter o arcebispado de Rouen...
Reuniram-se naquela cidade normanda sessenta juízes, clérigos e advogados,
todos pagos pelo governo inglês. Um dos juízes, Houppeville, protestou de
início contra o processo, porque apenas inimigos da Donzela iam julgá-la.
Foi lançado no cárcere. Outro juiz, que pediu um defensor para Santa Joana d
'Arc, fugiu apressadamente da cidade, pois os ingleses haviam queimado uma
mulher só porque se pronunciara favoravelmente à Santa.
O processo foi conduzido com a maior irregularidade. Apesar de tudo, a
Donzela aniquilou todas as argúcias dos juizes. Suas respostas às perguntas
capciosas eram cheias de sabedoria. Quando lhe argüíram: "Credes que estais
na graça de Deus?" (se dissesse que não, confirmaria que suas revelações não
eram do Céu; se dissesse que sim, estaria expressando uma heresia), ela
respondeu simplesmente: "Se não estou, que Deus me coloque; e se estou, que
Deus me conserve". E acrescentou: "Eu seria a pessoa mais amargurada do
mundo se soubesse que não estou na graça de Deus".
Em resposta a outras questões que lhe colocaram, especialmente sobre o
segredo que ela compartilhava com Carlos VII, ela disse: "Durante três
semanas, em Chinon e Poitiers, fui examinada por pessoas da Igreja. Enviais
alguém a Poitiers para procurar os documentos do processo". Cada vez que ela
mencionava esse episódio, os juizes mudavam de assunto, pois o fato de a
santa ter sido examinada e justificada pelo tribunal de Poitiers incomodava
enormemente a corte de Rouen.
Em outra ocasião, propuseram à Donzela um conselheiro, a ser escolhido entre
os juizes que compunham o tribunal, e que eram todos amigos de Cauchon. Ela
respondeu: "Em relação ao conselheiro que vós me ofereceis, eu vos agradeço,
mas eu não tenho a intenção de me afastar do conselho de Nosso Senhor".
Certa vez, os juizes lhe perguntaram se Deus detestava os ingleses, ao que a
santa observou: "Quanto ao amor ou ódio que Deus sente pelos ingleses, nada
sei. Mas o que bem sei é que eles serão expulsos da França, exceto os que
aqui morrerem".
Ainda outro exemplo: "Quereis vos submeter à nossa Santa Madre Igreja por
tudo o que fizestes, quer de bem ou de mal?", perguntaram-lhe os juizes.
Santa Joana d'Arc respondeu: "Quanto à Igreja eu a amo, e quereria
sustentá-la com todas as minhas forças".
Aquele tribunal irregular não representava verdadeiramente a Igreja, essa
mesma Igreja que haveria de proceder à reabilitação de Joana d'Arc e
elevá-la aos altares. Por três meses de prolongou o interrogatório. Temendo
os ingleses que a santa morresse devido aos maus tratos, apressaram o
julgamento. Cauchon condenou-a a morrer na fogueira.
No local do suplício, a Santa invocou piedosamente a Santíssima Trindade, a
gloriosa Virgem Maria e todos os santos do paraíso. Enquanto as chamas
devoravam seu corpo, reafirmou que agira "por ordem de Deus". Por fim, o
grito prolongado enquanto inclinava a cabeça e rendia sua alma à Deus:
"Jesus!".